O Paradigma Monopolar em um Mundo Policêntrico

Ordo Pluriversalis: O Fim da Pax Americana e a Ascensão da Multipolaridade é uma recente obra do cientista político, analista geopolítico e estrategista político-militar russo Leonid Savin, que será lançada em breve pela Editora ARS REGIA. A obra aborda a crise e insustentabilidade da unipolaridade pós-Guerra Fria e o iminente retorno de uma estrutura geopolítica multipolar, oferecendo ferramentas teóricas para ajudar a não só analisar a multipolaridade, mas construí-la e estabilizá-la.

Alexander Dugin, um pensador e líder do movimento internacional eurasiano, está confiante de que o melhor sistema de todos é uma ordem mundial multipolar, que está substituindo a “unipolaridade”. [1] Defender o modelo multipolar é o leitmotiv do livro em análise – Ordo Pluriversalis: O Fim da Pax Americana e a Ascensão da Multipolaridade, do cientista político Leonid Savin. [2]

O livro é dedicado ao 100º aniversário da publicação da obra Europa e Humanidade, do príncipe Nikolay Sergeyevich Trubetskoy, segundo Dugin o primeiro texto genuinamente eurasiano e o primeiro a “superar o Ocidente por dentro”. Savin serve atualmente como editor-chefe do Geopolitica.ru, o portal informativo e analítico eletrônico cuja ardente posição pró-eurasianista ortodoxa levou o Departamento de Estado dos EUA a rotular este recurso político alternativo como um pilar do “ecossistema da propaganda e desinformação russa”[3]

O Conselho Editorial do portal considerou as sanções como punitivas e “parte da pressão consistente sobre fontes alternativas de informação que não aceitam a agenda neoliberal e o mundo monopolar”.

O analista de sistemas políticos Savin parte para o ataque e, metodicamente, faz um balanço para identificar as posições relativas de sistemas opostos e desenvolver as regras e mecanismos para estabelecer e sustentar a segurança global para todos. Ele afirma que o velho modelo de “democracia = bom, autoritarismo = mau” não funciona mais; que são necessárias alternativas aos modelos e dogmas ultrapassados; que o neoliberalismo-globalismo hegemônico ocidental [4] está dando lugar a um mundo multipolar onde os valores conservadores assumem primazia. As mudanças estão desencadeando uma modernização e adaptação de modelos e paradigmas anteriores de relações internacionais.

Esta avaliação especializada da multipolaridade é uma enciclopédia de abordagens não ocidentais para uma perspectiva multivariante da ordem mundial. Em sua monografia, o autor compartilha com o leitor sua reinterpretação dos componentes fundamentais do Estado, incluindo religião, economia, a cosmovisão dos povos de um Estado, sua relação com o tempo e o espaço, e os temas que marcam seu senso de segurança e soberania, seu nacionalismo, e suas civilizações. O estudo multinível de Savin sobre a estrutura policêntrica do sistema político global se baseia em uma abundância de fatos ilustrativos e contém conclusões extraordinárias, existencialmente substantivas.

O equilíbrio de poder é uma lei da política e uma condição para evitar a guerra. A desordem causada pela bipolaridade é um mal-estar político e exacerba o conflito social. O colapso da URSS pôs fim ao equilíbrio dos dois polos que estavam sustentando a existência um do outro. Para a segurança global, uma falha como esta em um sistema que funcionava bem para suprimir conflitos teve repercussões semelhantes a um evento cataclísmico natural envolvendo uma fissura na crosta terrestre – se, por exemplo, as placas tectônicas norte-americanas e eurasiáticas tivessem divergido e se tivessem formado fendas gigantescas – o perigo que resulta de um desequilíbrio de forças: a tentação de realizar um ataque a um inimigo ontológico com impunidade. E o pathos do discurso Fulton (“Cortina de Ferro”) de Winston Churchill de 1946 confirma este axioma: “A velha doutrina de um equilíbrio de poder não tem fundamento. Não podemos nos dar ao luxo, se pudermos fazer algo em relação a isso, de trabalhar dentro de margens estreitas, oferecendo tentações a uma prova de força”. Consequentemente, mesmo uma pequena vantagem em forças estratégicas provoca uma expansão.

Com a derrota da URSS na Guerra Fria, um “período de monopolaridade” foi estabelecido e durou desde o final de 1991 – o colapso da URSS, até 15 de setembro de 2008 – o colapso do Lehman Brothers. Os Estados Unidos ainda são uma superpotência, mas não a polícia do mundo; eles são um centro de gravidade: um mediador.

Os cientistas políticos J. Nye e R. Keohane afirmam que para servir como um regulador global, basta um Estado forte capaz de estabelecer as regras básicas que governam as relações interestatais, e que tenha a vontade de fazê-lo. Os Estados Unidos e a China são os principais reguladores globais. O emergente centro paralelo de poder – a China – está reivindicando hegemonicamente uma “zona mundial da China”. A curto prazo, não haverá nenhuma “era de dois polos”.

A China está usando o seu “poder suave” para atingir seus objetivos. Ela fez uso, com sucesso, da globalização para realizar sua “modernização sem ocidentalização”. Ela está formando com afinco sua própria expansão geopolítica e geoeconômica através da Organização para Cooperação de Xangai e dos BRICS,[5] e através de suas Zonas Francas Chinesas, respectivamente. Agora, com sua ambiciosa “Iniciativa Cinturão & Rota”[6] , está “matando três pássaros com uma cajadada só”: 1) está evitando a queda vertiginosa no abismo derivada do declínio iminente na taxa de crescimento econômico; 2) está construindo suas instalações de infraestrutura usando suas bases militares para sua defesa; e 3) está envolvendo nações em desenvolvimento no escopo de seus planos estratégicos. Estratégias milenares falam do domínio chinês sobre outros países nas esferas econômica, cultural e militar, e de uma ordem internacional baseada em um sistema monopolar no qual somente a China estabelece as regras. E o confronto geopolítico de trezentos anos com a Rússia não foi esquecido. Após o fim do conflito de Daman de 1969,[7] os chineses permaneceram satisfeitos com a “vizinhança harmoniosa” que compartilham com a Federação Russa, que é considerada a “área traseira” da geopolítica chinesa. Mas a China tem um elemento de reserva e а geostratégia do “bastão” – estabelecer uma aliança temporária com um Estado distante para derrotar um Estado inimigo próximo. Pequim sabe como extrair o máximo de dividendos – mesmo do colapso da bipolaridade EUA-USSR.

Em um mundo em mudança, o azimute do confronto geopolítico não é mais o Leste-Oeste, mas agora consiste em conglomerados rivais: a União Europeia (UE), o Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (NAFTA), a Grande Zona Econômica Chinesa, o Japão e o outro grupo de países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). O mundo está institucionalmente consolidado em pares opostos: OTAN/OTSC; G7/OCX; e UE/CEI.[8]

É mais prudente para uma ordem mundial muito interdependente (o fluxo de produtos farmacêuticos da China para os EUA) aderir não ao vetor do confronto, mas a uma estratégia de um novo “consenso de legitimidade, soberania e governança”[9].

Mas no ambiente atual de uma “tripolaridade” confrontacional, é difícil alcançar a harmonia nas relações internacionais. O modelo multipolar nasceu no Congresso de Viena em 1815 com a consolidação da geopolítica como estratégia para garantir a segurança e a justiça nos assuntos internacionais.[10]

A multipolaridade é consistente com a atual estratégia geopolítica da Rússia, que mantém uma abordagem de “equidistância equilibrada” (ou “proximidade igual”).

Ordo Pluriversalis fornece uma metodologia para avaliar a multipolaridade à medida que ela ensaia um retorno: É uma destilação de ideias que fornece um ponto de partida; é uma anamnese que fornece a história daquilo que veio antes; é um diagnóstico do agora; e é um prognóstico do que está por vir – uma previsão para o atual estado de transição da ordem mundial que passa por uma reestruturação.

Savin examina o conceito de “cultura estratégica”[11] como um elemento especial para identificar a estatalidade. Nas condições de uma rivalidade multipolar, na qual todos estão contra todos, uma compreensão imprecisa do inimigo é perigosa para os estados-maiores do mundo. Esta vulnerabilidade levou Joachim von Ribbentrop à forca e Adolf Hitler à derrota na guerra. Aqueles envolvidos no desenvolvimento de novos sistemas de relações internacionais e política global acharão útil conhecer os conceitos que Savin oferece – a teoria do neopluralismo, a síntese da política estética e a Quarta Teoria Política.[12]

Particularmente atraente para aqueles que não estão voltados para o liberalismo é a teoria da política sustentável, que se baseia no pensamento holístico conservador.[13] A base para reunir aqueles que apoiam o equilíbrio sustentável na comunidade global pode ser a rejeição do liberalismo radical, característica dos europeus, sejam eles social-democratas ou republicanos de direita – os tipos gaullistas-adenaueristas. A Rússia, diante dos tumultos anárquicos do século anterior, substituiu o paradigma de uma sociedade de orientação civil-espiritual por um liberalismo moderado. “Somente a energia de um conservadorismo sensível e liberal”, escreveu o cientista e pensador político russo do século anterior, B. N. Chicherin, “pode salvar a sociedade de oscilações infindáveis”.

O livro de Savin é marcante na abundância de metodologias científicas que ele propõe para descrever um novo tipo de ordem mundial: sistema de sistemas, neofuncionalismo, sistemas adaptativos complexos, relacionalismo, multiplexidade, polílogo, sístase e sinérese.[14] Com o enfoque do autor, os pontos cegos causados pela mentalidade afunilada do homem pós-moderno de hoje desaparecem, e ele ganha amplitude de visão. Isto é o que expande os limites do conhecimento tanto do homem quanto do mundo.

Conhecer o ponto de vista conservador eurasiano sobre a policentricidade ajudará o analista de sistemas políticos a desenvolver estratégias ótimas de política externa e uma abordagem multipolar-policêntrica-pluriversal da ciência política – uma inovação indispensável para um sistema de segurança global, dado o período atual de turbulências geopolíticas globais.

O potencial de conflito em um mundo multipolar depende do sucesso da integração estratégica dos componentes sob o guarda-chuva único de um poder que funciona no papel de árbitro para resolver desacordos. Esta abordagem está próxima das ideias de Carl Schmitt, Richard Rosecrantz e Aleksander Dugin.[15]

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Notas

[1] Para informações sobre Dugin e Eurasianismo, ver, por exemplo, Shlapentokh, Dmitry, “Dugin, Eurasianism and Central Asia”, Communist and Post-Communist Studies, Volume 40, Edição 2, junho de 2007: 143-156. https://doi.org/10.1016/j.postcomstud.2007.04.002. Observe que Dugin usa o termo inglês “unipolar” e não “monopolar”. Estas palavras são sinônimas. Monopolar é usado durante toda esta resenha.
[2] O livro original (em russo) de Leonid Savin é “Ordo Pluriversalis. Возрождение многополярного мироустройства” (Москва, издательский дом дом “Кислород”, 2020. ISBN 978-5- 901635-99-5), traduzido em inglês como “Ordo Pluriversalis. The Rebirth of a Multipolar World Order” (Moscou, Editora “Kislorod”, 2020).
[3] De acordo com o Relatório Especial de agosto de 2020 do Centro de Engajamento Global do Departamento de Estado dos EUA, “Pilares do Ecossistema de Desinformação e Propaganda da Rússia”, 50, “Geopolitica.ru serve como uma plataforma para os ultranacionalistas russos disseminarem desinformação e propaganda voltada para o público ocidental e outros. Inspirada pela ideologia eurasianista do filósofo e ultranacionalista russo Aleksander Dugin, a Geopolitica.ru se vê como apanhada em uma perpétua guerra de informação contra os ideais ocidentais de democracia e liberalismo”. Até 2017, Savin serviu como editor-chefe do site e da revista Katehon – também incluído na lista negra do Departamento de Estado no relatório de agosto de 2020. Além disso, Savin é fundador e editor-chefe do Journal of Eurasian Affairs.
[4] O globalismo ou governo mundial é a noção de uma autoridade política comum para toda a humanidade, gerando um governo global e um único Estado. Tal governo poderia vir a existir tanto através da dominação violenta e compulsória do mundo quanto através da união pacífica e voluntária supranacional.
[5] A Organização para Cooperação de Xangai (SCO), ou Pacto de Xangai, é uma aliança política, econômica e de segurança da Eurásia, cuja criação foi anunciada em 15 de junho de 2001 em Xangai. Criado em 2006, BRICS é a sigla cunhada para uma associação de cinco grandes economias nacionais emergentes: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Os membros dos BRICS são conhecidos por sua influência significativa nos assuntos regionais.
[6] A Iniciativa Cinturão & Rota é uma política transcontinental de longo prazo e um programa de investimento que visa o desenvolvimento da infraestrutura e a aceleração da integração econômica dos países ao longo da rota da histórica Rota da Seda. A Iniciativa foi revelada em 2013 pelo presidente da China Xi Jinping e até 2016, ficou conhecida como OBOR – One Belt One Road (Um Cinturão Uma Rota). Ver URL https:// www.beltroad-initiative.com/belt-and-road/.
[7] Em março de 1969, o conflito fronteiriço da Ilha Damansky levou a URSS e a RPC à beira da guerra nas proximidades da Ilha de Zhenbao (Damansky) no rio Ussuri (Wusuli), perto da Manchúria.
[8] OTAN: Organização do Tratado do Atlântico Norte; OTSC: A Organização do Tratado de Segurança Coletiva; G-7:
Grupo dos Sete; OCX: Organização para Cooperação de Xangai; UE: União Européia; CEI: Comunidade de Estados Independentes.
[9] Savin 2020, 31.
[10] Savin 2020, 79.
[11] O conceito de cultura estratégica tornou-se amplamente utilizado no campo das relações internacionais, principalmente no contexto dos esforços para explicar os comportamentos estratégicos distintos dos Estados através da referência às suas propriedades estratégicas únicas. Ver https://oxfordre.com/politics/politics/view/10.1093/acrefore/9780190228637.001.0001/acrefore-9780190228637-e-320, entre outras fontes. Curiosamente, um curso foi desenvolvido e ministrado pelo autor desta resenha, o Dr. Vertlieb, intitulado “A Mente Russa”. Nele, foi dada ênfase considerável à importância estratégica da cultura na geopolítica. O curso foi ministrado no Centro Europeu de Estudos de Segurança George C. Marshall, um instituto de estudos de segurança e defesa germano-americano que oferece programas de residência de nível de pós-graduação a oficiais do governo militar e civil de todo o mundo.
[12] Savin 2020; ver 403, 407 e 423, para as seções principais abordando “Neopluralismo”, “Teoria da Síntese”, e “Dasein e a Quarta Teoria Política”, respectivamente.
[13] Savin 2020, 419.
[14] Savin, 431. O capítulo 13, intitulado “Práxis Multipolar”, aborda estas e outras metodologias científicas para descrever um novo tipo de ordem mundial.
[15] Savin 2020, 53.

Fonte: Geopolitica.ru

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Eugene Vertlieb

Bacharel em Ciência Política pela Universidade de Leningrado. Doutor pela Universidade da Carolina do Norte. Professor de Ciência Política e Cultura Russa no Centro Europeu de Estudos de Segurança George C. Marshall.

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