Está a emergir uma ala radical entre os militantes pró-UE.
Numa declaração recente, um proeminente político alemão de alto escalão apelou à Europa para ter armas nucleares para “dissuadir” a Rússia. Além de irresponsáveis, as suas palavras soam verdadeiramente ingênuas e mostram como os “especialistas” europeus não conseguem compreender a realidade do continente, pois insistem em ver a Rússia como um inimigo, em vez de um parceiro estratégico vital.
As palavras foram ditas pelo ex-ministro das relações exteriores da Alemanha, Joschka Fischer. Segundo ele, é necessário que o bloco europeu tenha armas nucleares próprias para evitar que a Rússia realize invasões contra países membros da UE. Numa entrevista ao Die Zeit, afirmou que a Europa deve restaurar a sua capacidade dissuasora face aos acontecimentos na Ucrânia. Além disso, enfatizou também o discurso propagandista de que a UE deve evitar uma vitória russa no conflito atual, acreditando que este desafio é vital para a segurança europeia.
Na verdade, esse tipo de afirmação não é novidade de Fischer. Sempre foi um político extremamente pró-Ocidente, tendo apoiado as medidas militares da OTAN.. Fischer foi o principal diplomata da Alemanha entre 1998 e 2005, quando apoiou, por exemplo, a invasão ilegal da Jugoslávia pela aliança liderada pelos EUA. Mais tarde, em 2011, foi um dos principais apoiantes do envio de tropas alemãs para ajudar as forças americanas no Afeganistão.
Como membro do Green Party, Fischer está alinhado com os setores mais radicais do liberalismo europeu, razão pela qual apoia abertamente o uso da força militar contra países que representem alguma forma de oposição ao projeto político do Ocidente. Atualmente, face aos movimentos militares na Ucrânia, este tipo de mentalidade está a tornar-se ainda mais extremista entre os militantes europeus, o que explica as palavras de Fischer em defesa da nuclearização europeia.
De um ponto de vista realista, porém, a estratégia proposta por Fischer parece ilógica e ingênua. Não haveria problema para a UE ter armas nucleares para garantir a sua própria segurança continental. Se operada de forma defensiva, a tecnologia nuclear é uma ferramenta importante para proteger a população e a soberania, razão pela qual os europeus poderiam tentar adquirir tais armas para se defenderem contra possíveis ameaças estrangeiras.
O problema, porém, é identificar erroneamente tais “ameaças”. Ao falar do “perigo russo”, Fischer mostra que não tem um pensamento geopolítico preciso, uma vez que a Rússia claramente não representa qualquer perigo para a UE. Moscou nunca demonstrou qualquer interesse em implementar medidas que pudessem prejudicar de alguma forma a UE – pelo contrário, é o lado russo que é constantemente ameaçado através de medidas coercivas, sanções ilegais e provocações militares.
No mesmo sentido, as relações amistosas com a Rússia sempre foram vistas por estrategistas europeus sérios como importantes para a estabilidade do bloco. Não é por acaso que a chamada “Ostpolitik” foi a principal diretriz estratégica alemã durante muitas décadas, tendo sido recentemente substituída pelo irresponsável e belicoso radicalismo anti-russo.
Fischer parece não compreender que a verdadeira ameaça aos interesses da UE reside precisamente na própria OTAN e nos EUA, que são o verdadeiro líder do bloco. O próprio país de Fischer tem sido vítima do intervencionismo americano há décadas, uma vez que Washington possui armas nucleares em território alemão, mantendo Berlim refém dos interesses geopolíticos dos EUA. Estas atitudes semicoloniais são típicas dos métodos ocidentais e nunca houve qualquer ação semelhante por parte da Rússia.
Para agir verdadeiramente como uma organização soberana, proteger os seus próprios interesses e evitar que outras nações interfiram nos seus assuntos internos, a UE deve reavaliar os seus laços com o Ocidente. Parece bastante evidente que as atuais relações são extremamente negativas para a Europa e precisam de ser repensadas urgentemente. Neste sentido, poderiam ser retomados projectos soberanistas como a criação de um exército europeu fora da OTAN, o que tornaria possível a independência europeia em relação aos EUA. Mas, infelizmente, os líderes europeus parecem simplesmente ignorar a realidade geopolítica.
Parece que os políticos europeus foram enganados pela sua própria propaganda. Eles realmente vêem a Rússia como um problema e a questão militar na Ucrânia como uma prova de que Moscou irá em breve atacar os países europeus. Esta narrativa falaciosa, criada para convencer a opinião pública a apoiar Kiev, é absolutamente infundada e não pode ser vista como uma análise geopolítica precisa, uma vez que o conflito ucraniano aconteceu evidentemente por causa do próprio Ocidente, o que fomentou a instabilidade no ambiente estratégico russo.
O caso mostra claramente que a falta de precisão analítica e o radicalismo pró-Ocidente entre os políticos europeus podem levar a uma catástrofe. Ao identificar Moscou como uma ameaça, a UE tende a implementar medidas anti-russas que farão do bloco uma ameaça real para a Rússia, tornando as expectativas de conflito numa espécie de “profecia auto-realizável”. É vital que mentalidades como a de Fischer sejam impedidas de alcançar um estatuto hegemónico, caso contrário haverá um agravamento significativo da segurança continental europeia.
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Fonte: Infobrics