‘A Quarta Teoria Política é uma contribuição relevante para a luta contra o liberalismo’, entrevista com Andrea Virga

Andrea Virga é um intelectual dissidente e ativista político nacional-revolucionário de origem italiana. Autor do livro Cuba: Dio patria socialismo, é um dos pensadores atualmente engajados na construção de uma alternativa ao neoliberalismo e ao modelo globalista – em prol de uma política comunitarista e da construção de um mundo multipolar. Ele também foi responsável pela edição final da versão italiana do livro A Quarta Teoria Política, do professor Dugin. Conversamos sobre o projeto editorial em que está envolvido atualmente (Nueva Europa Edizioni), sobre a ideologia do comunitarismo (também partilhada por nós – ver aqui), sobre a oposição Indivíduo x Pessoa, Quarta Teoria Política e sobre seu livro.

 

1 – Primeiramente, nos fale um pouco sobre seu trabalho acadêmico e trajetória política.

Nasci há trinta anos atrás, um pouco depois do ano final de 1989. Depois de cursar estudos clássicos no colégio, me graduei em Filosofia (Bacharelado, 2009) e em História e Civilização (Mestrado, 2013) na Universidade de Pisa, sendo discente do instituto de elite da Scuola Normale Superiore di Pisa (2006-2011). Neste período, o foco das minhas pesquisas era a Revolução Conservadora da Alemanha, especialmente no que tange a Nietzsche, Jünger e Spengler. Nos últimos anos, no entanto, obtive meu PhD em História Política pelo IMT School for Advanced Studies Lucca, onde pude discutir minha tese acerca do nacionalismo e do fascismo em Cuba. Conduzi diversas pesquisas no exterior, na Alemanha (Technische Universität Dresden, Freie Universität Berlin, Ibero-Amerikanische Institut), França (École Normale Superiéure Lyon), Cuba (Universidad de la Habana) e Espanha (Consejo Superior de Investigaciones Científicas).

A respeito da política, cresci em um ambiente relativamente apolítico. Quando adolescente, minhas posições eram moderadamente conservadoras, até que, aos 18, tive contato com autores conservadores revolucionários, tais como Spengler, Evola e Jünger, dos quais herdei uma cosmovisão antiliberal. Posteriormente, passei a apreciar o socialismo, graças às minhas visitas a Cuba e ao meu contato com as obras de Costanzo Preve. Apesar de já ter começado a escrever artigos sobre tópicos culturais e históricos antes, eu só ingressei no ativismo político, de fato, em 2011, participando de manifestações contra o imperialismo ocidental na Líbia e na Síria e passando a dirigir atividades culturais da organização comunitarista Millennivm. Ao mesmo tempo, como parte do meu crescimento político e intelectual, me tornei mais radical em minhas posições, chegando à conclusão de que os ideais “tradicionalistas” só poderiam ser efetivados através de uma luta contra o liberalismo, o capitalismo e o imperialismo. Esta é a razão pela qual eu deixei de lado antigas posturas sobre o comunitarismo.

2 – Em algumas palestras e conferências, você fala do Comunitarismo como uma proposta política-ideológica para a Itália e para Europa. O que seria isso? Haveria alguma relação com a Quarta Teoria Política?

Professor Dugin com um exemplar de A Quarta Teoria Política, publicada em italiano pela Nueva Europa Edizioni

Nós falamos em Comunitarismo porque a política carece de uma mudança completa em seu sujeito político elementar: de uma sociedade de indivíduos para comunidades de pessoas. O contraste fundamental é antropológico. Entre o indivíduo atomizado, sem raízes, substituível, e a pessoa, nascida em um ambiente social e natural especifico, estruturada em múltiplas comunidades (família, trabalho, religião, nação, etc.).  Neste sentido, comunitarismo é colocado em oposição radical, não somente ao liberalismo, mas também às suas consequências sociopolíticas, tais como o capitalismo, o consumismo e o imperialismo. Simultaneamente, distingue-se das ideologias coletivistas, que se debruçam sobre um único aspecto da existência humana (como raça e classe), negando outros e sufocando a pessoa em uma cela ideológica.

O Comunitarismo apoia o desenvolvimento integral do ser humano, cuja condição de possibilidade é vida a comunal e a interdependência entre deveres e direitos, entre liberdade e responsabilidade. É um objetivo revolucionário derrubar a sociedade de mercado liberal, baseada na exploração da humanidade e da natureza, em prol de uma sociedade comunitarista baseada na propriedade do trabalho, na justiça social, em um governo multimodal e na proteção das identidades culturais e do ambiente natural. Na arena internacional, ele promove a integração das comunidades regionais e nacionais em seus respectivos grandes espaços, dentro de uma ordem mundial multipolar baseada no equilíbrio, no diálogo e na cooperação entre civilizações, com o objetivo de lidar com os iminentes desafios universais postos diante da comunidade humana.

A Quarta Teoria Política de Dugin é uma contribuição teórica relevante para a luta contra o liberalismo. Apesar de nós sermos europeístas, e não eurasianistas, nós definitivamente apreciamos os aspectos relevantes da QTP, tais como a multipolaridade e a base do conceito de Dasein de Heidegger.

Catálogo da Nueva Europa Edizioni

3 – Quais são os propósitos da editoria Nueva Europa? Colocando de outra forma: as publicações da editora seguem alguma linha em especifico?

Atualmente, estou trabalhando com a Nueva Europa Edizioni, um selo de publicações da associação cultural Communia. Apesar de nossa escassa experiência na área, na Nueva Europa, rejeitamos o rebelionismo fácil e lutamos para nos apresentar de modo profissional, priorizando a qualidade acima da quantidade. Contamos hoje com três séries – Auctores, que trata dos autores clássicos; Krisis, dedicada à política e atualidades e Kultur, que abrange textos filosóficos, religiosos e antropológicos. Apesar do aparente ecletismo do nosso catálogo, temos um projeto mais abrangente, baseado em nossa proposta política comunitarista.

Mais especificamente, nosso principal objetivo é gerar interesse e debate sobre a teoria e a prática do Comunitarismo. Para tanto, estamos publicando:

(1) Textos analíticos que forneçam novas perspectivas sobre mundo atual (como a La Grassa, sobre o marxismo, e A Quarta Teoria Política de Dugin).

(2) Autores clássicos (por exemplo, Chesterton e Niekisch), cujos trabalhos contribuem potencialmente para o desenvolvimento do Comunitarismo (apesar de fazerem parte de outras escolas de pensamento);

(3) Artigos políticos e culturais relacionados a outras civilizações e países (especialmente aqueles mais distantes do modelo liberal ocidental, como China e Cuba), dentro do panorama da importância máxima da luta contra o bairrismo e o racismo.

4 – Sob o mundo unipolar, até mesmo a Itália (e uma parte dos países da Europa) não é completamente soberana, como afirmou recentemente o filosofo político Domenico Losurdo. Que conjunto de medidas um governo italiano verdadeiramente popular deveria tomar para reverter essa situação?

Qualquer governo italiano, que realmente se preocupe com os interesses e o bem estar do povo, deve, antes de tudo, tomar a frente de um processo revolucionário rumo a uma sociedade e a um Estado comunitaristas. Soberania militar e Defesa são de máxima importância: a Itália deveria deixar a OTAN; expulsar as tropas estrangeiras; juntar-se à SCO e adquirir armas de dissuasão nuclear; bem como abandonar as empreitadas imperialistas e reestruturar suas forças armadas, estabelecendo um exército popular voltado para a defesa e a coesão do território nacional.

Assim, do ponto de vista político, a Itália deve recusar qualquer diktat vinda de países e organizações estrangeiras, incluindo a União Europeia, bem como neutralizar todas as forças conspiracionistas dentro do país, que possam colocar sua segurança em risco. Finalmente, uma moeda nacional deve ser reintroduzida e todos os setores estratégicos da economia (especialmente Energia, Transportes e Telecomunicação) devem ser estatizados. Nesta fase, para neutralizar qualquer pressão contrarrevolucionária, é fundamental cooperar com outros países que se oponham a ordem mundial euro-atlântica.

Uma vez que a soberania total seja conquistada, e o país esteja estável e seguro, a Itália pode avançar em direção a uma mudança radical, a fim de dissolver completamente as instituições liberais e seus artifícios, construindo um novo modelo de sociedade onde os povos e as comunidades possam viver em paz, em justiça e em prosperidade. Esperançosamente, uma Itália comunitarista irá contribuir para uma verdadeira integração europeia e se tornar novamente, após a Roma Antiga e a Renascença, um modelo para outros países.

5 – Para finalizarmos, você poderia nos falar um pouco a respeito de seu livro Cuba: Dio, Patria e Socialismo? Qual é a sua tese central? Qual é o sentido do título?

Meu livro é uma coletânea de todos os meus ensaios e artigos escritos sobre Cuba de 2012 a 2016, incluindo o período de quase 9 meses em que passei vivendo e estudando em Havana, onde tive a oportunidade de conhecer a história e a cultura cubana na fonte – considero que esta interação entre conhecimento de livro e experiência de primeira mão é realmente inestimável. O volume não inclui o material de minha tese de doutorado e sua razão de ser consiste mais em explicar Cuba para italianos. Na verdade, a maioria dos artigos foram escritos para um público principalmente católico, de direita, menos propenso a apreciar o assunto.

O livro é dividido em quatro partes temáticas: política, religião, história e economia. A última consiste em um artigo de doutorado em Economia Política que estuda a transição econômica cubana, de uma economia estatal para uma economia mista, ainda dentro de um sistema socialista.

No mais, eu escolhi essas três palavras [Deus, Pátria e Socialismo], não apenas porque expressam minha visão de mundo, mas também porque o livro, apesar de seu caráter antológico, enfoca nesses três aspectos de Cuba: religião cristã, patriotismo e justiça social. Mais especificamente, eu me esforço para demonstrar como a Revolução Cubana sempre teve um forte componente nacionalista; como sua relação com a Igreja Católica melhorou muito (e como a cooperação mútua entre esses dois atores é possível e frutífera) e como o castrismo histórico sofreu profundas modificações rumo a um novo modelo sustentável (que não põe em xeque suas conquistas sociais). A tese geral é a de que Cuba não pode ser vista como um paraíso socialista ou como um inferno comunista – como é frequentemente vista na Europa e nas Américas – e que a mesma precisa ser abordada de forma mais equilibrada e realista: algo que o mainstream midiático deixa muito a desejar.

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