Apesar de suas intenções, nem mesmo Trump tem como preservar a unipolaridade dos EUA. Ao contrário, o máximo que ele tem como almejar é uma multipolaridade com os EUA como líder, e mesmo assim, a decadência dos EUA tende a seguir se aprofundando.
Não tenho nenhuma simpatia, nenhum sentimento, pela pessoa Donald J. Trump, pelo que ele representou (um capitalismo voraz, enganador, desregulado, que insulta o Estado, exceto quando corre para chorar diante das mesmas instituições estatais quando está em dificuldade e endividado até o pescoço com bancos estrangeiros) e pelo que ele representa hoje (o sonho molhado dos lobbies sionistas e das seitas messiânicas do judaísmo e do protestantismo norte-americano). Sua eleição em 2016 não me provocou nenhum entusiasmo, a deste ano, menos ainda, e tentarei explicar por quê.
Além disso, tenho muito pouco interesse pelo processo eleitoral americano, onde há muito pouco de democrático, já que os Estados Unidos são uma oligarquia fundada no lobbying, na qual o voto popular tem apenas um valor de orientação.
Dito isso, em um mundo que avança a “passos largos em direção à superação da ordem mundial liberal e à construção de uma ordem mais conservadora e protecionista”, a eleição de Trump (apoiada por uma figura como Elon Musk, que, na minha opinião, é muito suspeito) só pode significar uma coisa: que os EUA querem liderar esse processo e colocar seu selo na construção de uma espécie de multipolarismo hegemônico (no qual Washington continua a exercer um papel predominante). Em outras palavras, trata-se de uma reinterpretação “conservadora” do multilateralismo proposto pela dupla Obama-Clinton.
Nesse sentido, a eleição de Trump serve como um fator de atraso na construção de um verdadeiro mundo multipolar fundado, como afirma o historiador russo Aleksej Miller, “na ideia de um equilíbrio de forças e interesses no espírito das nações do século XIX”. Isso, entretanto, não significa que essa evolução não ocorrerá. Como já escrevemos, as dinâmicas e os eventos aos quais assistimos têm raízes profundas; esses processos históricos não podem ser interrompidos e terão repercussões durante décadas e além, afetando as gerações futuras. Contudo, prossegue Miller, devemos estar atentos à “nervosismo atual do Ocidente, que se tornou uma fonte de grande instabilidade para o mundo”.
Se considerarmos que foi Donald Trump, com os “Acordos de Abraão” e o assassinato de Qassem Soleimani, quem iniciou esta nova fase de conflito no Oriente Próximo (com a “guerra total” iminente contra o Irã, sobre a qual a propaganda ocidental trabalha febrilmente – veja-se a história da jovem semidespida), as perspectivas para o futuro próximo não são animadoras.
Nesse caso, o Irã deveria tentar não se deixar envolver em uma confrontação em larga escala e buscar desgastar Israel em um conflito longo e assimétrico (onde os custos econômicos, militares e humanos para Tel Aviv continuem a aumentar). A derrota estratégica de Israel é, na verdade, crucial para o colapso da nova concepção hegemônica dos Estados Unidos.
Fonte: Arianna Editrice