O doping é a regra no esporte olímpico. Por que apenas a Rússia é punida?

De início, já quebraremos algumas ilusões: Aquilo que chamam de “doping”, ou seja, o uso de substâncias ou técnicas atualmente consideradas ilegais para aumentar a eficiência do esportista, é uma prática generalizada no esporte de ponta, portanto, também no esporte olímpico.

Na verdade, o “doping” apesar de ser visto como moralmente condenável está muito mais presente na indústria do esporte e do entretenimento do que se ousa admitir. Esses atores que ganham 10-20kg em pouquíssimos meses para fazer um super-herói no cinema? Já notaram como há alterações até na estrutura óssea de seu rosto, como no queixo, por exemplo? Vocês acham que isso é o que? Dieta e treino? O mesmo se aplica a lutadores de MMA, passistas de Carnaval, e toda a grande gama de pessoas que dependem do corpo para se destacarem na sociedade do espetáculo, seja nos esportes ou no entretenimento.

Não estamos fazendo qualquer condenação moral aqui. Estamos apenas expondo os fatos. O doping é onipresente, queiramos ou não.

Vamos às Olimpíadas. O Comitê Olímpico tem, já há alguns anos, posto em prática uma verdadeira perseguição fanática, virulenta e incessante aos atletas russos, fazendo o possível e o impossível para banir, coletivamente, a participação de russos em competições. Sejam eles inocentes ou culpados.

A justificativa seria a existência de algum tipo de “esquema oficial”, sancionado pelo Estado russo, que promoveria o doping de seus atletas. A ideia é de que os atletas de outros países que praticam o doping fazem isso escondido, e contrariando as organizações desportivas de seus próprios países (!).

A realidade é que esse debate internacional, aparentemente movido por posturas absolutamente neutras, imparciais, meramente preocupadas com a pureza do desporto, faz parte do confronto geopolítico entre as potências atlantistas e as forças multipolares. É essa diferença que faz com que esportistas jovens da Rússia ou China sejam constantemente escrutinados, questionados e pressionados sob acusações de doping, enquanto esportistas jovens dos países ocidentais são simplesmente tratados como “prodígios”, “muito esforçados”, “focados”, e todo o lero-lero do tipo.

A noção de que não há uma promoção ou tolerância oficial ao doping pelos Estados ocidentais não faz sentido e não se sustenta ao menor exame. As organizações desportivas americanas do basquete, baseball e futebol americano (NBA, MLB e NFL), por exemplo, mantêm uma política oficial de elevadíssima tolerância ao doping. Estimativas de atletas da NFL, por exemplo, indicam que por volta de 90% dos jogadores de futebol americano fazem uso de substâncias proibidas. Vocês acham que em outros esportes isso é menos frequente?

Uma investigação realizada em 2013 na Austrália por uma comissão de inteligência do governo gerou um relatório que demonstrava que o universo desportivo australiano estava inundado de peptídios, hormônios e inúmeras drogas banidas, com equipes inteiras envolvidas em doping. O doping era administrado por cientistas desportivos, em um esquema envolvendo técnicos, médicos e farmacêuticos.

Na mesma época, o ícone do ciclismo americano Lance Armstrong foi exposto como sendo o cabeça do maior e mais sofisticado esquema de doping na história do esporte de ponta. Não era questão de ser apenas uma pessoa mentindo. Havia a participação de inúmeros outros ciclistas e pessoas envolvidas no establishment desportivo americano. Mas apenas ele foi punido.

A noção de que no doping ocidental há apenas “culpa individual”, enquanto no caso russo se está sempre falando de uma “culpa coletiva” é demonstração cabal de uma duplicidade hipócrita que só pode ser explicada pelo fato de que estamos lidando com um cenário não-militar de uma guerra. Uma guerra na qual os aparatos de propaganda do Ocidente, como é típico de sua ideologia liberal, demonizam e desumanizam coletivamente os seus adversários, transformando um conflito por interesses em uma guerra entre o bem e o mal.

Já foi demonstrado, no caso de Carl Lewis, por exemplo, que houve tolerância e indulgência da parte do Comitê Olímpico Americano, não só com ele, mas com incontáveis outros atletas, alguns dos quais ainda se pavoneiam com suas medalhas de ouro, prata e bronze.

O que o próprio Carl Lewis disse quando foi pego? Que ele foi apenas um entre CENTENAS de atletas americanos para os quais o Comitê Olímpico deu um jeito de ocultar testes para garantir sua participação. Nas próprias palavras dele: “Teve centenas de pessoas que se safaram. Todos eram tratados da mesma maneira”.

Centenas de atletas americanos que falharam em testes de doping. Quantas medalhas teriam sido ganhas por eles? E apenas a Rússia é punida coletivamente?

Na Alemanha, por exemplo, desde as Olimpíadas de Montreal em 1976, quando a Alemanha Ocidental foi massacrada pela Oriental (que tinha sim um programa oficial de doping) em números de medalhas, tem havido programas oficiais de doping, sob o eufemismo de programas de “regeneração” ou “substituição”. Tudo feito por figuras da medicina desportiva, em conjunto com técnicos e burocratas do Comitê Olímpico Alemão.

Desporto é guerra sem os tiros. Vencer em competições desportivas internacionais é levar glória ao seu país. E, por isso, os governos do mundo inteiro levam a vitória no esporte muito a sério, como demonstração de força e poder. Não estamos falando de algo trivial, mas de uma verdadeira Geopolítica do Esporte.

Estamos na era do doping, há décadas já, e isso não vai mudar. Ao contrário, a eficiência do doping vai se elevar cada vez mais (e é isso que garantirá que continuemos a ver recordes quebrados e glórias conquistadas). Atletas já vêm usando transfusões de sangue para ocultar doping e já se sabe que vários escapam da fiscalização pelo uso de microdosagens. Já estamos chegando no uso de terapia gênica para doping.

A noção de que há algum tipo de especificidade no caso de atletas russos pegos em doping não passa de hipocrisia e duplicidade da parte do Comitê Olímpico Internacional, por ser de conhecimento comum que todos os países que ganham medalhas e querem ganhar medalhas possuem esquemas oficiais ou semi-oficiais de doping.

Nesse sentido, estamos diante de algo que não passa de uma manifestação de um conflito geopolítico. É a nova “Guerra Fria”, manifesta no esporte olímpico.

Essa é a realidade nua e crua do esporte de ponta. E se o Brasil quiser disputar medalhas com as potências desportivas internacionais em pé de igualdade, vocês já sabem o que é necessário fazer.

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Nova Resistência
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