Quem manda no mundo de hoje? Seriam os fascistas? Não, o fascismo foi derrotado na Segunda Guerra Mundial e desapareceu enquanto força política de pretensões e potencialidades hegemônicas, restando no mundo, hoje, apenas alguns poucos esqueletos que poderiam ser corretamente categorizados como fascistas.
Mas quem manda no mundo de hoje? Seriam os comunistas? Não, o comunismo foi derrotado durante a Guerra Fria e desapareceu enquanto força política de pretensões e potencialidades hegemônicas, restando no mundo, hoje, apenas uns poucos esqueletos que poderiam ser corretamente categorizados como comunistas.
Na realidade, a quantidade de pessoas atualmente que se diz fascista ou comunista é minúscula, mesmo se considerarmos as de todo o mundo. E entre essas pessoas, aquelas que são efetivamente fascistas ou comunistas (ou seja, que sustentam crenças e posições efetivamente fascistas ou comunistas) é ainda menor, uma pequena fração dos que se identificam com um ou com outro. Mas se pararmos para conversar com pessoas da direita ou da esquerda sobre o assunto, elas nos garantirão, com o olhar vidrado e as pupilas dilatadas de quem, ou usou alguma substância suspeita, ou sofreu danos cerebrais, ou simplesmente enlouqueceu, que o mundo é governado por forças fascistas ou comunistas, ou de que pelo menos o Brasil se encontra nessa situação.
Observa-se que das três teorias políticas da modernidade é apenas o liberalismo que não desperta essas reações desesperadas, fanáticas e amedrontadas. A quantidade de pessoas que dirá que, na verdade, o mundo vive hoje sob uma hegemonia liberal parece pequena, e essas pessoas se pronunciarão sobre isso com toda a tranquilidade de quem chegou a essa conclusão por uma análise, e não através de uma fé política dogmática.
Para demonstrar seu ponto, direitistas e esquerdistas lançam mão do estratagema de alargar infinitamente as definições de fascismo ou de comunismo. Fascismo deixa de ser uma forma especificamente revolucionária de nacionalismo palingenético para se tornar algum falatório qualquer sobre violência capitalista, ou qualquer discurso de teor soberanista ou conservador. E comunismo deixa de ser um projeto político revolucionário específico, baseado no materialismo histórico-dialético, na crença na luta de classes como motor da História e no proletariado como sujeito político fundamental, para se tornar qualquer falatório que tenha “social” no nome, ou que envolva atribuir algum papel positivo ao Estado.
De onde vem essa confusão e a quais interesses ela serve?
Bem, de imediato, é possível dizer que se tanto o fascismo como o comunismo foram relegados ao universo dos projetos históricos falidos, tanto o antifascismo como o anticomunismo são tão politicamente relevantes hoje quanto fazer oposição ao governo dos faraós egípcios ou ao consulato dual da república romana. Contudo, parecem haver forças alimentando de forma permanente, e talvez até mais do que há 10 anos atrás, os discursos do antifascismo e do anticomunismo: ONGs, think-tanks, agências nacionais e internacionais e certos intelectuais parecem ser os principais portavozes desses discursos. E ainda assim, como vimos, ninguém fala no liberalismo enquanto a grande ameaça permanente, nem existe um “antiliberalismo” mobilizando massas e mobilizando paixões políticas com a mesma eficácia.
Não obstante, se entendermos o liberalismo como a teoria política que possui o Indivíduo como sujeito histórico fundamental; que defende uma noção de liberdade negativa (ou seja, liberdade como “ausência de impedimentos para fazer X”); que possui um projeto global de um “grande mercado global” formado por um “mundo sem fronteiras”; que acredita no discurso e no debate como práxis; que defende o secularismo; etc., então torna-se evidente que, estejamos nos referindo à forças políticas à direita ou à esquerda, todas elas são liberais. No Brasil, nos EUA, na Europa e em quase todo o planeta, os partidos dominantes são liberais. As elites são liberais. As instituições são liberais. Os intelectuais são liberais. As forças responsáveis por todos os males da pós-modernidade, do mundo contemporâneo, são liberais. A alternância entre partidos se dá entre diferentes vertentes e diferentes matizes de um mesmo liberalismo. Os debates entre intelectuais se dão entre diferentes intérpretes do liberalismo.
Após a Segunda Guerra Mundial, o liberalismo atingiu o status de ideologia hegemônica no planeta. E essa hegemonia se tornou tão absoluta que ela promoveu a própria desideologização. Liberalismo virou pós-liberalismo, porque o que antes era visto claramente como discurso ideológico passou a ser vendido como mero “common sense”, pura razoabilidade ou até mesmo como “ciência”.
Este mesmo processo de naturalização do liberalismo parece acompanhar o fortalecimento dos discursos antifascistas e anticomunistas. O liberalismo se “naturaliza” e se enraiza cada vez mais nas sociedades, os danos e as consequências negativas aparecem com maior frequência, e aí os discursos antifascista e anticomunista aparecem para silenciar todo questionamento desse sistema hegemônico. Sim, ao que tudo indica, parece que o antifascismo e o anticomunismo se tornaram estratégias de distração, cuja finalidade é proteger o Sistema hegemônico liberal. O antifascista e o anticomunista atuam, assim, como Bombeiros do Sistema.
A função dos intelectuais nesse contexto é tão somente detectar se será mais fácil acusar um determinado grupo social, que aparenta ameaçar o status quo, de fascista ou comunista.
A prova de que esse fenômeno é estratégico vem do fato sempre ocorrerem as “falhas na matrix”, por exemplo, quando um mesmo personagem ou grupo é simultaneamente acusado por intelectuais diferentes de ser fascista e de ser comunista.
Agora fica tudo absolutamente claro. Existe uma força hegemônica liberal que preserva um status quo pela alternância governamental entre diferentes vertentes de liberalismo, geralmente entre partidos de centro-esquerda e centro-direita. Essa força hegemônica teme perder seu monopólio do poder e, por isso, mobiliza discursos de teor antifascista e anticomunista — apear de tanto o fascismo como o comunismo serem tão politicamente protagonistas hoje quanto o feudalismo.
Qualquer pessoa, portanto, que esteja, hoje (quando SÓ EXISTE o liberalismo), falando em antifascismo e anticomunismo, forçando antifascismo e anticomunismo como se fossem o “X” da questão política contemporânea, está claramente a serviço das forças hegemônicas. Não pretende alterar o status quo, mas preservá-lo. Em relação a isso, no Brasil, podemos afirmar que a quase totalidade das organizações ditas nacionalistas (além, obviamente, de todas as liberais) apela ao mito do anticomunismo, e podemos afirmar que a quase totalidade das organizações socialistas, social-democratas e esquerdistas em geral apela ao mito do antifascismo. Assim sabemos, portanto, que todos estes estão claramente a serviço da hegemonia global liberal.
Não existe mais fascismo.
Não existe mais comunismo.
Ou o foco se dá contra o único inimigo real, o liberalismo, ou o povo brasileiro seguirá sendo derrotado e permanecerá escravo.