Entrevista com Alexander Dugin: O Retorno Sagrado da Política

Alexander Markovics entrevista Alexander Dugin sobre como a filosofia platônica moldou a Europa; por que o liberalismo está enraizado em uma metafísica atomista e feminista; e como a Quarta Teoria Política oferece um caminho além da modernidade para uma ordem política transcendente e hierarquicamente militante, fundamentada na eternidade.

1. Caro Prof. Dugin, em seu livro Politica Aeterna, o senhor descreve como a filosofia molda e cria a sociedade, começando pelo pensamento platônico e aristotélico e sua influência na Europa. Qual é a essência do Platonismo Político, como ele moldou a sociedade europeia e que tipo de continuidade existe entre os pensamentos de Platão e o Cristianismo?

Para começar, compartilho a compreensão tradicional de que o pensamento filosófico molda a realidade. A dimensão política está sempre embutida na filosofia. Como Martin Heidegger observou em seus Cadernos Negros, não devemos ver a filosofia política como uma disciplina separada. A política já está contida na filosofia desde seu início. Portanto, é totalmente artificial tentar uma divisão entre as duas. Todas as filosofias carregam consequências políticas implícitas, e todos os sistemas políticos encontram suas raízes em tradições filosóficas específicas.

No caso de Platão, o pensamento político e a visão filosófica são absolutamente homogêneos; uma profunda homologia estrutural os vincula. A ontologia de Platão — seu conceito de ser, mente, natureza, cosmos — é organizada em torno de eixos verticais. Estes conduzem para cima, em direção ao reino do bem Agathon e à unidade última. O Um e o Bem são idênticos, formando um princípio transcendental: um céu onde os próprios deuses ascendem para contemplar o divino.

Esta estrutura vertical subjaz a todo o ser. A alma espelha esta ascensão: é estruturada como uma montanha, culminando num pico de onde a transcendência se torna visível. Um estado adequado espelha este triângulo — esta ascensão — com aqueles capazes de contemplação, aqueles sintonizados com algo além da mera arte de governar, situados no ápice. O estado platônico é, portanto, construído como uma pirâmide coroada por guardiões — guerreiros-filósofos que protegem e servem ao transcendente.

O filósofo-rei governa não por poder material, mas por sua capacidade de transcender a si mesmo, de comungar com o que está além. Platão reconheceu que mulheres, dotadas de energia e força espiritual suficientes, também poderiam alcançar o nível da guarda. O que importa é a capacidade contemplativa.

Esta figura no ápice — um profeta ou vidente — é a encarnação sacralizada da autoridade. Tal modelo alinha-se com o império cristão, no qual o imperador servia como o katechon, aquele que contém o caos. Esta continuação cristianizada do Platonismo Político floresceu em Bizâncio e foi posteriormente transmitida à Rússia. Em contraste, o cristianismo ocidental, seguindo Agostinho, introduziu uma divisão entre a Igreja e a autoridade temporal — entre transcendência e governo mundano — rompendo a unidade platônica.

Carlos Magno tentou replicar o modelo bizantino, e mais tarde, os imperadores Habsburgos continuaram esta tradição. De Carlos Magno a Nicolau II, a Europa manteve uma forma de Platonismo Político cristianizado.

No entanto, quando a orientação filosófica mudou — quando a transcendência foi abandonada em favor do imanentismo — emergiu um novo estado secularizado. O Platonismo Político deu lugar ao Atomismo Político. Aceitar a filosofia atomista, que sustenta que toda a realidade consiste em átomos desconectados movendo-se no vazio, leva-nos a estruturas políticas liberais. O liberalismo é a expressão política da metafísica atomista. O resultado é a rejeição não apenas da missão sagrada do estado, mas do estado como tal, para dar lugar a massas individuais autônomas e desenraizadas.

Assim, surgem dois modelos opostos: um vertical, simbólico, sacral — o Platonismo Político; e outro horizontal, material, caótico — o Atomismo Político. O primeiro vê tudo na política como sagrado e significativo. O segundo corta a transcendência, criando sistemas políticos estéreis, desprovidos de destino ou propósito.

O liberalismo moderno, o cosmopolitismo e o individualismo derivam todos desta lógica atomista. Se somos platônicos, devemos permanecer fiéis a uma visão superior. Atomismo e liberalismo são escolhas filosóficas, não inevitabilidades. A mensagem do Platonismo Político é esta: o destino é ilusório. A mudança de regime filosófico é uma questão de vontade.

Eles nos dizem: “Você prefere a alternativa, portanto você é subumano, desviante e perigoso”. No entanto, aqueles que resistem a esta pressão com força perduram. Até mesmo Donald Trump — embora não seja um platônico político — representa uma rejeição da fase final da degeneração liberal-atomista. Ele revela que a força outrora considerada inevitável pode, de fato, ser resistida. Como com a União Soviética — outrora considerada eterna — o liberalismo também passará. É apenas um momento.

Isso fortalece o retorno do Platonismo Político. Ele não é arcaico. É eterno. Foi a base da Europa, do próprio Ocidente. A restauração da ordem vertical e simbólica não é uma fantasia; é uma escolha real e necessária.

2. Isso leva diretamente à minha segunda pergunta. Em seu livro, o senhor descreve o pensamento platônico como a filosofia do pai, o pensamento aristotélico como a filosofia do filho, e menciona também um terceiro caminho: a filosofia da mãe. Por que o senhor caracteriza o atomismo como uma filosofia feminina, e quais consequências sua readoção durante o Renascimento trouxe para as sociedades europeias?

Este simbolismo não diz respeito ao gênero no sentido biológico comum. Quando falo do Logos masculino ou feminino, refiro-me a forças arquetípicas, tendências metafísicas. O Logos Apolíneo — puramente masculino — é corporificado no Platonismo Político. O pai senta-se eternamente acima, em seu trono inabalável. Nós, como filhos, habitamos o plano horizontal abaixo, esforçando-nos para nos conformar a essa ordem transcendente. Palas Atena, uma deidade feminina, pertence a esta esfera apolínea porque sua essência é vertical, não maternal. O arquétipo transcende o sexo.

O segundo Logos, Dionisíaco, alinha-se com o pensamento aristotélico. Esta é uma forma mista — nem totalmente vertical nem totalmente horizontal. O espírito dionisíaco move-se entre extremos, mediando, equilibrando. É masculino e feminino, mas não plenamente nenhum dos dois. Existem homens dionisíacos e mulheres dionisíacas.

O terceiro Logos, o de Cibele — a Grande Mãe — é radicalmente diferente. Eleva-se a partir da base. Afirma o material como tal, não formado, informe. O átomo é seu símbolo — uma partícula separada de todos os todos, desprovida de significado interior. Nos mitos da antiguidade, a Grande Mãe produz tudo: deuses, titãs, demônios. Ela não vê distinção. Em seus olhos, todos são iguais.

Este materialismo maternal fundamenta o liberalismo, a democracia e o feminismo. Ele inverte a hierarquia sagrada do pensamento apolíneo. Os cultos da Grande Mãe eram marcados pela castração, loucura extática e procissões bufantes — traços visíveis hoje nas paradas da política identitária pós-moderna. Teoria queer, transgenerismo, feminismo — todos emergem deste retorno da antiga adoração cibelina.

Uma vez visitei Freiburg, onde Heidegger lecionou. Hoje, a cátedra outrora reservada à fenomenologia ostenta o título “Estudos Queer”. Isso não é acidente. Marca uma inversão metafísica. Dionísio foi substituído por Cibele. O caminho de Heidegger foi suplantado pela ontologia atomista e maternal.

Esta inversão opera em todos os níveis: político, cultural, filosófico. Kamala Harris corporifica o arquétipo cibelino: não racialmente, mas metafisicamente. No pensamento hindu, sua essência é tamas, o princípio da inércia, obscuridade, o submundo. Ela é um avatar da Grande Mãe, tal como imaginada pelo Pink Floyd em seu lamento pela “Atom Heart Mother”.

3. Isso nos traz à minha terceira pergunta. O senhor falou dos fatores materialistas e atomistas da modernidade. Em seu livro, analisa os três paradigmas da modernidade: liberalismo, comunismo e nacionalismo revolucionário. Quais são os diferentes conceitos de sociedade dentro desses três paradigmas? E no contexto da Quarta Teoria Política, qual é o significado especial da Revolução Conservadora? Como ela pode nos conduzir para além da modernidade rumo a um tipo diferente de sociedade?

As três ideologias políticas — liberalismo, comunismo e nacionalismo — juntas constituem a modernidade política. Embora possam parecer conflitantes, são ramos da mesma árvore metafísica. Prefiro tratar o nacionalismo não meramente como revolucionário ou fascista, mas como o conceito mais amplo de estado-nação burguês, que afirma o cidadão individual como unidade política. Todos os três paradigmas — esquerda, direita e centro — estão fundamentados em ontologias atomistas, materialistas e, em última instância, ginecocráticas.

Cada um representa uma variação do Logos cibelino. O liberalismo isola o átomo, o indivíduo, celebrando a fragmentação. O comunismo funde os átomos artificialmente numa massa, numa abstração coletivizada. O nacionalismo reúne indivíduos em tradições imaginadas, criando estados, línguas, hinos e símbolos de baixo para cima. Esses estados-nação modernos substituíram impérios, que eram hierárquicos e sagrados. O nacionalismo serve, assim, como outra manifestação cibelina — afirmando-se orgânico enquanto na verdade construído através de fabricação.

No século XX, essas três ideologias travaram guerra entre si, cada uma proclamando-se a encarnação do futuro. Liberais, fascistas, comunistas — todos reivindicaram o manto do destino histórico. Contudo, o liberalismo prevaleceu — não por acaso, nem por ser mais prático ou atraente, mas porque era a expressão mais fiel do materialismo atomista. Ele deixou os átomos soltos, desvinculados, liberando o individualismo em sua forma mais pura. Nesse concurso metafísico, a ideologia mais consistente — o liberalismo — emergiu vitoriosa.

Vivemos agora sob esse triunfo: a fase final do reinado cibelino. O liberalismo revelou sua essência: transgenerismo, transumanismo, a normalização completa do pecado. As ideologias derrotadas — comunismo e nacionalismo — tentaram adaptar-se, submetendo-se ao governo da Grande Mãe. São agora versões ultrapassadas do mesmo impulso, vestígios remanescentes de estágios anteriores da modernidade.

Para escapar dessa armadilha, concebi a Quarta Teoria Política. Inicialmente, meu pensamento era estratégico: unir aqueles que ainda resistem ao liberalismo — forças díspares nas margens, sejam nacionalistas ou comunistas. Imaginei uma síntese. Quando aplicada pragmaticamente, essa abordagem mostrou-se plausível. Na Itália, a aliança do Movimento Cinco Estrelas e da Liga Norte poderia romper o centro liberal. Na França, uma coalizão de Mélenchon e Marine Le Pen poderia desafiar Macron. Na Alemanha, Sahra Wagenknecht e a AfD juntas seriam vitoriosas. Sozinhas, cada uma permanece fraca; juntas, quebram o feitiço.

Alain de Benoist observou recentemente que Trump é um candidato da classe trabalhadora. Essa convergência de esquerda e direita encontra expressão na prática. Contudo, logo percebi que tais coalizões, embora eficazes, não vão longe o suficiente. Permanecem dentro do labirinto da modernidade.

A Quarta Teoria Política é um convite para sair totalmente desse labirinto. Não para tomar partido pelo liberalismo, comunismo ou nacionalismo, mas para rejeitar todos os três como modernos. O objetivo é explodir o labirinto, cortar o nó górdio. Não buscamos reconfigurar a modernidade; visamos transcendê-la. A Quarta Teoria Política olha tanto para trás, para tradições pré-modernas, quanto para frente, para uma crítica pós-moderna da modernidade.

Não se trata de retornar ao passado, mas de acessar padrões eternos: impérios, ordens sagradas, Platonismo Político. Ao mesmo tempo, não devemos hesitar em empregar ferramentas contemporâneas: estruturalismo, antropologia, fenomenologia. A multipolaridade também torna-se um conceito-chave: um mundo de muitas civilizações, cada uma soberana, cada uma enraizada em seu próprio logos.

Os pensadores tradicionalistas — René Guénon, Julius Evola — mostram como expressar verdades perenes em linguagens modernas. Evola, por exemplo, aplica os valores de Roma a críticas da arte moderna. Igualmente, a Revolução Conservadora na Alemanha, apesar de seus erros, buscou um caminho além da modernidade liberal. O mesmo fez a Escola de Kyoto no Japão. Esses não foram desenvolvimentos exclusivamente russos ou europeus. São globais.

A Quarta Teoria Política é aberta. Tem um número, não um nome. Seu nome deve ser descoberto diferentemente em cada civilização. Não é um sistema fechado, mas uma direção. Ainda não sabemos o que está em seu fim. É uma busca. Esse é seu poder.

4. Entendo. Um ponto muito interessante que o senhor destacou é que a Segunda e a Terceira Teorias Políticas perderam a batalha contra o liberalismo por não serem suficientemente modernas. Do ponto de vista sociológico, qual era o cerne da Segunda e Terceira Teorias Políticas, e por que elas foram insuficientemente modernas para vencer a batalha pelo legado da modernidade?

Podemos observar que as revoluções socialistas triunfaram não onde Marx previu, mas precisamente onde ele disse que nunca ocorreriam. Ele falhou em contabilizar o poder dos elementos tradicionais. A verdadeira força motriz da Revolução Bolchevique na Rússia foi a força do campesinato — pessoas profundamente tradicionais que desejavam libertação de uma elite ocidentalizada. Aquela revolução foi, em sua essência, nacional. Foi uma insurreição popular enraizada no solo de uma sociedade pré-moderna, envolta em linguagem marxista mas alheia às expectativas de Marx.

Segundo Marx, tal revolução não poderia ocorrer na Rússia. A doutrina de Lenin já era uma profunda revisão do marxismo; a de Stalin ainda mais. Stalin declarou que o socialismo poderia ser construído num único país — ideia rejeitada tanto por Marx quanto por Lenin. Assim, o sucesso do comunismo na Rússia, e posteriormente na China, Vietnã e outros lugares, não se deveu à estrutura de classes, ao desenvolvimento industrial ou a um proletariado poderoso — esses elementos eram fracos ou inexistentes. Em vez disso, o sucesso veio da persistência da tradição.

A China de Mao, apesar de sua retórica marxista, permaneceu muito mais confuciana e tradicional em caráter. As revoluções triunfaram porque se alimentaram de forças ancestrais: mito, nacionalismo, solidariedade agrária. E ainda assim, paradoxalmente, essa mesma dependência de fundações pré-modernas condenou-as no longo prazo. Elas carregavam dentro de si contradições metafísicas.

O mesmo se aplica à Terceira Teoria Política: o nacionalismo revolucionário. Embora afirmasse ser moderno, frequentemente fazia uso de arquétipos arcaicos: masculinidade heroica, liderança mítica, estética militarizada. Fascismo e Nacional-Socialismo, apesar de suas reivindicações de futurismo, estavam saturados de símbolos pré-modernos. Esses elementos tornaram-se distorções — caricaturas, em alguns casos — dos tipos apolíneo ou dionisíaco. Precisamente por causa dessas profundas ressonâncias pré-modernas, tanto o nacionalismo quanto o comunismo mostraram-se incapazes de sustentar a visão de mundo puramente moderna necessária para derrotar o liberalismo.

Assim, tanto a Segunda quanto a Terceira Teoria Política falharam porque eram impuras metafisicamente — enredadas em estruturas tradicionais incompatíveis com a lógica interna da modernidade. O liberalismo, em contraste, era plenamente moderno, plenamente atomista, inteiramente consistente com o projeto metafísico de dissolver toda a verticalidade. É por isso que triunfou.

5. Perfeito. Minha quinta pergunta: há pouco, o senhor falou sobre pós-modernismo. Mencionou-o em dois sentidos: primeiro, como consequência final do atomismo, que descreve como algo profundamente destrutivo e oposto ao Platonismo e ao Tradicionalismo; segundo, como um potencial aliado do Tradicionalismo na luta contra a modernidade. Poderia esclarecer esses dois significados do pós-modernismo em sua obra? Além disso, o senhor descreveu a derrota de Kamala Harris e dos globalistas na recente eleição americana como uma derrota parcial do liberalismo. Em seu livro, equipara o pós-modernismo à hipermodernidade e também referencia o Iluminismo Escuro, incluindo a obra de Reza Negarestani e outros pensadores. Que conclusões devemos tirar sobre o pós-modernismo à luz do Iluminismo Escuro e suas implicações para a sociedade?

O pós-modernismo, por um lado, é o desdobramento final da modernidade — sua conclusão lógica, ou o que às vezes chamo de hipermodernidade. Como tal, ele revela a verdade completa do projeto moderno, desmascarado. Nesse sentido, é preferível às fases anteriores da modernidade, que velavam suas intenções sob o humanitarismo, racionalismo ou progresso. A face nua do mal é mais fácil de confrontar do que a disfarçada. Quando Satanás remove sua máscara, ilusões não são mais possíveis. Essa é a vantagem do pós-modernismo: sua honestidade.

Hoje, vemos o que está no cerne da ordem liberal ocidental moderna. Escândalos sexuais envolvendo figuras de elite como Puff Daddy ou Jeffrey Epstein não são anomalias; são expressões do núcleo do sistema. A retórica humanitária — as Open Society Foundations, Médicos Sem Fronteiras, ativismo climático — frequentemente oculta uma missa negra sob a superfície. Os rituais da democracia liberal mascarando sacrifícios de bebês, predação e perversão metafísica. Esta é a verdadeira forma da elite: bruxas, estupradores e destruidores. Satanás não está mais escondido.

A modernidade negou tanto Deus quanto o Diabo. O pós-modernismo admite que não há Deus e exalta o Diabo. Este é o Anticristo revelado — não metaforicamente, mas literalmente. Essa clareza é aterradora, mas libertadora. Como Alex Jones diz corretamente, este é o momento do despertar. Sem mais transigência. Não há mais uma mistura de bem e mal — apenas mal, não filtrado. Aqueles que se opõem a esta ordem satânica são demonizados como nazistas, putinistas e extremistas.

No entanto, esta revelação também desperta resistência. O despertar escatológico segue o desvelamento do Anticristo. Somos agora convocados para a batalha final. O Tradicionalismo, em sua forma clássica, é insuficiente para este momento. Na sociedade tradicional, vive-se em harmonia, em equilíbrio, através da oração, sacrifício, família e dever sagrado. A guerra era episódica, não essencial. Agora, a guerra é permanente porque as forças satânicas são onipresentes. Não restam mais espaços seguros da tradição intocados.

Ser tradicionalista hoje é ser um guerreiro. Não há neutralidade, nem retirada. Deve-se lutar — filosoficamente, espiritualmente e culturalmente. Este é o Tradicionalismo escatológico: não nostálgico, mas militante. Nesta luta, podemos empregar certos elementos desenvolvidos dentro do pós-modernismo — aquelas ferramentas que criticam ou transcendem a modernidade.

Fenomenologia, estruturalismo, antropologia cultural, psicanálise — estas podem nos servir se reorientadas. O Dasein de Heidegger, o relativismo cultural de Lévi-Strauss, até aspectos de Lacan ou Jung — podem ser armas. Existe um pós-modernismo de direita, um contraponto metafísico à desconstrução esquerdista. Este pós-modernismo da direita não rejeita a Tradição. Alia-se a ela na luta final.

O Iluminismo Escuro — figuras como Nick Land, Reza Negarestani, os Deleuzianos Negros — abraça o abismo. Eles convocam deuses lovecraftianos, divindades idiotas de além do tempo. São profetas autodeclarados do inumano. Estes pensadores são valiosos porque expõem a lógica mais íntima da modernidade. Seu horror é instrutivo.

Neste momento, a visão de Guénon sobre a “hierarquia invertida” torna-se real. Gog e Magog emergiram das fendas da Terra. Reúnem-se abertamente. Hospedam conferências, financiam instituições e participam de abusos rituais enquanto afirmam representar a racionalidade. Este é o fim do compromisso.

Agora começa a guerra final.

6. Perfeito, vamos concluir com a sexta pergunta: Finalmente, em seu livro, o senhor descreve a Quarta Teoria Política como um modelo para transcender a modernidade, incorporando elementos do Tradicionalismo, Platonismo Político e realismo metafísico. Quão próxima está a Quarta Teoria Política da Kallipolis de Platão? O que podemos efetivamente fazer para passar da infernal sociedade pós-moderna de hoje em direção a este estado ideal?

O passo mais importante é perceber que Kallipolis, a cidade platônica ideal, não está atrás de nós, mas à nossa frente. Ela pertence não ao passado, mas à eternidade. Não estamos retornando a uma era dourada. Estamos nos aproximando de sua re-manifestação. Neste momento particular da história, encontramo-nos muito mais próximos do fim do que do início. Vivemos na meia-noite, a hora derradeira do tempo humano.

Na aurora da história, o arquétipo da cidade sagrada revelou-se. Kallipolis foi então lembrada, preservada e transmitida através de ritual, lei, mito e iniciação. A Tradição era o ato de recordação: trazer à memória as proporções daquela cidade perfeita, aproximar-se de sua forma através da filosofia, realeza e ordem sagrada. À medida que a memória esmaeceu, ajustamos nossas estruturas políticas com crescente erro e concessões. Ao longo dos séculos, esquecemos mais e mais.

Agora, no fim, já não nos lembramos da Kallipolis. Aceitamos o esquecimento como normalidade. A democracia liberal torna-se a doutrina oficial do oblívio. O pecado não é mais resistido; é afirmado, celebrado e legalizado. O casamento homossexual não é meramente tolerado; é declarado sagrado. A queda torna-se doutrina.

Contudo, Kallipolis também retorna no fim dos tempos. Na tradição cristã, esta é a Nova Jerusalém. A cidade celestial não é uma utopia; é um reaparecimento da eternidade, um eco final do arquétipo. A Nova Jerusalém não é meramente simbólica. É real. Ela existiu, existe e existirá. Na última hora, ela se aproxima. Comparado à vasta distância entre a origem e a queda, o passo entre agora e o retorno é pequeno. Estamos diante dele.

A diferença entre o Tradicionalismo clássico e a Quarta Teoria Política reside aqui: adotamos uma postura escatológica. Não olhamos para trás com saudade; olhamos para frente com fidelidade eterna. Nosso olhar perfura o véu do colapso para vislumbrar o padrão eterno além.

Não esperamos evidências. Lutamos na escuridão total. A última centelha de luz desapareceu do horizonte. Contudo, acreditamos. Não porque a luz seja visível, mas porque ela existe na eternidade. O verdadeiro crente segue Deus não porque Deus é visto, mas porque Ele é.

Mesmo que nos provassem que Deus não existe, lutaríamos por Ele. Essa é a essência do Tradicionalismo heroico: um voluntarismo além da prova, além da inércia. Permanecemos leais quando o mundo desviou-se. Rezamos nas ruínas. Construímos catedrais no deserto.

Assim, a Quarta Teoria Política vem depois da modernidade, não antes dela. Nasce das cinzas, forjada no fogo da luta escatológica. Não é herdada; é escolhida.

Fonte: Multipolar Press
Tradução: Augusto Fleck

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