O erro separatista

Num território tão vasto e composto por uma miríade de raças, ideias e mundos que se encontram e transcendem suas origens para formar algo novo, não é incomum que certas partes do vasto cosmos brasileiro sintam-se “distantes, separadas, esquecidas, abusadas” e queiram, principalmente em tempos de crise, distância e autoafirmação. Mas por vezes percebemos que esse movimento é causado por ressentimentos mal resolvidos, e é preciso compreender bem o lugar do separatismo em nosso universo.

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que estes não se tratam de fenômenos isolados deste ou aquele canto. No Brasil, já vimos movimentos separatistas surgirem em todos os lugares, do Oiapoque ao Chuí. A maioria, sem maiores implicações ou relevância; outros foram precursores de guerras e de antigas e duradouras rixas, mas que foram sendo lentamente suplantadas e, latentes, se levantam em tempos difíceis para clamar um passado perdido, um futuro incerto, paixões transloucadas.

Dito isso, a questão separatista engloba, sob qualquer roupagem ou contexto, duas principais questões que precisam ser respondidas com absoluta convicção para que haja sequer possibilidade de considerá-la como caminho civilizacional: legitimidade cultural e contextualização política.

A primeira questão é muito óbvia: se um movimento separatista encontra uma fundamentação cultural suficientemente robusta para uma cisão, isto é, se a sua condição cultural é de submissão e discriminação totais por parte da esfera superior que a oprime.

O problema aí é encontrar com a devida convicção traços culturais homogêneos que façam sentido. Por exemplo, nós podemos compreender essa reivindicação entre escravos, quando estes são absolutamente privados de suas heranças, mas num contexto de construção cultural multifacetada e miscigenada, como é o caso das diferentes regiões brasileiras, isso é uma tarefa quase, se não totalmente, impossível.

Primeiro porque é preciso atravessar as barreiras dos mitos regionalistas fundantes e compreender que a cultura, a identidade, são também mutáveis. O gaúcho não está encerrado na tradição missioneira, assim como o paulista na tropeira, o nordestino no cangaço, etc., e mesmo essas identidades estão conectadas a um aspecto transcendente que hoje é como um sussurro distante, que precisa de muito esforço para ser ouvido, e não pode tampouco ser resgatado através de um CTG. A América Latina é um caldeirão cultural complexo e ainda vastamente inexplorado em suas raízes (um processo que incentivamos e precisamos fortalecer), e não há uma região que possa declarar com nitidez semi-revelatória uma espécie de “pureza”, seja ela racial, cultural, etc.

Segundo, porque hoje toda e qualquer tentativa de sobrevivência cultural passa irremediavelmente por um processo de invenção da tradição. Existem muitos traços das nossas identidades primitivas que estão perdidos e só poderiam ser recuperados num processo de retorno mito-poético ao princípio, e sua falta é preenchida com revestimentos abstratos que podem ser considerados mais ou menos adequados para essa função.

Bem, a questão cultural não se encerra aí, mas acredito ter polemizado o suficiente para demonstrar que ela não é de fácil solução e delimitação, o que já desconstrói em grande medida qualquer tentativa de declarações do tipo “reivindicamos NOSSA terra”; Que terra? Quem a reivindica? Que contexto histórico-cultural a legitima? Onde é traçado o limite desta legitimidade?

Bom, adelante vem a questão do contexto político. Falando abertamente, qualquer movimento separatista contemporâneo é, por sua própria intenção ou burrice, uma ferramenta do liberalismo. Seja como propósito claro de balcanização e consequentemente desestabilização política, econômica e cultural de uma região, ou pelo simples fato de que qualquer projeto legítimo será devidamente esmagado pelo arcabouço liberal vigente. Sanções, isolamentos, táticas de desestabilização interna, tudo o que você puder imaginar.

Qualquer projeto político separatista será mais anti-imperial que anti-imperialista, e aí reside um grande problema, por exemplo, para qualquer teoria dos grandes espaços multipolares. Existem milhares de etnias antropologicamente identificadas no mundo, que poderiam, por algum surto psicótico de autodestruição, exigir separação política e autodeterminação, mas isso seria impossível, e para a maioria delas, indesejável. É muito mais proveitoso, por exemplo, seguir o modelo russo de abarcar as regiões e culturas em seu espaço de destino comum e permitir que suas raízes não se percam.

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Há, por exemplo, o argumento separatista pseudo-QTP de desafio ao princípio nacionalista, mas isso não passa de um joguete conceitual que é facilmente destruído porque não há nenhuma ambição nacionalista no sentido moderno dentro de um movimento revolucionário como o da NR, por exemplo.

A defesa do Brasil enquanto nação atual é excepcionalmente necessária justamente para evitar a desestabilização, e a régua estará sempre apontada para a Pátria Grande e o ideal de Nova Roma. O destino das microrregiões está inadvertidamente ligado a uma análise de suas heranças identitárias, relações, e uma forma de garantir-lhes legitimidade cultural e política sem que elas representem um desmembramento típico da atomização decadente.

Talvez este seja o ponto mais importante. O destino comum dos povos latino-americanos, ibero-americanos, como quiserem, não está atrelado a uma homogeneização cultural, exclusão, ou qualquer coisa desta natureza. Acá no Sul, por exemplo, muito se fala da “repressão” que Vargas implementou sobre os imigrantes europeus e seus dialetos e costumes. Um erro, sem dúvida, mas contextualizado e definitivamente alienígena ao projeto imperial que louvamos. A Pátria Grande é plural, enquanto compartilhando de um destino comum, uma escatologia. A separação, é, de todos os modos, um enfraquecimento de nossa alma diante dos verdadeiros desafios espirituais de nossa civilização.

Ademais, quem acredita estar fora da noção escatológica identificada em nosso território, até hoje foi incapaz de argumentar com a devida pujança a sua separação culturalmente clara e absoluta de todo e qualquer princípio desse destino. Já adianto, jamais conseguirão.

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Augusto Fleck

Gaúcho, líder regional da NR-RS, cientista social em formação e tradutor.

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Um comentário

  1. É, nessa parte pelo menos eu concordo mais com vocês do que o pessoal da Resistência Sulista. Já fui separatista sulista de linha mais centrista/liberal do “o sul é o meu país”, hoje sou apenas regionalista e TTP. Separar só iria balcanizar mais ainda a América Latina e ajudar a babilônia/cartago Judaico-maçônica-protestante (Estados Unidos)

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