O Significado da Política segundo Carl Schmitt e Ivan Ilyin

Dois importantes pensadores que refletiram sobre a política no século XX, o alemão Carl Schmitt e o russo Ivan Ilyin, deixaram lições interessantes sobre o sentido fundamental dessa disciplina.

Por que foram escolhidos os conceitos de Carl Schmitt e Ivan Alexandrovich Ilyin para um confronto sobre um tema tão importante? Carl Schmitt é uma autoridade amplamente reconhecida na filosofia política moderna. Foi ele quem desenvolveu o conceito de “político”, que hoje é um dos principais fundamentos da compreensão filosófica e política do mundo político. Ao mesmo tempo, o conceito de político de Schmitt expressa de maneira clara e distinta ideias que já haviam sido delineadas por diversos representantes do pensamento político-filosófico ocidental. Nos últimos anos, na Rússia, têm-se difundido vários ramos do conservadorismo, e as ideias de Carl Schmitt pertencem indiscutivelmente a esse espectro político-ideológico. Por outro lado, as ideias de Ivan Ilyin são frequentemente debatidas na Rússia contemporânea. Em nossa opinião, as obras político-filosóficas de Ilyin expressam de forma concentrada e perfeitamente articulada diversas ideias fundamentais sobre poder, Estado e política, características do pensamento russo em geral. Além disso, o pensamento político-filosófico de Ivan Ilyin, após uma breve fascinação juvenil do autor pelas ideias liberais, evoluiu em direção a uma posição claramente conservadora. Contudo, em conformidade com o espírito de sua época, esse conservadorismo pode ser considerado, em certa medida, moderadamente liberal.

Portanto, não estamos apenas lidando com pensadores individuais, mas também com a expressão concentrada de certas matrizes do pensamento político-filosófico que são profundamente características, em particular, das tradições intelectuais nacionais. O objetivo deste artigo é tentar identificar as semelhanças e diferenças nas opiniões dos dois pensadores sobre os fundamentos e o significado essencial da política como empreendimento humano.

O que torna possível esse confronto? Ao realizar uma justaposição direta dos textos, a possibilidade de um confronto significativo pode parecer questionável. Schmitt e Ivan Ilyin escreveram suas obras com objetivos completamente diferentes. A maior parte dos escritos de Schmitt possui um caráter claramente acadêmico, enquanto Ilyin, seguindo o espírito da tradição do pensamento russo, concentra-se na questão prática: “O que deve ser feito?”. Schmitt elabora grandes tratados político-filosóficos e jurídico-filosóficos, enquanto os escritos políticos de Ilyin tendem a ser artigos curtos ou boletins. Além disso, os autores pertencem a tradições intelectuais muito distintas, o que dificulta unificar a terminologia que empregam. De fato, a terminologia específica da teoria política, central para Schmitt, é amplamente estranha a Ilyin. A filosofia russa do direito e da política começou com a filosofia do direito, e Ilyin está muito mais próximo da linguagem jurídico-filosófica. Um exemplo disso é o uso, por ele, do termo “consciência jurídica”, uma categoria central em sua filosofia política, que, apesar de ser carregada de profundo significado político, é designada com uma terminologia mais ligada ao campo jurídico.

No entanto, apesar de todas as óbvias e previsíveis dificuldades, esse confronto ainda é possível e significativo. Apesar da diferença de abordagem, ambos os autores possuem um conhecimento profundo do pensamento filosófico e sociopolítico europeu, especialmente alemão, e compartilham, em muitos aspectos, uma formação filosófica semelhante. Em particular, a filosofia do direito de Hegel é uma autoridade reconhecida por ambos. As ideias de Schmitt e Ilyin pertencem, de maneira geral, ainda que com algumas reservas, ao espectro conservador da política ideológica. Ambos os pensadores não são alheios à ideia de uma ditadura “revitalizadora” destinada a preservar ou fortalecer os fundamentos do Estado. No que diz respeito à terminologia, a diferença parece ser superável. Afinal, Schmitt chega ao conceito de “político” ao aprofundar a análise dos fundamentos da estatalidade, algo que não é estranho ao pensamento de Ilyin. O significado geral da categoria “o político”, em Schmitt, está vinculado à busca pelos fundamentos profundos e pelo significado da política, especialmente na tentativa de identificar as características distintivas dessa esfera, diferenciando-a de outras áreas da vida social e da atividade humana. Embora os temas de “demarcação” não sejam tão próximos ao pensamento de Ilyin, questões sobre o significado geral e o propósito da política como atividade sem dúvida o interessam. Assim, um confronto entre as ideias desses dois pensadores nesse campo parece viável. Ao mesmo tempo, até onde o autor tem conhecimento, tal confronto direto ainda não foi realizado na literatura acadêmica.

Schmitt desenvolveu o conceito de “político”, como mencionado anteriormente, ao analisar os fundamentos do Estado. “O conceito de Estado”, escreve ele em sua famosa obra sobre o tema, “requer o conceito de ‘político'”. Para ele, o Estado é uma condição especial do povo. Contudo, é necessário fazer uma importante ressalva. Schmitt escreve que, tradicionalmente, no pensamento político, era comum equiparar “Estado” e “política”, e essa identificação, em geral, funcionava. Porém, deixa de ser efetiva nas condições de formação de um tipo específico de estatalidade, que Schmitt descreve da seguinte forma: “A equação ‘Estado=política’ torna-se errada e enganosa à medida que Estado e sociedade começam a se interpenetrar”. Essa ideia pode ser interpretada de diferentes maneiras, mas o desenvolvimento posterior do raciocínio lhe confere uma clareza inequívoca. Schmitt descreve “um Estado total de identidade entre Estado e sociedade, que não é indiferente a nenhuma área temática, sendo potencialmente capaz de abranger qualquer domínio temático”. Ele adiciona a caracterização de Hildegard Trescher sobre tal Estado como “uma penetração viva de todas as esferas sociais pelo Estado para um propósito universal: extrair todas as forças vitais do corpo do povo para o bem do Estado como um todo”.

Com isso, as ideias expressas ganham maior clareza. Schmitt precisa do conceito de “político” principalmente para distinguir entre “Estado” e “política” nas atividades do Estado, que não apenas lida com questões políticas, mas também busca controlar a vida da sociedade como um todo, penetrando em todos os aspectos de sua existência cotidiana. Para um Estado desse tipo, essa distinção tem um significado concreto. Pode-se dizer que Schmitt, nos anos 1920, tenta renovar e atualizar a teoria do Estado e, nesse sentido, considera relevante justamente o Estado que busca um controle total sobre a vida pública e privada dos cidadãos. Ou seja, essencialmente, o Estado totalitário, que já existia na Itália e na Alemanha naquela época e estava se tornando uma ideia cada vez mais popular e atraente.

Obviamente, a perspectiva da instituição de tal Estado não intimida Schmitt, pelo menos nesse período. Além disso, ele demonstra um interesse particular nesse tipo de Estado. Por exemplo, já em 1921, foi publicada a primeira edição de seu livro Ditadura (que passaria por diversas edições), no qual, em um tom geralmente neutro e acadêmico, Schmitt apresenta justificativas não apenas políticas, mas também filosóficas e jurídicas para a ideia de uma ditadura essencialmente ilimitada. Nesse livro, Schmitt distingue, em particular, os conceitos de ditadura “comissarial” e “soberana”. Enquanto a ditadura “comissarial” é interpretada por ele como uma necessária restrição da liberdade em condições de grave ameaça à constituição vigente, ou seja, essencialmente uma proteção ditatorial da constituição existente, a ditadura soberana é entendida como fundamentalmente desvinculada das normas constitucionais. Schmitt dá a essa ditadura uma base jurídica peculiar: “A ditadura soberana considera toda a ordem existente como uma condição a ser eliminada por sua ação. Não suspende a constituição existente com base em um direito constitucional fundamentado nela e, portanto, em um direito constitucional, mas busca alcançar um estado que permita a introdução de uma constituição que considera a verdadeira constituição. Assim, não se refere à constituição existente, mas àquela que está por ser introduzida.” É evidente que ele está falando de uma situação que, em termos modernos, ultrapassa o campo jurídico. No entanto, Schmitt avalia essa situação da seguinte forma: “Poderia parecer que tal empreendimento escapa a qualquer consideração jurídica. De fato, um Estado só pode ser compreendido juridicamente em sua constituição, e uma negação total da constituição existente não deveria, na verdade, reivindicar qualquer justificação jurídica, já que a constituição que está sendo introduzida, segundo sua própria premissa, ainda não existe. Portanto, seria apenas uma questão de poder. Mas não é assim se admitirmos a existência de uma autoridade que, embora não seja constitucionalmente instituída, está de tal forma conectada a qualquer constituição existente que atua como um poder fundante, mesmo que nunca esteja abrangida por ela, de modo que, consequentemente, não seja negada, mesmo quando aparentemente negada por uma constituição existente. Este é o significado de ‘poder constituinte’.”

Assim, Schmitt não apenas reconhece a ditadura ilimitada como um fato político acidental, mas também constrói uma certa justificativa filosófica e jurídica para ela. Em sua obra Teologia Política, publicada em 1922, Schmitt formula um conceito peculiar de soberania estatal, segundo o qual a soberania no Estado pertence àquele que pode declarar o estado de exceção. Ao mesmo tempo, o estado de exceção é concebido aqui como algo não limitado por molduras jurídicas rígidas (como ocorre em constituições modernas). Trata-se, portanto, de ações das autoridades fora do “campo jurídico”, sendo essas ações consideradas diretamente políticas. É nesse contexto que surge o conceito filosófico-jurídico schmittiano de “decisionismo”, que considera a decisão do poder como a principal fonte do direito. É nesse pano de fundo intelectual que se forma o conceito schmittiano de “político”.

Segundo Schmitt, é possível definir o conceito de “político” apenas identificando e estabelecendo categorias especificamente políticas. Nesse sentido, ele define as categorias correlativas de amigo e inimigo. “O significado da distinção entre amigo e inimigo”, observa o pensador, “é designar o grau máximo de intensidade do vínculo ou da separação, da associação ou da dissociação”. Assim, para Schmitt, o político não representa um conteúdo próprio, mas expressa apenas o grau de intensidade da associação ou dissociação. Dessa forma, qualquer conflito pode se tornar político ao atingir certo grau de intensidade. Pode-se dizer que Schmitt não vê a política como uma atividade com conteúdo positivo ou criativo; para ele, a política é apenas uma designação para um conflito que alcançou um alto nível de intensidade.

É interessante notar que Schmitt escreve sobre as categorias de amigo e inimigo, mas não explora profundamente a categoria de amigo em sua obra principal sobre o conceito de político; sua maior atenção é voltada para a categoria de inimigo. Ele trata essa categoria de maneira muito específica. Schmitt observa que o político deve ter seus próprios critérios, afirmando que “o moralmente mau, o esteticamente feio ou o economicamente prejudicial ainda não é, em si, um inimigo”. Essencialmente, Schmitt nega a possibilidade de inimizade entre sujeitos políticos devido apenas a uma diferença de interesses (por exemplo, econômicos ou geopolíticos). Para ele, a questão do inimigo é elevada a um nível existencial. O inimigo, segundo o pensador, “é justamente o outro, o estrangeiro… é, em um sentido particularmente intenso, algo diferente e estranho”; “o inimigo é apenas… uma totalidade em luta de pessoas que se opõe exatamente à mesma totalidade”. Assim, no nível das comunidades políticas, a imagem do inimigo para Schmitt é simplesmente a imagem do Outro, intensificada ao ponto de uma rejeição particular: um modo de existência diferente que, de alguma forma, nega o modo de existência de sua própria comunidade. Fica claro que, com base nessa visão, é possível transformar relações que poderiam não ser naturalmente inamistosas em um estado de inimizade.

Após definir o Outro como inimigo em um sentido político, Schmitt não evita as conclusões práticas decorrentes disso. “As noções de amigo, inimigo e luta”, escreve ele, “adquirem um significado real pelo fato de estarem particularmente relacionadas e manterem constantemente uma conexão com a possibilidade real de matar fisicamente.” A guerra, segundo ele, deriva da inimizade, porque esta última é a negação do ser do outro. A guerra é apenas a realização extrema da inimizade. De fato, ao definir outra comunidade política como inimiga, cujo modo de existência nega o próprio modo de existência de sua comunidade, a única resposta lógica seria lutar por sua destruição (se o inimigo não se render, ele será destruído; caso contrário, ele destruirá você e toda a sua comunidade). Esse raciocínio parece lógico se entendermos outra comunidade como inimiga no sentido schmittiano. Com esse nível e caráter existencial de inimizade entre comunidades, a guerra entre elas parece algo absolutamente natural. Segundo Schmitt, não é sequer necessário um choque de interesses para justificar a guerra: essa inimizade existencial constante já é suficiente.

O cidadão que é arrastado para o vórtice da inimizade existencial, no entanto, no contexto da concepção de Schmitt, não parece ser digno de compaixão, pois ele é, segundo Schmitt, “um ser maligno”. Além disso, Schmitt está convencido de que tal pessoa aparece em qualquer doutrina política, e essa maldade está intimamente conectada às melhores manifestações da natureza humana. Assim, Schmitt caracteriza a doutrina de Thomas Hobbes como “a correta compreensão do fato de que é a convicção de ambas as partes sobre o verdadeiro, o bom e o justo que conduz à pior inimizade”. É importante notar que, em relação às doutrinas políticas em geral, Schmitt está certamente equivocado a esse respeito. Para não mencionar os ensinamentos do mundo antigo, como os do discípulo confuciano Mêncio, que acreditava na bondade natural do ser humano, pode-se observar que essa convicção também inspira, por exemplo, a doutrina da “república virtuosa” de Thomas Jefferson e, mais amplamente, a maioria dos ensinamentos do Iluminismo. Pode-se sinceramente defender a expansão e o aprofundamento da liberdade e da democracia apenas se houver confiança nas pessoas, em sua maioria, e se acreditar em suas capacidades, tanto mentais quanto morais. Certamente, a maioria dos pensadores russos também não parte da ideia de uma “natureza maligna do homem”; caso contrário, seria difícil explicar o ideal de “homem-deus” tão característico do pensamento russo.

Outra objeção à interpretação da doutrina schmittiana do político como sendo uma doutrina da inimizade está na limitação dessa “esfera” de inimizade às relações entre Estados e à política externa. Por exemplo, Ernst-Wolfgang Böckenförde, em seu artigo “A noção de político como chave de leitura das obras de K. Schmitt sobre o direito do Estado”, argumenta que, segundo Schmitt, na política interna do Estado, “os homens evitam atingir a intensidade do agrupamento segundo o princípio amigo-inimigo”. No entanto, essa parece ser uma simplificação. O próprio Schmitt, em O Conceito do Político, escreve, por exemplo, o seguinte: “A equação ‘político = político-partidário’ é possível se a ideia de uma unidade política abrangente e relativizadora de todos os partidos políticos internos e seus opostos (‘Estado’) perder sua força e, consequentemente, as oposições internas adquirirem maior intensidade do que a oposição política geral externa a outro Estado. Se as oposições político-partidárias dentro de um Estado esgotam as oposições políticas autônomas, atinge-se o limite máximo da série ‘intra-política’, ou seja, a divisão intra-estatal, em vez da extra-estatal, em grupos amigos/inimigos torna-se decisiva para o confronto armado. A possibilidade real de luta, que deve estar sempre presente para que se possa falar de política, com esse tipo de ‘primazia da política interna’, não se refere mais à guerra entre unidades organizadas de povos (Estados ou impérios), mas à guerra civil”. Portanto, segundo Schmitt, podem haver situações em que toda a intensidade do confronto existencial com os inimigos ocorre justamente dentro do Estado.

Também as tentativas de apresentar a doutrina schmittiana sobre a entidade aguda como uma entidade política e apenas como uma certa fase no desenvolvimento das opiniões do pensador parecem não ter fundamentos suficientes. A essência das opiniões de Schmitt parece ter mudado relativamente pouco ao longo de sua vida. Assim como as ideias fundamentais de seus artigos do período nazista, sobre como “o Führer defende o direito”, podem ser encontradas também em seus escritos de outros períodos; as ideias sobre a política genuína como expressão intensa de inimizade aparecem em todas as fases de sua obra. Por exemplo, até mesmo na obra de 1954, O Novo Nomos da Terra, ele essencialmente trata toda a história da humanidade como uma história de conquista violenta; e na obra de 1963, Teoria do Partisano, ele elogia o fenômeno da guerrilha como expressão de “verdadeira inimizade” e afirma que “a realização coerente da inimizade absoluta confere à guerra seu significado e sua justiça”. Além disso, nessa última obra, Schmitt desenvolve as ideias fundamentais de O Conceito do Político, argumentando que é apenas no encontro com o inimigo que podemos “encontrar nossa medida, nossos limites, nossa gestalt”.

No que diz respeito a Ivan Ilyin, não há dúvida de que ele tem uma visão significativamente diferente sobre a política, até mesmo um ângulo de visão distinto sobre ela. No entanto, busquemos primeiro compreender se há algo em comum nas opiniões dos dois pensadores. Assim como Carl Schmitt, Ivan Ilyin aborda a análise da política como filósofo, buscando descobrir seus fundamentos mais profundos. Por isso, considera necessário liberar sua compreensão de camadas falsas. “Qualquer um que deseje compreender corretamente a essência do Estado, da política e da democracia”, escreve Ilyin em um dos artigos de seu período de maturidade criativa, “deve desde o início abandonar as ficções artificiais e as falsas doutrinas”. Combater a hipocrisia na interpretação da política: esse pathos, sem dúvida, une a busca intelectual de ambos os pensadores. Ambos também notam o importante papel dos fatores espirituais e psicológicos na política, especialmente dos sentimentos humanos. Já discutimos a interpretação de Schmitt sobre o papel deles. Ivan Ilyin, considerando que a política possui uma natureza animico-espiritual, escreve, por exemplo, o seguinte: “Uma nação cuja vida política carece de emoções, de vontade, de significado, é um Estado morto e estéril”.

No entanto, Schmitt e Ilyin entendem de maneira distinta os próprios sentimentos que criam a vida política. Enquanto Schmitt, como já observado, enfatiza a “verdadeira inimizade”, Ivan Ilyin dá destaque a sentimentos muito diferentes. Para Ilyin, o aspecto chave da categoria de consciência jurídica, tão importante para ele, é um vívido senso de responsabilidade. Vale ainda observar que Ilyin, ao contrário de Schmitt, não traça uma linha de separação entre o “político” e o “Estado”; assim, o que ele escreve sobre a estatalidade também se aplica à vida política. Por exemplo, suas palavras de que “a solidariedade espiritual é a base verdadeira e real do Estado” são diretamente relevantes para sua compreensão do significado da política. É com base nisso que o Estado deve ser compreendido e realizado como um sistema vivo de fraternidade, não apenas não contraditório ao cristianismo, mas também correspondente ao espírito do Evangelho. Portanto, os sentimentos que formam a comunidade política, segundo Ilyin, não são de forma alguma sentimentos de inimizade, mas sentimentos de responsabilidade, solidariedade, empatia, que constroem um sistema de fraternidade. A essência da política, enfatiza sempre Ilyin, é que as pessoas cooperam.

Como já mencionado, Ilyin considera que a política possui uma natureza anímica-espiritual, e, portanto, a categoria central para a análise de seus fundamentos é a da consciência jurídica, cuja expressão mais concentrada é o vivo senso de responsabilidade pelo que ocorre com o próprio país. Segundo Ilyin, “o direito e a forma de Estado ou são sustentados pela consciência jurídica ou estão degenerados”. Ele introduz o conceito de axiomas da consciência jurídica, sendo um desses axiomas a confiança e o respeito mútuos entre cidadão e cidadão, entre cidadão e autoridade, e entre autoridade e cidadão. É evidente que tal confiança e respeito seriam impossíveis em condições de inimizade.

De fato, em um dos boletins de seu período maduro, incluído pelo editor na coletânea Nossas Tarefas, Ilyin fala diretamente sobre a inimizade. Ele afirma que acreditar que o inimigo do seu inimigo é necessariamente seu amigo é cair em uma ilusão. O inimigo do seu inimigo pode ser, inclusive, o pior inimigo do seu inimigo.

Para Ilyin, a política não é o aspecto principal na vida da maioria das pessoas (o principal é “criar cultura”). Assim, o objetivo da política é proporcionar condições favoráveis à vida das pessoas: ordem, liberdade, legalidade, justiça, “comodidades técnicas e econômicas da vida”, preservando as forças do povo, e não desperdiçando-as em uma luta contínua.

Ilyin pensa no Estado e na política não como separação e luta inconciliável, mas, sobretudo, como uma conexão entre as pessoas em um trabalho criativo comum. Esse trabalho do Estado, segundo Ilyin, não é de forma alguma uma luta de interesses privados. Pelo contrário, ele escreve que “o trabalho do Estado começa onde há algo comum, algo importante para todos e que une a todos; algo que ou todos terão juntos imediatamente, ou que todos perderão juntos imediatamente, e, caso isso não ocorra, tudo desmoronará e será abolido, e tudo se desfará como areia”.

É crucial observar que Ilyin, ao contrário de Schmitt, não enxerga essa concentração dos esforços dos cidadãos em prol de um objetivo comum como um Estado totalitário. Pelo contrário, ele acredita que o Estado deve conhecer os seus limites. Para Ilyin, o Estado apenas cria as condições para a atividade criativa das pessoas, enquanto “todos os estados criativos da mente e do espírito, que envolvem amor, liberdade e boa vontade, não estão sujeitos às exigências do poder estatal e não podem ser prescritos por ele. O Estado não pode exigir de seus cidadãos fé, oração, amor, bondade ou convicção. Não pode regulamentar a criatividade científica, religiosa e artística. Não pode prescrever a expressão de sentimentos ou opiniões. Não pode se intrometer na vida moral, familiar ou cotidiana. Não deve restringir desnecessariamente a iniciativa econômica e a criatividade econômica das pessoas”. Ele caracteriza o Estado totalitário como uma “máquina socialmente hipnótica” e uma “ditadura escravista de dimensões sem precedentes e com alcance onipresente”.

Refletindo sobre os fundamentos de uma política que leva ao verdadeiro sucesso em suas obras posteriores, Ilyin introduz a noção normativa de “verdadeira política”, que corresponde ao seu propósito. Ele entende essa política como o serviço do poder aos interesses do povo e, como critério de verdadeiro sucesso na política, define “o sucesso público e a prosperidade da vida do povo”. É importante notar que, segundo Ilyin, a verdadeira política trabalha para unir as pessoas. “A política em sua essência”, observa o pensador russo, “não divide as pessoas nem inflama suas paixões ao ponto de colocá-las umas contra as outras; ao contrário, une as pessoas naquilo que é comum a todas… A verdadeira política afirma a solidariedade orgânica de todos com todos”. “A política é a arte de unir as pessoas”, conclui Ilyin, e essa unificação deve ser leal, legal, livre na forma, nacional, justa e criativa no conteúdo, começando pela unificação dos mais dignos. Segundo ele, tal unificação só pode ser alcançada através de um trabalho político realizado com responsabilidade e amor.

Resumindo, podemos afirmar que o confronto das ideias de Carl Schmitt e Ivan Ilyin sobre o problema dos fundamentos da política e do significado da atividade política revelou, apesar de pequenas semelhanças, profundas diferenças nas posições dos dois pensadores. Essas diferenças dizem respeito às suas conclusões fundamentais sobre o significado e o objetivo da política como atividade. Dado que a abordagem schmittiana é hoje muito mais conhecida entre os estudiosos de ciência política e filosofia política, é importante destacar que, além de interpretar a política como expressão concentrada de inimizade, existem abordagens fundamentalmente diferentes para esse problema, que, pelo menos no campo do pensamento político nacional, parecem não menos convincentes.

Fonte: Geopolitika.ru

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Andrey Sytin
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