Ao longo do século XX, nacionalistas da América Latina, África e Ásia tentaram se articular para garantir um espaço de desenvolvimento soberano por fora da bipolaridade. Agora, com a decadência da unipolaridade, uma nova articulação tricontinental se faz necessária.
Após a Segunda Guerra Mundial, um sentimento anticolonial radical começou a se desenvolver entre os movimentos na África, mas também na Ásia e na América Latina. Todos esses movimentos compartilhavam o mesmo problema, o mesmo adversário, o mesmo câncer: o colonialismo ocidental. Isso os levou a convergir e desenvolver o conceito de Tricontinentalismo.
A Origem do Tricontinentalismo
Um dos maiores defensores do Tricontinentalismo foi o ativista marroquino Mehdi Ben Barka. Ele foi um grande opositor da monarquia marroquina, que considerava sucumbir aos interesses coloniais, era antissionista e defendia a união dos povos oprimidos pelo colonialismo (sob a aliança tricontinental), além de ser um apoiador pan-africano da Unidade Africana. Ele era amigo do revolucionário de Guiné-Bissau Amílcar Cabral, do presidente de Gana Kwame Nkrumah, do cubano Ernesto Che Guevara e de muitos outros que se opunham ao neocolonialismo ocidental. Juntos, eles decidiram formar uma frente unida. Com isso em mente, foi decidido organizar uma grande conferência sobre solidariedade entre os povos da África, Ásia e América Latina (a Aliança Tricontinental dos Povos Oprimidos do Sul) de 3 a 15 de janeiro de 1966 em Havana (Cuba). No entanto, um dos organizadores centrais, Mehdi Ben Barka, não pôde comparecer, pois foi morto alguns meses antes em um assassinato que ainda é um mistério, mas que a maioria acredita estar envolvido com a CIA, o Estado francês, Israel e a monarquia marroquina. No entanto, a conferência tricontinental contou com a participação de 82 representantes de países africanos, latino-americanos e asiáticos. Os temas discutidos nessa conferência foram: a revolução mundial contra o capitalismo financeiro, a luta contra o neocolonialismo ocidental, a luta contra o apartheid na África do Sul, o apoio à Palestina (ocupada pelos sionistas), o apoio a Cuba asfixiada pelo imperialismo ianque, o apoio ao Vietnã e a luta contra as tecnologias nucleares no Sul Global. Foi assim que surgiu a OSPAAAL (Organisation de Solidarité des Peuples d’Afrique, d’Asie et d’Amérique Latine).
Apesar dos bons objetivos programados na resistência ao capitalismo ocidental, o Tricontinentalismo se enfraqueceu e fracassou ao longo do tempo. Mas ele não fracassou devido à falta de planos ou à falta de vontade de ambos os lados. O tricontinentalismo fracassou porque, desde o início, quase todos os representantes tricontinentais, embora se definissem como não alinhados, giravam em torno da ideologia socialista ou comunista. Naquela época, o mundo estava dividido em dois blocos: o comunismo na Europa Oriental e o capitalismo no Ocidente. O comunismo foi derrotado em 1989 com a queda do Muro de Berlim, o que levou à liberalização da União Soviética (que apoiava estrategicamente todos os movimentos não alinhados) e o capitalismo ocidental triunfou, tornando-se o que hoje chamamos de globalismo neoliberal. Esse globalismo já penetrou em todos os cantos do mundo, e quem sofre seus efeitos são os povos do Sul.
Diferença entre Globalização, Globalismo e Crítica do Alterglobalismo
No entanto, precisamos distinguir entre dois conceitos que muitas vezes são mal compreendidos: globalização e globalismo. A globalização é um fator positivo que sempre existiu. Quando nossos ancestrais egípcios dialogavam com os gregos antigos ou negociavam com as civilizações do norte do Mediterrâneo em geral, isso era uma forma de globalização. Mesmo quando o imperador do Manden Abu Bakr II visitou as Américas em 1312, estabelecendo assim uma interação com os povos indígenas da América, também podemos falar de globalização. Hoje, além de simples interações ou trocas comerciais, ela permite a livre disseminação de informações e possibilita que os povos se conheçam sem que suas características individuais sejam ameaçadas. O globalismo, por outro lado, é exatamente o oposto: é o paroxismo da globalização. O globalismo não quer que todos os povos se conheçam pelo que são. O globalismo aponta para uma nova ordem globalizada, onde a sacralidade das coisas não existirá mais, onde o relacionamento com Deus não existirá mais, onde as identidades civilizacionais, étnicas, espirituais e sexuais serão combatidas. No globalismo, não há Tradição, apenas a lei das finanças internacionais neoliberais sem Estado, baseada na daneistocracia. Hoje, esse globalismo neoliberal degenerado, com sua modernidade antitradicional decadente e seu progressismo deletério, está em toda parte. A defesa da identidade é o bastião da resistência aos globalistas apátridas, que são de fato os mesmos capitalistas de ontem. Por outro lado, há também uma tendência chamada “alterglobalismo”. O alterglobalismo (como a própria palavra indica) alega se apresentar como uma alternativa, a solução, um globalismo menos agressivo, que critica o neoliberalismo econômico (mercados livres em oposição às civilizações comunitárias do Sul), mas está profundamente enraizado no neoliberalismo cultural (a destruição da família, a teoria de gênero, o transfeminismo liberal-libertário, o antirracismo burguês, o mundo sem fronteiras, o universalismo etc.). Esse alterglobalismo, que afirma ser a alternativa, é o problema, para não dizer o pior do próprio globalismo.
Ruben Um Nyobe, Lumumba, Nkrumah, Sékou Touré e outros lutaram contra o colonialismo. Thomas Sankara e Fidel Castro lutaram contra o neocolonialismo. Hoje, precisamos lutar contra o globalismo neoliberal, que está penetrando no Sul do mundo, impondo sua ideologia nociva, cooptando, financiando e manipulando certas ONGs que seguem a agenda do filantropo George Soros e propagam o globalismo por trás da luta pela democracia. Na diáspora africana, o mesmo problema está presente em certos movimentos, associações ou plataformas antirracistas, profundamente enraizados no magma globalista. Esses movimentos, controlados pelos senhores globalistas, foram criados para dizimar de uma vez por todas a consciência negra baseada no Black Power defendido na época por Malcolm X, Khalid Muhammad, Marcus Garvey e Stokely Carmichael.
O Tricontinentalismo Antiglobalista do Século XXI é Necessário
Além da África e dos africanos, a América do Sul e o Oriente Médio estão sofrendo com o globalismo neoliberal. Há uma necessidade urgente de defender alianças entre nós para resistir a esse novo mal.
O neopanafricanismo precisa se reconciliar com as ideologias comunitaristas e antiglobalização na América do Sul, incorporadas por movimentos como a Nova Resistência de Raphael Machado (no Brasil), o Circulo Patriotico Chile de Luis Bozzo (no Chile) e a Vanguardia Colombia (na Colômbia). Esse neopanafricanismo também deve ser visto no contexto de movimentos no Oriente Médio e no Extremo Oriente.
Precisamos de um novo Tricontinentalismo entre todas as realidades do Sul, oposto ao globalismo neoliberal, um Tricontinentalismo desta vez sem comunismo e sem socialismo (e ainda menos liberalismo). Precisamos de um Tricontinentalismo imperial e comunitário, enraizado na filosofia civilizacional de cada um. Um Tricontinentalismo que reconheça o Império Africano, o Império Sul-Americano, o Império Árabe, o Império Persa, o Império Indiano, o Império Chinês (mesmo que a China de hoje não seja mais a China solidarista de Mao Tsé-Tung). Todos unidos contra a hidra globalista isfetiana. Tudo isso será possível por meio de intercâmbios, conferências, cooperação e ação conjunta. A supremacia moderna (outro nome para o Ocidente) estará em apuros no dia em que o Sul se unir, preservando suas particularidades, contra aqueles que querem nos levar pelo caminho do degenerado globalismo isfetiano.
Fonte: NoFi