É curioso como a Rede Globo e a mídia de massa de mesma orientação nos países ocidentais ficam extremamente afetados sempre que são contrariados na Rússia. A eleição de Putin é um exemplo.
Estamos longe de ser apoiadores acríticos do presidente Putin. Ele trilha um caminho que, às vezes, pende para o liberalismo. Seu partido e governo estão cheios de liberais, a chamada “sexta-coluna”, os sabotadores internos já nomeados pelo professor Dugin.
A Rússia sofre pela dificuldade de Putin em fazer mudanças mais radicais no que concerne o Banco Central e a outros pontos econômicos, sociais e culturais problemáticos na Rússia atual. Seu governo ainda é muito dependente do apoio de oligarcas antipatrióticos e de outras figuras de uma intelligentsia da época de Iéltsin, plantada ali pelos EUA e pelo Banco Mundial.
Não obstante, ele levou 75% dos votos do eleitorado russo. E não estamos falando de um público idoso, porque Putin é ainda mais popular entre os jovens do que entre os idosos (que, muitas vezes, têm um apreço maior pelo PCFR).
Não é difícil entender a vitória de Putin.
Não é lavagem cerebral. Não é fraude eleitoral. Não é propaganda massificada. E é isso que o Ocidente não consegue aceitar. A vitória de Putin se dá porque todos os índices econômicos e sociais russos melhoraram sob seus governos. A vida hoje é qualitativamente superior à vida sob Iéltsin em todos os âmbitos possíveis e imagináveis.
O PIB aumentou em mais de 10 vezes. A inflação despencou. A dívida pública caiu para 1/10. Os salários e aposentadorias cresceram acima da inflação. E nada disso foi alcançado com a aplicação das receitas dos “Chicago Boys”, que dominavam o governo Iéltsin.
Doses certas de firmeza, medo e inteligência foram aplicadas contra os oligarcas. Ainda que nossa preferência seja pela expropriação das propriedades dos oligarcas (todas elas conseguidas de forma ilegal ou ilegítima), não podemos deixar de reconhecer que, ao dar um ultimato aos oligarcas (ficar fora da política e alinhar seus interesses econômicos aos interesses nacionais), apesar de não conseguir estabelecer as condições econômicas ideais, Putin no mínimo conseguiu um grau de estabilidade inicial para permitir uma série de reformas que ajudaram a reverter os piores aspectos do período Iéltsin.
Ao contrário do governo do PT, Putin aproveitou os preços altos das commodities para reindustrializar a Rússia. Mesmo no setor primário, a Rússia foi caminhando aos poucos na direção da autossuficiência, ao invés de se fechar em uma monocultura dependente. O rublo desvalorizado, mas estável, ajudou a proceder a uma moderada substituição de importações em alguns setores e a proteger pequenas e médias empresas.
A destruição político-econômico (ou pior) de alguns seletos oligarcas, posta em prática de tempos em tempos, ajudou a manter os demais na linha. O medo ajudou a garantir que vários dos principais sonegadores (em sua maioria, grandes empresas pertencentes a oligarcas) voltassem a pagar impostos.
A prova do sucesso econômico de Putin está no fato de que, mesmo com várias sanções de alguns de seus principais parceiros comerciais, mesmo com a queda drástica no preço do petróleo, a crise econômica pela qual a Rússia tem passado nos últimos 3 anos tem sido infinitamente mais suave do que a brasileira ou venezuelana.
Contudo, não é por razões econômicas que Putin conseguiu o apoio maciço da juventude russa. O povo russo possui uma mentalidade geopolítica muito forte. Coisas como “imagem do país”, “força do país”, “presença internacional do país” são muito importantes para o cidadão russo. A libertação da Crimeia e a pequena ajuda dada ao Donbass foram fundamentais para cimentar o apoio do povo russo a Putin. Na Crimeia libertada, por exemplo, Putin levou 93% dos votos, e isso em uma região que, segundo a mídia ocidental, foi “invadida”. A participação russa na Síria também é importante para o povo russo e, se dependesse dele, ela seria ainda maior do que já é. Também se deve destacar o importante papel da Rússia no apoio à Palestina e ao estabelecimento de seu Estado, bem como na limitação das pretensões expansionistas de Israel.
Esses eventos, bem como a disposição constante de afirmar publicamente a soberania nacional e a primazia dos interesses russos, a modernização e os fortalecimento das Forças Armadas, o apoio aos esportes e aos atletas nacionais, o fortalecimento da Igreja Ortodoxa, o aumento na fertilidade dos russos étnicos, tudo isso tem ajudado a resgatar um forte sentimento de orgulho nacional no povo russo, que voltou a sentir que pertence a uma Pátria autêntica. Isso tem levado, inclusive, a que russos que moram em outros países voltem em números cada vez maiores ao seu país de origem.
É esse tipo de coisa que causa na mídia um desespero risível, que a faz cair em palavras de ordem e chavões ( “regime”, “ditadura”, “autoritarismo”, etc.), com acusações de assassinatos, acusações de manipulações eleitorais e coisas do tipo. Insinua-se, até, que Putin seguir sendo presidente seria algo “antidemocrático” pelo tempo que ele tem ocupado o cargo, claro, esquecendo-se de nomes como Merkel, Thatcher ou de outras tentativas ocidentais de construir dinastias políticas longevas, como com os Bush e os Clinton.
Nesse sentido, a crítica necessária a Putin e a seu governo deve abrir caminho para a percepção clara de que, neste momento, é necessário que ele siga governando a Rússia, e de que seria loucura trocá-lo por quem quer que seja. Os problemas estruturais da Rússia, sob Putin, que culminam em uma grande desigualdade entre os grandes centros de Moscou e São Petersburgo e as várias províncias e regiões do interior, a permanência de uma influência oligárquica incômoda, a sobrevivência de chicaguistas em setores centrais do governo, acabam empalidecendo diante de quão péssimo para eles e para o mundo que seria, hoje, uma Rússia sem Putin.
Putin venceu. Em segundo lugar, ficaram os comunistas (que na Rússia são nacionalistas). Em terceiro, ficaram os chauvinistas. E os liberais? Não conseguiram nem 2% dos votos.
A multipolaridade agradece. E os povos da Síria, do Iraque, do Iêmen, da Palestina, do Irã e do Donbass comemoram.