Três grandes doutrinas políticas rivais foram sucessivamente geradas pela modernidade: o liberalismo no século XVIII, o socialismo no século XIX e o fascismo no século XX. Sendo o último a surgir, o fascismo também foi o que desapareceu mais rapidamente. Porém, a desintegração do sistema soviético não deu fim às aspirações socialistas e, menos ainda, aos ideais comunistas.
O liberalismo parece ser o grande vencedor deste pleito. Em todo caso, os princípios do liberalismo, encabeçados pela ideologia dos direitos humanos, dominam a nouvelle classe planétaire e são, hoje, os mais difundidos no contexto da globalização.
Nenhuma dessas doutrinas está completamente errada: cada uma delas contém alguns elementos verdadeiros. Vamos traçar um rápido panorama.
O que pode ser retido do liberalismo: a ideia da liberdade associada à responsabilidade; a rejeição do determinismo rígido; a importância da noção de autonomia; a crítica ao estatismo; uma certa tendência girondina e descentralizadora. O que precisa ser rejeitado é: o individualismo possessivo; a concepção antropológica de um produtor-consumidor que busca apenas seu interesse (dentro da perspectiva de Adam Smith acerca de uma penchant à trafiquer, isto é, a propensão para trocar); a ideologia do progresso; o espírito burguês; a primazia dos valores utilitários e mercantis; o paradigma do mercado – resumidamente, o capitalismo.
O que pode ser retido do socialismo: sua crítica à lógica do capital (na medida em que o socialismo foi o primeiro a analisar cada uma de suas dimensões econômicas e supra-econômicas); a sensibilidade ao comum e à necessidade de renová-lo; a tese de que a sociedade deve ser entendida como uma totalidade (holismo, conceito fundamental e basilar da sociologia); a vontade de emancipação; a noção de solidariedade e a perspectiva da justiça social. O que precisa ser rejeitado: o historicismo; o estatismo; o impulso igualitarista e o hiper-moralismo lamuriento.
Do fascismo, o que precisamos reter é o seguinte: a afirmação da singularidade identitária de cada povo e de sua cultura nacional; a inclinação aos valores heroicos; o elo entre ética e estética. O que precisa ser rejeitado: a metafísica da subjetividade; o nacionalismo; o social-darwinismo; o racismo; o antifeminismo primário; o culto do líder e, novamente, o estatismo.
O Interregnum:
A Quarta Teoria Política, tão necessária para o século XXI, será uma doutrina radicalmente nova, ou fornecerá uma síntese do que há de melhor nas anteriores? Em todo caso, é em tal projeto que a que ficou conhecida como Nouvelle Droite vem trabalhado por mais de 40 anos.
O século XXI será também o século do Quarto Nomos da Terra (uma configuração geral de poder em nível global). O Primeiro Nomos, aquele no qual as nações viviam relativamente isoladas umas das outras, chegou ao fim com a descoberta da América. O Segundo Nomos, incorporado pela ordem eurocêntrica dos Estados modernos, terminou com a Primeira Guerra Mundial. O Terceiro Nomos tem sido dominante desde 1945 e moldou o regime de Yalta e a estrutura soviético-americano.
Qual será o Quarto Nomos? Este pode assumir a forma de um mundo americano-cêntrico e unipolar, ou seja, um vasto mercado global, um imenso espaço de livre-comércio, ou, possivelmente, um mundo multipolar onde grandes blocos continentais – sendo tanto atores autônomos quanto berços civilizacionais – desempenham um papel regulador perante à globalização, preservando, assim, a diversidade dos estilos de vida e das culturas que compõem a riqueza da humanidade.
Mas pode ser dito também que já entramos agora na Quarta Guerra Mundial. A Primeira Guerra Mundial (1914-18), que terminou beneficiando a City of London, levou à desintegração dos impérios Austro-Húngaro e Otomanos. Os dois grandes vencedores da Segunda Guerra Mundial (1939-45) foram os EUA e a Rússia stalinista. A Terceira Guerra Mundial correspondeu à Guerra Fria (1945-89) e ela terminou com a queda do Muro de Berlim e a desintegração do sistema soviético, beneficiando, principalmente, Washington. A Quarta Guerra Mundial começou em 1991. Ela representa uma guerra guiada pelos EUA contra o resto do mundo: um tipo multifacetado de guerra, tanto do ponto de vista militar quanto econômico – tanto no nível financeiro, tecnológico e cultural, sendo inseparável do “enquadramento” global e da racionalização de tudo (Gestell) pelo capital sem fronteiras.
A evolução da guerra depende não só dos avanços tecnológicos em termos armamento, mas também da sucessão das formas e das instituições políticas às quais eles estão relacionados. Pode-se dizer que as formas militares de conflito bem demarcadas passaram por quatro fases nos tempos modernos: primeiro a guerra dos Estados soberanos – como consequência do nascimento da política moderna, tão bem descrita por Hobbes e Maquiavel. Em outras palavras, em tempos pretéritos, testemunhamos a despossessão do teológico em favor de uma concepção puramente política do soberano. A partir de então as guerras passaram a ser conduzidas apenas em prol dos interesses de cada Estado. Eram guerras limitadas – guerras contra o justus hostis (“inimigo justo”), onde o que estava em jogo era apenas uma ordem política específica.
No século XVIII, apareceu a “guerra democrática” das nações que, por sua vez, se tornaram atores soberanos. Essa também foi uma guerra que incluía irregulares – dando origem às guerrilhas no contexto do nacionalismo ascendente – e no qual o que estava em jogo era um dado território, tomado como prioridade básica.
No século XIX , testemunhamos a ascensão de guerras conduzidas em nome da humanidade, isto é, guerras de natureza moralizante e criminalizante, guerras baseadas em uma ideologia, onde princípios abstratos eram defendidos. Esse tipo de guerra assinalou o retorno da “guerra justa” (sua primeira aparição pôde ser observada durante a Guerra Civil Americana). A quarta forma de guerra é, agora, a guerra contra o “terror” (ou a “Guerra nas Estrelas”): uma guerra de caráter assimétrico e total.
Em muitos sentidos, nós já entramos na quarta dimensão da guerra. Entrar nesta quarta dimensão nos traz para mais perto da hora da verdade. A questão que permanece é: qual será a configuração geral das questões neste século, as principais linhas de demarcação e as clivagens decisivas? Por enquanto, vivemos em um tipo de interregnum. Porém, a partir de agora, a questão essencial deve ser abordada: o enigma do sujeito do processo histórico em um mundo cominado pelo capitalismo, no qual o próprio capitalismo está sujeito a terríveis contradições internas, enquanto, ao mesmo tempo, se torna cada vez mais forte, dia após dia. Quem será o sujeito histórico que abalará as coisas agora?
Ser um sujeito histórico, e não um objeto da história de outros, demanda uma autoconsciência e uma consciência de como se desdobrar na direção de seu próprio potencial. Heidegger falou no Ser (Dasein), um Ser moldado por seu tempo, aguardando para se desdobrar. Mas há também um Ser (Dasein) dos povos, no sentido político do termo. Todos os povos estão aguardando para ver o fim de sua alienação enquanto povos. Encarando as formas objetificantes de seu trabalho – representado pelo capital –, eles precisam se afirmar como sujeitos históricos na Era presente, de modo a poderem se tornar os sujeitos de seus próprios empreendimentos sociais.
Editorial da Revista Elements, nº 136, junho de 2011