Dugin na Argentina: ‘O neoliberalismo é o niilismo puro’

Na última semana, o professor Aleksandr Dugin esteve na Argentina para uma série de conferências. Tendo passado pelo CGT (Confederación General del Trabajo) de Córdoba, pela Universidade de Buenos Aires e pela Escola Superior de Guerra, espectado por estudantes universitários, civis e militares de alta patente, Dugin versou sobre temáticas como o projeto de uma Quarta Teoria Política, a relevância de um bloco eurasiático contra a hegemonia atlantista, o caráter nefasto e niilista do liberalismo (em todas as suas facetas), etc.

As palestras foram patrocinadas pelo Centro de Estudios Estratégicos Suramericanos (CEES), think tank dirigido pelo sindicalista Julio Piumato e pelo filósofo Alberto Buela.

Ao final da conferência na Escola Superior de Guerra, Dugin concedeu uma pequena entrevista ao jornal Tiempo, traduzida abaixo:

Por que o liberalismo é um perigo?

O futuro foi conquistado pelo liberalismo. O poder está nas mãos do capital global, da elite política capitalista-liberal ocidental, que impõe normas, valores (valores que declara serem universais). Tal liberalismo, hoje, não possui qualquer inimigo. Busca encontrar, ou forjar, seu inimigo como sendo o islamismo radical ou a figura de [Vladimir] Putin. O liberalismo, através do paradigma dos Direitos Humanos, visa estabelecer a ideia de que não há nenhuma diferença entre os indivíduos. Que não são relevantes nem o gênero, nem a nação, nem a etnia, nem a identidade étnica, nem a identidade religiosa: esta é a ideia chave do liberalismo. A suposta liberdade individual contra as identidades coletivas.

Hoje, no mundo, podemos ser liberais de esquerda ou de direita. Inclusive, em alguns casos, podemos ser liberais de extrema-esquerda – como o são os antifas norte-americanos – ou de extrema-direita liberal, como os ucranianos nacional-socialistas, que lutam contra os russos, e que apoiam o liberalismo ocidental. Definitivamente, podemos ser liberais de qualquer tipo, mas não somos livres para não sermos liberais. E isso é muito importante.

O livro mais relevante do liberalismo, no século 20, é o livro de Karl Popper, A Sociedade Aberta e Seus Inimigos. Ele é o programa de George Soros. O que é mais importante neste livro? A primeira parte é a parte boa: “todos”, “aberta”, “sociedade”, “convite a todos a participarem”. É muito simples. Mas pouca gente se dá conta da segunda parte. Desde o título, este trecho é muito diferente: “seus inimigos”. E o que é que nós devemos fazer com os inimigos da sociedade aberta? Ou reeducá-los ou eliminá-los.

 

Você sustenta que o liberalismo tem uma face totalitária, pós-humanista, que avança sem parar. Poderia aprofundar mais nisto?

O liberalismo é o processo histórico da libertação do indivíduo. Porém, nem tudo é tão claro como parece. Porque o indivíduo não existe. O indivíduo puro não existe. A pessoa concreta, o ser humano, é o ponto de confluência de muitas identidades coletivas. Por isso, o processo de libertação do indivíduo, das identidades coletivas (a religião, a classe social, a nação, o gênero), se produz ao mesmo tempo em que se cria este indivíduo (que não existe). [John] Stuart Mill, o autor mais importante do liberalismo, dizia que existe liberty e freedom. Liberty é a liberdade de algo. Freedom é a liberdade para algo. O liberalismo é a liberdade “de” algo. De que? Das identidades coletivas. No entanto, isso é negativo. Quem é realmente liberto? Não está claro.  Porque quem aparece depois desta suposta libertação não é o homem, mas, sim, um simulacro: a máquina, o robô, o ciborgue. Porque, libertando este ser, indefinido em termos de coisas concretas, das identidades coletivas, surge algo: que é o pós-humano. É o pós-humanismo. Não se trata de algo casual. E o neoliberalismo, nesta linha, é niilismo puro. Quando não compreendemos isso, quando nos deixamos levar pelo progresso, pelas tecnologias, pelo conformismo e pelo consumismo, embora não sejamos vítimas inconscientes, sem nos darmos conta, estamos aprovando este processo.

Todos os povos, todas as civilizações, todas as sociedades, têm suas raízes. O neoliberalismo corta essas raízes. Corta as raízes, como também todos os vínculos.

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