Entrevista de Alain de Benoist para a Boulevard Voltaire, realizada por Nicolas Gauthier.
Boulevard Voltaire (BV): Apesar das repetidas promessas dos políticos da direita e da esquerda, nada parece estar freando o aumento do desemprego. Isso é algo inevitável?
Alain de Benoist (AdB): Oficialmente, há 3,5 milhões de desempregados na França, o que representa uma taxa de 10.3% de desemprego. Mas esse número varia dependendo de como é computado. As estatísticas oficiais levam em consideração apenas os desempregados que estão ativamente procurando um emprego, deixando de lado as categorias B, C, D e E (os estão procurando emprego, apesar de ultimamente estarem trabalhando de modo reduzido; os que pararam de procurar emprego, mas ainda estão desempregados; os que estão em formação; os estagiários, os que estão trabalhando sob “contratos subsidiados”, etc.). Somando todas essas categorias, chegamos a uma taxa de desemprego real de 21.1% (mais do que o dobro dos números oficiais). Se nos remetermos à taxa geral da população inativa em idade de trabalho, chegamos aos 35.8%. Além do mais, se levarmos em consideração os trabalhos perigosos, de tempo parcial ou de prazo determinado, bem como a porcentagem dos trabalhadores abaixo da linha de pobreza, esse número só aumenta.
Indubitavelmente, mudanças no desemprego dependem das políticas oficiais − mas apenas até certo ponto. O desemprego atual não é mais de natureza cíclica, mas fundamentalmente estrutural, algo que muitos ainda não compreenderam completamente. Isso significa que o trabalho está se tornando uma commoditie escassa. Os empregos perdidos estão cada vez menos sendo substituídos por outras aberturas de vagas. É claro, a expansão do setor de serviços é real, mas o setor de serviços não gera capital. No mais, vinte anos para a frente e quase a metade desses empregos no setor de serviços será substituída por redes de máquinas. Imaginar, portanto, que algum dia retornaremos ao pleno emprego é uma ilusão.
BV: Existem pessoas que vivem para trabalhar e outras que trabalham para viver. Aqueles que se recusam a perder suas vidas para ganhá-la fariam parte de algum tipo de sabedoria ancestral? Teria o trabalho realmente um valor em si?
AdB: O que precisa ser apontado é que aquilo que chamamos de “trabalho”, hoje, não possui qualquer relação com o que costumava ser a atividade produtiva em séculos passados, que pode ser reduzida a uma simples “metabolização” da Natureza. O trabalho não é nem sinônimo de atividade, nem de emprego. A quase universal difusão do trabalho assalariado, em certo sentido, foi uma revolução contra a qual as massas seguiram hostis por um longo período de tempo. A razão para isso é que elas estavam acostumadas com o consumo dos frutos de seu próprio trabalho, nunca enxergando o trabalho como um meio de se adquirir os frutos alheios, ou, em outras palavras, trabalhar para comprar os resultados do trabalho alheio.
O trabalho possui uma dimensão dual: ele representa tanto uma operação concreto (seu propósito metabolizador), quanto uma operação abstrata (a energia e o tempo gastos). No sistema capitalista, o que conta é apenas a operação abstrata, porque esse tipo de atividade, indiferente ao seu próprio conteúdo e igual para todos os bens para os quais ela fornece uma base de compra, é o único fator que se transforma em dinheiro, adquirindo, assim, um papel mediador em uma nova forma de interdependência social. Isso significa que, em uma sociedade na qual a commoditie é a categoria estrutural básica, o trabalho deixa de ser socialmente distribuído por estruturas de poder tradicionais. Ao contrário, ele realiza ele mesmo a função daquelas antigas relações. No capitalismo, o trabalho constitui per si a forma dominante de relação social. Seus subprodutos (commodities, capital) representam, simultaneamente, produtos de uma operação concreta, bem como formas objetificadas de mediação social. Daí o trabalho deixar de ser um meio para se tornar um fim em si mesmo.
No capitalismo, o valor é derivado do tempo gasto trabalhando, e representa, portanto, a forma dominante de riqueza. O acúmulo de capital significa acumular o produto do tempo gasto em trabalho humano. É por isso que os enormes ganhos de produtividade gerados pelo sistema capitalista não resultaram em qualquer redução significativa das horas de trabalho, como se poderia esperar. Ao contrário, com base nas tendências de expansão ilimitada, o sistema segue impondo sempre mais trabalho. E é bem aqui que podemos observar suas contradições fundamentais: por um lado, o capitalismo busca ampliar as horas de trabalho, já que é apenas tendo pessoas trabalhando mais e mais que se pode alcançar o acúmulo de capital, e por outro, os ganhos de produtividade permitem que, de agora em diante, se produzam mais e mais bens, com cada vez menos pessoas. Isso torna a produção de riquezas materiais cada vez mais independente do tempo gasto trabalhando. Neste sentido, os desempregados já se transformaram em pessoas supérfluas.
BV: Você é conhecido como um trabalhador compulsivo. Você alguma vez já sentiu falta de ficar observando a grama crescer ou de acariciar alguns dos gatos de sua casa?
AdB: Eu trabalho de 80 a 90 horas por semana simplesmente porque gosto de fazer o que faço. Isso não me torna um adepto da ideologia do trabalho. Muito pelo contrário. No Gênese (3:17-19), o trabalho é representado como uma consequência do pecado original. São Paulo diz: “Quem não quiser trabalhar, não tem o direito de comer” (II Tessalonicenses 3:10). Mas essa visão moral e punitiva do trabalho me é tão alienígena quanto a ética do trabalho redentor do protestantismo, ou quanto à exaltação do valor do trabalho por regimes totalitários. Sim, eu tenho consciência do fato de que a palavra “trabalho” vem do latim tripalium, que é uma palavra originalmente usada para designar um instrumento de tortura. Portanto, eu sei bem como sacrificar as demandas do “tempo livre”, que é “livre” na medida em que é livre do trabalho.