O “Stargate” de Donald Trump

Superados pela China no campo da IA, os EUA sob Trump pretendem fazer imensos investimentos nesse setor para recuperar a vantagem perdida.

Além de seus já mencionados interesses em recursos naturais e no controle sobre eles, Donald Trump consolidou-se como um defensor do desenvolvimento e uso ativo da Inteligência Artificial (IA) em diversos campos. Já no segundo dia de seu mandato oficial como presidente dos Estados Unidos, ele anunciou a criação de um novo empreendimento conjunto privado que poderia ter um grande impacto na inovação em IA nos EUA e além. O projeto foi batizado de “Stargate”, em referência a uma famosa obra da ficção científica literária e a um filme hollywoodiano do gênero.

Embora Joe Biden também tenha promovido a questão da IA e do desenvolvimento tecnológico, assinando decretos relevantes, na prática não conseguiu alcançar nenhum avanço significativo. Diante da crescente concorrência da China e, especialmente, dos sucessos de Pequim no desenvolvimento de sua própria IA, esta área claramente terá prioridade sob o governo Trump.

A Stargate pretende construir até 20 grandes centros de dados de IA nos EUA, com um investimento inicial de US$ 100 bilhões e planos de até US$ 500 bilhões até 2029. Mesmo sem conhecer todos os detalhes específicos, essa é claramente uma iniciativa monumental que visa reforçar a posição dos EUA como líder global indiscutível em inteligência artificial.

Juntaram-se a Trump para o anúncio Sam Altman, CEO da OpenAI, Larry Ellison, presidente da Oracle, e Masayoshi Son, CEO da SoftBank. Suas três empresas servem como principais do novo empreendimento conjunto. A eles soma-se um quarto investidor, o fundo de investimento emiratense MGX, focado em IA e controlado pelo governo de Abu Dhabi. Além da OpenAI e Oracle, os principais contribuidores tecnológicos incluem Microsoft, Nvidia e Arm.

A construção inicial de 10 datacenters já começou de fato. Vale notar que, como anunciado há quase um ano, um supercomputador de IA equipado com dezenas de milhares de GPUs A100 da Nvidia está sendo construído para a OpenAI em Abilene, Texas, pela Microsoft. Uma vez concluídas as avaliações dos locais, o projeto será expandido para outras localidades. O objetivo inicial é construir 10 datacenters de 500 mil pés quadrados cada, para depois expandir o projeto para mais 10 datacenters em todo os Estados Unidos.

A Microsoft tem sido uma grande apoiadora e parceira da OpenAI há anos, e a OpenAI colabora de perto com a Nvidia desde 2016. A Microsoft também conhece bem a Nvidia por usar tantas de suas GPUs em datacenters do Azure. A parceria entre OpenAI e Oracle é mais recente, mas a IA não pode funcionar sem grandes quantidades de dados acessíveis e de alta qualidade, e a Oracle usará sua expertise em manipulação de dados para alimentar os datacenters do Stargate.

Obviamente, o projeto Stargate foi originalmente concebido para garantir a dominância dos Estados Unidos no campo da IA. O anúncio da OpenAI sobre o assunto falava em competição global no campo da inteligência artificial:

“Esta infraestrutura garantirá a liderança americana em IA, criará centenas de milhares de empregos americanos e gerará benefício econômico massivo para todo o mundo. Este projeto não apenas apoiará a reindustrialização dos Estados Unidos, mas também fornecerá uma capacidade estratégica para proteger a segurança nacional da América e de seus aliados.”

Dada a composição da equipe atual de Donald Trump, há alta probabilidade de que o projeto receba prioridade, e investimentos adicionais possam ser obtidos com o apoio direto da Casa Branca.

A propósito, o vice-presidente americano JD Vance também é um dos mais ardentes defensores do uso da inteligência artificial. Ao discursar no Paris Artificial Intelligence Action Summit em fevereiro de 2025, ele criticou duramente o que considerou “regulação excessiva” e deixou claro que os Estados Unidos estavam prontos para seguir seu próprio curso, mesmo que isso significasse romper com aliados. As declarações de Vance deixaram claro que a administração vê a IA não como um problema a ser resolvido, mas como uma oportunidade a ser aproveitada. A retórica da administração Biden sobre o risco existencial e a necessidade de criar barreiras protetoras à IA desapareceu. Em vez disso, a nova abordagem da Casa Branca prioriza velocidade, poder e controle sobre o panorama global da inteligência artificial. Mais especificamente, Vance enfatizou que a política da administração no campo da inteligência artificial será baseada em quatro pontos: primeiro, a preservação dos desenvolvimentos americanos em IA como o “padrão ouro mundial”; segundo, a adoção de um programa de desregulamentação interna e externa; terceiro, impedir que a IA se torne “um instrumento de censura autoritária”; e quarto, desenvolver “um caminho de crescimento para IA orientada aos funcionários”.

O discurso de Vance no American Dynamism Summit, organizado pelo gigante de capital de risco Andreessen Horowitz em meados de março de 2025, forneceu o quadro mais claro até então de como a administração planeja alcançar a dominância em IA, com foco especial no que inclui o caminho de crescimento liderado por funcionários. O summit, dedicado a fortalecer a base industrial dos EUA e garantir a resiliência econômica e militar do país, foi o local ideal para Vance discutir as prioridades da administração. Seu discurso, no qual a IA foi nomeada como a pedra angular do novo renascimento industrial americano, concentrou-se em três temas centrais: 1) desregulamentação como catalisadora do crescimento da IA; 2) inteligência artificial como imperativo de segurança nacional; 3) governo como criador de mercado.

Dito isto, a questão da desregulamentação criará um conflito de interesses com os parceiros dos EUA, pois, por exemplo, a UE, Canadá e Austrália têm sua própria compreensão sobre o acesso de empresas de alta tecnologia aos seus mercados e estão tomando medidas apropriadas contra o protecionismo, incluindo processos contra gigantes de TI dos Estados Unidos.

Em geral, o discurso de Vance no American Dynamism Summit ecoou de certa forma suas teses apresentadas em Paris, mas com ênfase não na cooperação internacional, e sim na união de tecnootimistas e populistas no âmbito do conceito de renascimento industrial nos EUA. Mais uma vez, segundo a ideologia do slogan eleitoral de Trump, “Make America great again”.

Fonte: OrientalReview

Imagem padrão
Leonid Savin

Leonid Savin é escritor e analista geopolítico, sendo editor-chefe do Geopolitica.ru, editor-chefe do Journal of Eurasian Affairs, diretor administrativo do Movimento Eurasiano e membro da sociedade científico-militar do Ministério da Defesa da Rússia.

Artigos: 43

Deixar uma resposta