O Black Lives Matter é uma organização verdadeiramente antissistema e radical, ou as suas manifestações ensaiadas não passam de artifícios de superficialização e dissolução do clássico discurso nacionalista negro e anticapitalista de figuras como Malcolm X?
Nos últimos tempos, temos testemunhado um movimento no Ocidente que desafia o racismo, a negrofobia e a brutalidade policial. Estas são realidades inegáveis que estão presentes nas sociedades caucasianas e devem ser opostas. A negrofobia é uma realidade existente, mas muitas vezes há uma tendência a criticar as consequências de um mal, sem analisar a causa.
Para entender a negrofobia, é necessário ser capaz de analisar e desconstruir uma ideologia moderna putrefata que proliferou no espaço e no tempo, e sempre procurou obter consenso entre o que ela chama de “minorias”, a fim de planejar e implementar suas políticas deletérias. Estamos falando do liberalismo. Em cada época, particularmente nos Estados Unidos, o liberal-progressista branco tentou manipular o homem negro e desviar sua batalha inicial por emancipação. Os vários líderes nacionalistas negros do século XX (estigmatizados e ostracizados pela corrente ocidental politicamente correta), incluindo Marcus Mosiah Garvey, Malcolm X ou Khalid Abdul Muhammad entenderam bem isto e, de fato, enfatizaram o fato de que era importante e vital para o homem negro distanciar-se da “raposa liberal” que queria se apresentar como uma alternativa ao “lobo conservador”. Não se trata aqui, ao invocá-lo, de tomar o conservador caucasóide como um barômetro ou aliado nas batalhas pela emancipação negra. O negro deve estar em condições de impor uma terceira opção a si mesmo, baseada na autodeterminação comunitária e na rejeição do assimilacionismo (inclusão no sistema burguês). Stockely Carmichael, Muhammad Ali ou Khalid Muhammad, foram os melhores exemplos desta terceira opção que eles chamaram de “black power”. Este conceito não deve ser visto como uma supremacia negra. O conceito de poder negro se referia nos anos 60 à consolidação das comunidades e ao orgulho da identidade negra pan-africana.
Hoje, isto foi substituído por “Black Lives Matter”, que quando parafraseado significaria “ei, brancos! vidas negras importam!” Passou-se da autodeterminação, identidade e consolidação comunitária, rejeitando o assimilacionismo liberal burguês à vitimização negra e ao integracionismo forçado. Ao falar sobre o movimento Black Lives Matter, no entanto, deve-se enfatizar e deixar claro que, em sua essência, esse era um conceito interno da comunidade negra para se apoiarem mutuamente. Neste caso, fazia sentido. Mas já há um bom tempo, o Black Lives Matter (BLM) se tornou um hashtag capturado por forças globalistas, sorosianas e progressistas liberais que não têm no coração o destino do povo negro. A única direção que pretendem tomar é utilizar certas categorias de reservatórios eleitorais. O neoliberalismo social tem assim manipulado o sofrimento real na sociedade norte-americana (injustiça social, desigualdade, negrofobia sistêmica, brutalidade policial…), a fim de desorientar uma revolta rumo a uma agenda que tinha como propósito derrubar o regime Trump que era então inconveniente para as forças globalistas. Aqui novamente, deve ficar claro que, Trump como figura política, não é de forma alguma amigo dos africanos. Mas como a geopolítica também é uma questão de geoestratégia, Trump representava o mal necessário (no que diz respeito aos africanos e afrodescendentes). Para as finanças internacionais neoliberais apátridas, foi necessário desestabilizar Trump com revoltas artificiais, como foi o caso da Primavera Árabe, que consequentemente deveriam ter atraído votos para Biden.
Analisando esta situação, podemos dizer que o antirracismo moderno é uma arma criada por nossos inimigos (a oligarquia financeira apátrida), pelas mesmas pessoas que estão na raiz do racismo existente e da Humanidade hierárquica em sua globalidade. Seu objetivo sempre foi o de desviar a raiva dos povos, utilizando os negros mais frágeis (afroglobalistas, liberais negros progressistas, afropolitanos) e os brancos mais extremistas (os reacionários e alt-rights mais limitados) para evitar que os mais pobres, tanto negros quanto brancos, se levantassem contra os agentes do Capital e colocassem os problemas sociais e geopolíticos que são a base e a essência do racismo no centro do debate. Não é possível se definir antirracista, sem ser anticapitalista ou antiliberal, porque como disse Stockely Carmichael: ‘ O racismo não é uma questão de atitude, mas de poder”.
Sobre o tema da luta antirracista, Kemi Seba (presidente-fundador da ONG Urgências Panafricanistas que coordeno na Itália), uma das maiores figuras da resistência anticolonialista na África no século XXI, afirma em entrevista: “Nunca nos opusemos à luta de nosso povo nos Estados Unidos, estamos lado a lado com nosso povo lutando contra a discriminação racial, contra a violência policial, seremos solidários até a morte com essa luta, aquilo a que nos opomos é a instrumentalização pelas forças globalistas do sofrimento de nosso povo para fins de um projeto integracionista e progressista branco e isso não tem nenhum interesse para nós. Não queremos progredir no caminho do Ocidente, queremos nossa autodeterminação e queremos que cada povo possa tomar seu destino em suas próprias mãos”.
Para a comunidade afrodiaspórica, existem duas alternativas vitais como salvação :
- O retorno à África no modelo garveyista, para lutar pela soberania africana e pela descolonização integral frente às forças exógenas (imperialismo) e endógenas (a má governança da classe dominante africana);
- A construção de uma comunidade africana diaspórica forte, coesa e unida no Ocidente, com base no modelo chinês, paquistanês, indiano, etc. Não é possível encontrar salvação pensando em se assimilar em um sistema podre, que na África estamos tentando erradicar para sempre (mas também em todos os territórios do mundo que resistem ao ocidentalismo neoliberal em prol de um mundo multipolar).
O racismo é uma questão de relações de poder. Enraizar-se no próprio paradigma civilizacional, e ao mesmo tempo desafiar e combater aqueles que alimentam esse racismo, é a única maneira de combatê-lo.
Fonte: Geopolitica.ru