Duas Leituras Duginianas sobre a Revolução Conservadora

Entre os fenômenos político-filosóficos mais interessantes do século XX, especialmente para os críticos não-marxistas do liberalismo, a Revolução Conservadora alemã certamente ocupa um lugar de destaque.

Sem ter sido propriamente um “movimento” organizado, a Revolução Conservadora – tal como ficou consagrada no estudo temático de Armin Mohler, ex-secretário de Ernst Jünger – representa uma constelação de autores, periódicos e círculos que floresceram na Alemanha entre 1917 e 1933.

Figuras tão variadas quanto o já citado Ernst Jünger, Carl Schmitt, Martin Heidegger, Arthur Moeller van den Bruck, Ernst Niekisch, Othmar Spann, Oswald Spengler e mais dúzias de outros buscavam – naturalmente com uma imensa variabilidade de projetos e percepções -num certo decisionismo revolucionário enraizado em princípios pré-iluministas a rota de fuga em relação à decadência da República de Weimar.

O que os distinguia dos conservadores reacionários é que eles não desejavam voltar ao passado e restaurar instituições anteriores, mas renovar a nação. As referências ao passado são de cunho mais mítico e poético do que efetivamente prático. Ademais, se os conservadores reacionários aceitavam o capitalismo e se vinculavam à burguesia, os conservadores revolucionários eram antiburgueses e anticapitalistas.

Mas eles também não eram marxistas, e desconfiavam tanto do internacionalismo cosmopolita quanto do suposto protagonismo de um proletariado desenraizado, para não falar no espaço central ocupado pelo materialismo como cosmovisão e ferramenta analítica.

Como também se sabe, a sorte das figuras ligadas à Revolução Conservadora durante a ditadura nacional-socialista de Hitler foi variada: alguns abraçaram entusiasticamente o regime e foram absorvidos pelo sistema, outros tentaram colaborar mas acabaram alienados, ainda outros partiram em exílio e alguns ingressaram na resistência e foram perseguidos ou mesmo mortos.

Após a Segunda Guerra Mundial, a maioria dos seus autores caiu no ostracismo, com a exceção óbvia de Heidegger, e é apenas com o incansável ativismo intelectual da Nova Direita na França e na Alemanha a partir dos anos 70 que várias dessas figuras voltam a receber atenção intelectual.

Um dos pensadores que tem se debruçado sobre o tema da Revolução Conservadora enquanto fenômeno histórico-político é o filósofo russo Alexander Dugin, que não apenas é o principal intérprete russo de Heidegger, mas verdadeiramente o autor russo que mais recebeu influências gerais da Revolução Conservadora em seus escritos.

Sendo um autor prolífico que escreve desde o início dos anos 90, portanto, Dugin já abordou a Revolução Conservadora inúmeras vezes ao longo dos anos, mas é interessante ver como há algumas diferenças importantes entre as abordagens duginianas do tema.

Aqui eu apontaria como parâmetros principalmente a obra “Revolução Conservadora”, publicada em 1994, mas com textos datados a partir de 1991, e “A Quarta Teoria Política”, publicada em 2009.

Na obra homônima, Dugin aborda a Revolução Conservadora como sendo não apenas sinônimo de Terceira Posição, mas como sendo verdadeiramente a essência da Terceira Posição. A Revolução Conservadora assume aí um caráter universal, e ela passa a constituir o fundamento (Urgrund) intelectual do qual emergem os vários movimentos políticos fascistas na Europa e no Terceiro Mundo entre os anos 20 e os anos 70.

Pode-se, nesse sentido, falar numa “Revolução Conservadora” espanhola, que encontra no falangismo a sua expressão política; pode-se falar numa “Revolução Conservadora” romena, que encontra no legionarismo a sua expressão política. Julius Evola aparece aí como um pensador da Revolução Conservadora italiana.

Tecnicamente, o termo torna-se sinônimo da Terceira Posição, um descritivo da essência da Terceira Posição como a síntese transcendente das posições típicas da direita e da esquerda.

15 anos depois Dugin aborda a Revolução Conservadora de maneira razoavelmente diferente, fruto da própria evolução intelectual do autor.

A diferença principal é que a Revolução Conservadora deixa de ser a essência ou mesmo o sinônimo da Terceira Posição (agora, Terceira Teoria Política) e passa a pertencer ao plano da heterodoxia terceiro-posicionista.

Na medida em que Dugin conclui pelo caráter fundamentalmente moderno do fascismo, a fórmula peculiar da Revolução Conservadora, mais radical que o fascismo, deixa de ser facilmente compatibilizável com as correntes dominantes da Terceira Teoria Política.

Tal como num plano prático, os principais autores da Revolução Conservadora foram marginalizados, num plano propriamente teórico as ideias-força da Revolução Conservadora aparecem como essencialmente marginais e, até mesmo, impotentes diante da marcha adiante do fascismo.

A Revolução Conservadora nessa nova perspectiva, precisamente por sua heterodoxia, torna-se uma prefiguração da Quarta Teoria Política. Ela emerge no mesmo caldeirão cultural e filosófico do fascismo e, em alguma medida, é propriamente parte da construção da atmosfera político-cultural que permitiu a manifestação histórica do fascismo, mas ela permanece algo à parte, uma corrente alienada do fluxo histórico dominante.

E é precisamente aí que a Revolução Conservadora torna-se mais interessante. Na medida em que as teorias políticas pretéritas são modernas e confluem na Modernidade, o que interessa nelas é precisamente as heresias e heterodoxias, porque é precisamente nos “desvios” e “aberrações” que se pode desvendar a reminiscência de elementos pré-modernos ou antimodernos.

Como conclusão, é evidente que a mudança na leitura da Revolução Conservadora deriva da própria mudança de posição do autor, que passou de uma posição terceiro-posicionista no início dos anos 90 para uma posição quarto-posicionista ao fim da primeira década do novo milênio.

Propriamente, ademais, sendo inegável a possibilidade de extrapolar a Revolução Conservadora do contexto alemão para um contexto internacional, a posição desse fenômeno em cada país é variável. Na própria Rússia, a Revolução Conservadora se encontrou integralmente alheia tanto em relação ao fascismo russo quanto ao Estado, mas a partir de Stálin alguns aspectos do eurasianismo são absorvidos pelo sistema. Na Romênia, por outro lado, Nae Ionesco, Mircea Eliade, Emil Cioran e Constantin Noica, figuras mencionadas por Claudio Mutti como expoentes de um conservadorismo revolucionário autóctone, estiveram intimamente ligados ao fascismo romeno.

No Brasil entendo que também podemos falar em uma Revolução Conservadora, cujos contornos ainda parecem difusos. Certamente desse fenômeno fizeram parte figuras como Oliveira Vianna, Francisco Campos, Azevedo Amaral, Otávio de Faria, e ainda outras, algumas mais próximas do Estado Novo, outras menos, algumas com algum diálogo com o Integralismo, outras não.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 55

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