O crime só ocorre porque, objetivamente, vale a pena praticar crimes no Brasil. É tudo uma correlação entre o ônus e o bônus. Em uma sociedade onde grande parte de seus membros vive em uma situação de completa miséria e fome, não importa quão duras sejam as leis, já que a possibilidade do ganho no mundo do crime faz valer a pena (novamente no sentido literal da frase). Por outro lado, penas excessivamente brandas fazem com que o crime ainda pareça mais atrativo do que já é, pois o temor é pouco em relação às possibilidades do ganho. Vejam que se trata da disputa entre dois afetos, sejam eles o temor ou a ambição: o temor da punição, a ambição por bens, sejam necessários (no caso de quem rouba por fome), sejam triviais (no caso de quem entra para o crime por gostar da vida fácil, ou pela aventura), ou simbólicos (influência, poder, glória, fama).
Nota-se, portanto, que tanto a “esquerda” quanto a “direita” são extremamente superficiais em suas análises sobre o elemento “crime”. São tolas e incompletas as análises que apontam como solução para o crime apenas o endurecimento das penas, como são pueris e risíveis as que apontam apenas para o fim da desigualdade, como se isso fosse uma solução possível a curto ou médio prazo. No primeiro caso, há de se analisar que, para os que passam fome ou estão em situações limítrofes, nenhuma pena é demasiado aterrorizante. Citando Brecht, podemos dizer que os famélicos temem mais a miséria do que a própria morte. Logo, por essa análise, se crê que mesmo que penas mais duras pudessem desmotivar uma parcela dos criminosos, elas não teriam o mesmo efeito sobre outra parte, e é aí que o exemplo ianque cabe bem. Mesmo com penas duras e extremamente rígidas, o crime organizado é tão ou mais forte nos EUA do que na maioria dos outros países, às vezes mesmo com a conivência do Estado (conivência que apenas é capaz de obter através do gigantesco poder que acumula, devido ao imenso número de recrutas que são disponíveis a baixo preço nos guetos e periferias).
Por outro lado, há os que sugerem que apenas o fim da desigualdade e a educação, magicamente, resolveriam o problema do crime: o que é pueril por diversos motivos. Em primeiro lugar, porque parte da ideia que o fim da desigualdade é capaz de simplesmente modificar o coração dos homens já contaminados pela revolta que ela causa, como se um facínora cheio de ódio simplesmente se transformasse em um pai de família respeitável tão logo aparecesse uma oportunidade de trabalho (o que é de uma inocência aterradora).
Um segundo motivo é pressupor que, mesmo com a ausência da desigualdade, não haveria homens que cometessem violência contra outros por motivos diversos, como o simples desejo de aventura ou pela busca por um caminho mais fácil de conseguir o que se deseja, ou a mera perversidade por si mesma, já que, mesmo em uma sociedade que propicie trabalho para todos, um traficante de cocaína ganha muito mais dinheiro, e em muito menos tempo, que um trabalhador comum, e sempre seguirá havendo aqueles que cometem crimes passionais, os que cometem crimes por diversão, etc.
O tema é longo e complexo, de modo que este não é o melhor veículo para esgotá-lo. Concluímos afirmando que a solução para a criminalidade no Brasil deve passar tanto pelo fator social, acabando com a desigualdade e com os fatores sociais e culturais que levam ao crime, como também pela questão penal e pelo endurecimento das penas, reprimindo efetivamente o crime em todas as escalas, começando pelos grandes financiadores do mesmo e chegando aos pequenos agentes dos becos e vielas. Não há solução fácil e nunca haverá, nem há solução unilateral. Cabe aos que querem soluções dispor-se a pôr as mãos na obra e construí-las com labor e diligência.
Desnecessário dizer, que o fenômeno da criminalidade massificada, tornada praticamente espetáculo em nossa era, é típico do capitalismo tardio. Não há interesse em dar fim às causas sociais, econômicas e culturais da delinquência, por um lado, bem como não há real interesse ou disposição para combater o crime de forma realmente radical e incansável, ainda mais no que concerne os criminosos de colarinho branco. Nesse sentido, as tentativas de dar uma solução final ao problema criminal através de medidas reformistas, dentro do contexto de uma sociedade capitalista, liberal e demoburguesa acabam sendo inúteis.
É tão somente a revolução que representa a única esperança de aniquilar a criminalidade. Aí então o Povo julgará a si mesmo e saberá dar o tratamento adequado àqueles que parasitam, depredam ou sangram o corpo comunitário.