A mitologia contemporânea do “zumbi”, tornada célebre pelos filmes clássicos de Romero, pelas histórias em quadrinhos de Robert Kirkman (que deram origem à série The Walking Dead), toma a figura do “zumbi” como um símbolo do homem consumista da sociedade do espetáculo, do capitalismo tardio das civilizações ocidentais.
Nada poderia expressar melhor este fenômeno do “zumbi” capitalista do que a farsa da “Black Friday”. Um dia em que as empresas de bens de consumo, supostamente, dão descontos inacreditáveis (e que já começa a ser alvo do ceticismo de pessoas que, com bastante razão, falam que é “tudo pela metade do dobro”).
De fato, quem já vinha acompanhando preços de algum ou outro produto desejado, semanas ou meses antes, nota que pouco antes da “Black Friday”, os preços são aumentados, para depois serem objeto de “desconto”.
Ainda assim, as lojas são cercadas por hordas de consumidores zumbificados pela expectativa de adquirirem mais um celular, mais uma TV, mais um eletrodoméstico descartável, tudo bem ajustado para se tornar obsoleto em menos de 6 meses.
Em uma sociedade atomizada, na qual indivíduos desenraizados se destacam pelos padrões de consumo, o desespero dos consumidores se digladiando para aproveitar ofertas fajutas simboliza a vacuidade das relações humanas na pós-modernidade – uma crise que tão somente uma restauração de modos de vida mais tradicionais, pautados por valores atemporais, alheios ao liberalismo e ao capitalismo, pode sanar.
A roda do ano, cuja passagem era outrora marcada fundamentalmente pela sucessão de datas religiosas ou cívicas, é hoje marcada por uma sucessão de datas de ofertas, para as quais as comemorações não passam de uma desculpa esfarrapada para “movimentar a economia”.
A “Black Friday”, mais uma importação tosca que fizemos dos EUA, é um sintoma de uma sociedade doente, privada de suas raízes e vazia de valores.