Os Erros da Rússia, do Irã e da Síria

Como foi possível Damasco cair? Quais foram os erros cometidos pela Síria e faz sentido falar em “traição” da Rússia e do Irã?

Qualquer um que tenha dito que a Síria cairia o fez simplesmente por palpite, escolhendo uma das duas opções (“vai cair”/”não vai cair”).

Ninguém daqueles que disse que ela cairia sabia da existência de um golpe de Estado e do suborno dos generais. Apenas palpitaram que ela cairia porque acharam que a Síria estava perdendo batalhas, sem que qualquer grande batalha tivesse sido travada.

A avaliação militar do cenário permanece absolutamente a mesma. A Síria tinha um exército maior, superioridade aérea, superioridade de artilharia e os recuos táticos garantiam uma proporção de baixas de 1:10 em desvantagem para os terroristas.

Inclusive houve, de fato, avanços sírios nos arredores de Hama após escaramuças em que unidades lealistas decidiram atuar por conta própria nos últimos dias.

É provável que os generais tenham apresentado a Assad o plano de recuos táticos porque essa, de fato, era a única estratégia sensata – mas que desde o início tudo isso não tenha passado de um plano para abrir passagem quando já se estivesse perto o suficiente de Damasco.

E a estratégia daria certo, se em Homs os sírios tivessem lutado.

Os únicos erros geopolíticas gerais da Rússia e do Irã são o de ter uma política externa tímida e reativa e, especificamente na Síria, de reproduzir o modelo “Minsk” de congelamento de conflitos.

São erros graves, mas a responsabilidade pela queda da Síria jaz nas decisões tomadas pelas próprias elites políticas e militares da Síria, que:

  1. Recusaram o projeto de reforma e rearmamento russo do Exército Árabe Sírio oferecido em 2018 a crédito a juros baixos (ou de graça em troca de vantagens tributárias para empresas russas),
  2. Recusaram a abertura de bases militares iranianas em seu território,
  3. Recusaram a abertura de uma frente em Golã e proibiram as milícias sírias e iraquianas de usarem seu território para atacar Golã,
  4. Recusaram o pedido de Teerã de uso do seu espaço aéreo pela aviação iraniana,
  5. Pivotaram na direção dos países do Golfo para adquirir “autonomia estratégica” em relação ao Irã (chegando a romper com os houthis, fechando a embaixada deles em Damasco pra agradar os sauditas),
  6. Removeram a maioria dos comandantes militares sírios bem-sucedidos da era 2015-2019 por medo infundado de que eles poderiam se destacar demais e virar rivais de Assad e de certas figuras vaidosas da elite, e rebaixaram e isolaram o General Suheil al-Hassan, próximo da Rússia e, “coincidentemente”, o único cujas tropas (as forças especiais “Tigre”) entraram em combate com os terroristas em Aleppo e Hama,
  7. Expurgaram a inteligência militar síria em 2019 de todos os oficiais aliados da Rússia e que colaboravam com a inteligência russa,
  8. Negligenciaram o treinamento dos militares, a construção de trincheiras, bunkers e posições defensivas,
  9. Não conseguiram construir relações econômicas que compensassem a redução do apoio econômico da Rússia e do Irã a partir de 2022 (no primeiro caso, por causa do conflito ucraniano, no segundo caso, por causa da própria crise econômica iraniana) – privilegiaram as relações com Arábia Saudita e EAU e não receberam nada deles, e chegaram tarde demais na China para que o apoio econômico chinês chegasse – e com isso, não conseguiram mais pagar salários razoáveis para os militares,
  10. Recusaram a ajuda iraniana durante a ofensiva do Tahrir al-Sham (ainda que, neste caso, seja possível que a oferta nem tivesse chegado a Assad, se o golpe já havia rolado).

Não adianta exigir milagres de outros países se a elite síria não conseguiu fazer o básico dentro de casa, especialmente porque Rússia e Irã estão, neste momento, sendo forçados a concentrar a sua atenção em outros pontos do mapa.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 39

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