O discurso do George Soros em Munique apenas reforça a centralidade da questão ideológica no mundo, com o Brasil estando no centro disso. Raphael Machado comenta sobre esta questão.
O discurso de George Soros na Conferência de Segurança de Munique reitera o caráter absolutamente ideológico do atual conflito mundial, apontando para sua versão da contradição fundamental de nossa época: sociedades abertas x sociedades fechadas.
E o Brasil está no centro disso.
Para além das atividades como pirata do sistema financeiro pelas quais Soros participou na dilapidação e colapso de países (vide a crise asiática de ’97, quando Soros quebrou os Tigres Asiáticos), Soros possui também um engajamento teórico que dá os contornos de suas atividades de engenharia social por distribuição de recursos por intermédio de sua fundação Open Society.
No centro da cosmovisão trabalhada por Soros está o liberalismo tal como definido e interpretado por Karl Popper, sob a forma de sociedade aberta. A sociedade aberta, nessa linha, é toda sociedade centrada no papel do indivíduo como átomo abstrato e igual, onde o Estado é simplesmente garantidor de seus direitos e liberdades individuais. Na sociedade aberta, todas as formas de associação são puramente voluntárias e tudo opera segundo critérios de racionalidade material, com o Estado tendo função meramente policial e evitando intervir na economia e a tábua de valores sendo a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Nesse cenário, essas sociedades abertas tendem para a integração em uma estrutura governativa mundial, gerenciada por técnicos “apolíticos”.
Essa resenha das ideias de Soros é importante porque não podemos ignorar a centralidade das cosmovisões na ação dos grandes atores da política mundial e Soros enfatiza constantemente esses conceitos, o que fica claro no Discurso de Munique. Soros, inclusive, repete mais de uma vez sua crença na superioridade universal do modelo da sociedade aberta.
Mas contra o quê essa ideia se lança? Soros chama de “sociedade fechada” toda sociedade que proponha objetivos, valores ou sentido em comum, ou seja, alguma forma de “Absoluto” que busque limitar, conduzir ou dirigir os homens, negando o papel central do indivíduo. Para Soros, é totalitária toda politeia em que o homem esteja enredado em laços e vínculos de pertencimento, dever e hierarquia, e onde quaisquer valores afirmem a subalternidade do indivíduo a outros fatores.
Não por acaso, o professor de Soros, Popper, apontava como seu principal inimigo filosófico e pai de todos os totalitarismos a figura do velho Platão, que em sua “República” construiu o modelo absoluto da comunidade humana espelhada no cosmo como uma totalidade orgânica hierarquizada e especializada, unida na busca do Bem.
Os mais espertos vão perceber que as ideias de Soros possuem aspectos “de direita” e “de esquerda”, e que sua descrição do inimigo pode abarcar tanto projetos “comunistas” como “fascistas” e mesmo “religiosos”. É isso mesmo. Se você ainda não se tocou nisso, no nível macro, no alto escalão, a dualidade direita/esquerda está morta há décadas. Os enfrentamentos que ocorrem “nas bases” entre direitistas e esquerdistas são só teatro de tesouras, já que essas facções já estão infectadas por ideias liberais.
No sentido contrário, o maior pavor de Soros e dos seus é a aliança ou mesmo síntese entre ideias “comunistas”, “fascistas” e “religiosas”, o que Alain Soral chamou, por exemplo, de “esquerda do trabalho, direita dos valores”. De fato, Soros levanta impugnações precisamente contra países em que a contradição fundamental é afirmada: Rússia, China, Irã, Síria, Belarus, Birmânia.
E o apoio de Soros a Lula, reiterado em Munique, se dá nesses termos. Lula é apontado por Soros como representante da sociedade aberta, não sendo surpresa já que os ideólogos da “Frente Ampla”, bem como sua ala universitária, apontaram a última eleição como disputa entre “civilização” e “barbárie” repetindo temas racistas do neocolonialismo, ou entre “democracia” e “autoritarismo”, nos termos do pensamento sorosiano.
Nesse contexto o Brasil é um dos campos de batalha centrais, tão importante quanto a Ucrânia, onde se decidirá se o futuro será moldado por George Soros ou pelos povos livres do pluriverso de civilizações.