As Artes Marciais como Preparação Física e Espiritual

Ao longo dos milênios, as artes marciais têm sido muito mais do que meras técnicas de combate. Suas origens se confundem com as origens da religião e da dança, e estão embebidas de valores espirituais e conteúdo místico. Nesse sentido, as artes marciais tradicionais constituem verdadeiros caminhos de superação que unificam corpo, alma e espírito por meio de uma disciplina ascética.

Não é novidade para nenhum de nós que, nos tempos modernos, a maior parte dos elementos tradicionais decaíram no secularismo, sendo o legado marcial, talvez, um dos poucos pontos de ligação com o sagrado que, de certa maneira, ainda sobrevive.

As Artes Marciais, em geral, sempre estiveram estritamente ligadas às tradições dos povos, sendo práticas não só relacionadas ao corpo, mas também ao espírito.

Nos tempos ancestrais, a marcialidade sempre esteve sob o patronato da Tradição e muitas vezes sendo representada ou tutelada por alguma divindade. Na Índia, desde períodos imemoriáveis até os dias de hoje se pratica o Pehlwani (descendente do persa Pahlavani), tendo como patrono o Deus macaco Hanuman, sendo todos os treinamentos deste estilo de wrestling/grappling praticados de forma ritualística.

Na China se tem o Wu Shu (mundialmente chamado de Kung-Fu), dividido em diversas escolas de treinamento diferentes, estando sempre ligado às linhagens budistas, taoístas e ao Confucionismo.

Na Tailândia, até hoje se pratica o Muay Thai tradicional, sendo feitos rituais antes dos combates, e sendo uma arte marcial muito ligada ao budismo e a outras tradições do povo tailandês.

As Artes Marciais japonesas, como o Karatê, o Ju-Jutsu (não confundir com o Jiu Jitsu Brasileiro) e, um pouco mais tarde, o Judô, são legado dos lendários Samurais.

Na antiga Grécia e, depois, na antiga Roma, sob o patronato do semi-Deus Héracles/Hércules e do Deus Hermes/Mercúrio, eram praticadas, nas Palaestras, a “Luta” (o que hoje é chamado de Wrestling ou Luta Olímpica), o Pancrácio (uma espécie de MMA da antiguidade) e o Pugilato (um ancestral do boxe moderno), sendo todos estes estilos marciais presentes nas competições dos Sagrados Jogos Olímpicos daqueles tempos, que aconteciam no Santuário de Zeus em Olímpia.

Na Europa Nórdica existiam o Glíma (praticado até hoje na Islândia) e o Kragkast. Ambos ligados às tradições populares e culturais dos povos daquela região.

Estes são só alguns exemplos das inúmeras Artes Marciais Tradicionais espalhadas ao redor do planeta.

Há Artes Marciais de origem nacional, como por exemplo o Huka-Huka, arte marcial que pode ser classificada como um estilo de wrestling, praticado pelos povos indígenas do Xingú, no Mato Grosso. Há também em nossas terras a já conhecida capoeira, estritamente ligada às variadas tradições afro-brasileiras. Há ainda o que hoje é chamado de Brazilian Luta Livre ou Luta Livre Esportiva, que descende do Catch-as-catch-can wrestling (que por sua vez descende dos tradicionais estilos de wrestling europeus de tempos ancestrais).

Além disso, no Brasil deu-se a origem do Jiu-Jitsu Brasileiro pela família Gracie, que criou essa arte a partir dos ensinamentos do judoca japonês, e naturalizado brasileiro, Mitsuyo Maeda. O BJJ, portanto, é descendente direto das práticas marciais samurais, sendo os ensinamentos sobre disciplina, honra, ética e hombridade, presentes até hoje nos treinamentos desta Arte Marcial (e aqui falo como um praticante de BJJ).

A maior parte da filosofia e espiritualidade destas Artes (em algumas mais do que em outras) está adormecida, por conta da secularização e mercantilização das tradições como um todo. Mas o processo alquímico da transmutação por meio do esforço ainda está presente. Os tatames e ginásios de treino ainda guardam uma faísca de sacralidade, espiritualidade. Ainda é possível transformar suor e sangue em força, destreza, disciplina e devoção. Independente de qual seja a sua crença espiritual, use o esforço para evoluir não só o seu corpo, mas também o seu espírito. É crucial para o soldado-político dos dias de hoje ser poderoso fisicamente, mentalmente e espiritualmente, já que as forças que enfrentamos nestes malditos dias são não só materiais, mas também espirituais.

O lutador brasileiro, Ricardo Arona, um dos maiores nomes do BJJ/grappling e também do Vale-Tudo/MMA nacionais, deu sua opinião sobre a mercantilização das tradições marciais em um documentário sobre sua carreira:

“A visão americana das coisas: é claro que tem também seu lado positivo, porque popularizou o esporte para o mundo inteiro e para todos os cantos, todo mundo sabe o que é UFC, sabe o que é MMA hoje em dia… daí o interesse total (referindo-se ao UFC e eventos de MMA modernos) é vender a xícara, a toalha, a camisa, o video-game, o livro… é uma visão americana da coisa. Tudo bem, mas daí se perde muito a parte da filosofia que é o lado oriental, que é seguir uma dinastia, saber quem são os mestres, seguir uma carreira, ter a filosofia do esporte, ser um Samurai dentro e fora do ringue. Eu vivo 24hrs assim. Contemplando a natureza, pensando na luta, pensando em fazer o bem também fora do ringue. Tem que ser assim. Você vê as pessoas que não tem essa essência, não aprenderam isso, então o esporte está com essa cara agora. Também tem um lado importante, porque (o esporte) cresceu e se valorizou muito, mas se perdeu muito disso (o aspecto tradicional), então eu sinto falta disso: de ver o lutador com cara de Samurai e não com cara de artista.”

Precisamos alimentar a chama ancestral de nossos corpos e espíritos, treinando ao extremo e religando as práticas marciais às práticas espirituais, como era feito em tempos dourados já esquecidos. Preparemo-nos para a guerra cotidiana e para os combates vindouros. Essa é a única maneira de vencermos as forças escuras que dominam nossos tempos. O soldado-político atual precisa saber lutar, e também honrar seu espírito e sua Tradição, independente de qual seja, na mesma medida, e, se possível, no mesmo momento.

Sigamos as palavras do Barão Julius Evola:

“Seja radical, tenha princípios, seja absoluto, seja isso o que a burguesia chama de extremista; dê a si mesmo sem contar ou calcular, não aceite aquilo que chamam ”politicamente correto” e aja de tal maneira que você não seja aceito neste tipo de ‘vida’, nunca abandone o princípio do combate.”

Sejamos espiritualizados, intelectuais e violentos.

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Elizeu Gasparini

Lutador, praticante de treinos de força, entusiasta da violência e de boas leituras.

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