Guerra Civil latente do outro lado do Atlântico?

Será que há, realmente, uma possibilidade de guerra civil nos EUA, ou apenas a intensificação de conflitos sociais localizados, como aqueles que os EUA conhecem há séculos?

No momento em que esta crônica for publicada, milhões de eleitores nos Estados Unidos terão dado seu voto a um dos quinze candidatos à eleição presidencial, cujos favoritos são Kamala Harris e Donald Trump. A proclamação descentralizada dos resultados finais ocorrerá com serenidade? É difícil acreditar, considerando o quão cruciais são as questões em jogo.

A mídia convencional já expressa preocupação com possíveis contestações ao pleito por parte dos apoiadores de um ou mais protagonistas. Ela insiste, frequentemente, que o anúncio dos resultados poderia provocar reações violentas entre os “deploráveis”, termo utilizado com rara elegância por um Joe Biden cada vez mais senil para designar os eleitores de Trump. Em caso de vitória de sua vice-presidente, é possível que ela substitua o avô gagá na Casa Branca antes do final de 2024.

O temor de violência, instilado pelo sistema midiático de ocupação mental, contribui para a dramatização teatral das operações de votação. De fato, inúmeros ensaios, artigos e reportagens de rádio e televisão mencionam uma atmosfera de pré-guerra civil, independentemente do vencedor final. Devemos realmente acreditar que a principal potência mundial estaria à beira de uma nova guerra de secessão?

Não! As novas “Túnicas Azuis” do Norte não lutarão contra os novos “Ventre Cinzas” de Dixie. As possíveis tensões não teriam um impacto nacional, especialmente se a censura for aplicada nas redes sociais e na Internet. Os episódios de violência, se ocorrerem, seriam concentrados em níveis individuais, familiares, comunitários e nos condados. A guarda nacional da Flórida não enfrentará a guarda nacional da Califórnia. Com exceção da sangrenta Guerra entre os Estados (1861–1865), os conflitos nos Estados Unidos ocorrem em um nível territorial mais restrito. O historiador de esquerda Howard Zinn apresenta evidências disso em seu livro Uma História Popular dos Estados Unidos (2003).

As guerras contra as tribos indígenas não cessaram no início do século XX. Elas continuaram em ocasiões de manobras ativistas radicais e concertadas. De 27 de fevereiro a 8 de maio de 1973, o FBI cercou a reserva indígena de Wounded Knee, em Dakota do Sul. Em 1890, a cavalaria americana massacrou mais de trezentos indígenas nesse local. Ativistas do AIM (Movimento Indígena Americano) exigiam a aplicação completa dos tratados assinados com a Casa Branca. O episódio resultou em duas mortes. Em agosto de 1979, agentes do FBI mataram outros dois indígenas na reserva de Akwesasne.

Além das guerras contra as tribos indígenas, a última guerra do Oeste narrada por Loris Remondeau em um breve ensaio histórico disponível sob este título por 6 euros (e 8 euros de frete) no site da corajosa livraria Arts Enracinés, de Ponote, ocorreu no Wyoming no último terço do século XIX. Em um território onde prevalece a lei do mais forte, desenrola-se uma variante da “Guerra das Planícies”: a “Guerra do Condado de Johnson”. Os grandes criadores de gado, apelidados de “barões da carne”, fundaram a WSGA (Wyoming Stock Growers Association), um poderoso grupo de pressão que corrompia autoridades políticas e judiciais. Essa associação se opunha aos pequenos criadores de gado, que costumavam se apropriar de animais sem marcação, e aos fazendeiros que cercavam suas terras cultivadas. A WSGA trouxe pistoleiros do Texas e de outras regiões do Oeste para eliminar qualquer resistência, sempre sob o pretexto de legítima defesa. Pequenos criadores e agricultores resistiram, organizaram-se e combateram os capangas dos “barões-ladrões”. Esses eventos inspiraram o filme de Michael Cimino, O Portal do Paraíso (1980).

Pode-se aproximar essa guerra civil localizada a outra micro-guerra ocorrida entre 1920 e 1921 na Virgínia Ocidental, no maciço dos Apalaches. As companhias proprietárias das minas de carvão reprimiam qualquer tentativa de criação de seções sindicais promovidas pelo IWW (Industrial Workers of the World), pela AFL (American Federation of Labor) e pelos Cavaleiros do Trabalho. Essas empresas contratavam criminosos, subornavam as forças policiais e pressionavam os familiares de militantes sindicais. Os sindicalistas e mineiros, exasperados com essas práticas, dirigiram-se ao vilarejo de Logan, onde enfrentaram a tiros os policiais e os rompe-greves. Tropas federais foram mobilizadas e intervieram na Batalha de Blair Mountain. Utilizaram metralhadoras pesadas e ordenaram bombardeios aéreos. No final, as autoridades legalizaram a presença sindical nas minas.

Antes do início da Guerra Civil Americana, manifestou-se a chamada “Guerra das Fronteiras” nos confins do Kansas e Missouri, entre 1854 e 1861, em torno da questão da escravidão. Os abolicionistas, chamados de Free Soilers ou Free Staters, liderados por um fanático iluminado, segundo o próprio Abraham Lincoln, John Brown (1800–1859), combateram os Border Ruffians. De 1704 a 1865, todo homem branco apto a portar armas nos estados escravistas podia servir em patrulhas a cavalo, compostas de três a seis pessoas, responsáveis por capturar escravos fugitivos e punir os responsáveis por essas evasões.

O ano de 1856 foi marcado por confrontos intensos. John Brown matou, a golpes de sabre, cinco Border Ruffians, que ele qualificava como “servos de Satanás”, em Pottowatomie Creek. Em 30 de abril, tentou sem sucesso proteger o vilarejo de Osawatomie (Kansas) de um grande ataque dos Border Ruffians (foto). A Guerra Civil levou os beligerantes a formarem unidades paramilitares, como, do lado sulista, os bushwhackers liderados por William Quantrill ou pelos irmãos James.

A história sociológica da violência política nos Estados Unidos também registra dias sangrentos. Em 24 de julho de 1877, um tiroteio da polícia contra ferroviários em greve em Chicago deixou cerca de vinte mortos. Nove anos depois, ainda na mesma cidade, novos incidentes ocorreram, cujo legado deu origem ao Dia do Trabalhador, celebrado em 1º de maio. As fábricas McCormick estavam em greve, e os grevistas exigiam a jornada de oito horas. A polícia e detetives privados da agência Pinkerton abriram fogo contra os piquetes de greve, resultando em dois mortos e cinquenta feridos. Em 4 de maio, o massacre na Haymarket Square provocou doze mortes, incluindo oito policiais, e 130 feridos.

Sabia-se que a famosa Gay Pride, ou “Marcha do Orgulho”, celebra distúrbios ocorridos em Nova York? Em 28 de junho de 1969, a polícia da cidade realizou uma batida no Stonewall Inn. Esse bar, localizado no Greenwich Village e controlado pela máfia, atendia um público LGBTQIA+. A operação policial inesperada desencadeou cinco dias de manifestações populares. Por que a Alt Right norte-americana não faria, a cada 6 de janeiro, sua própria “Marcha pela Identidade, Liberdades e Verdade” em homenagem aos muitos reféns do “Estado profundo” americano? Seria uma repetição em escala ainda maior da manifestação de Charlottesville.

Há, é claro, outros exemplos, como os cinquenta e um dias de cerco do rancho de Waco, no Texas, pelo FBI, que terminaram com a morte de 84 membros da seita davidiana. Todos esses casos indicam que a sociedade norte-americana não se define pelo tempo, mas pelo espaço. É possível que a vitória de Donald Trump ou Kamala Harris desencadeie fortes descontentamentos. A violência é inerente ao egregore dos Estados Unidos. Esse é um fato que nenhum wokismo poderá apagar.

Fonte: Geopolitika.ru

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Georges Feltin-Tracol

Jornalista francês com formação em ciência política, história e geopolítica.

Artigos: 39

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