Certamente, o Crisolismo, como doutrina político-filosófica, é ainda um projeto em construção, tanto no aspecto teórico quanto no aspecto prático, dado que ele surgiu de uma pessoa só. Não obstante, é o exemplo confiável da evolução de “uma retórica e uma praxis iminente na sociedade peruana moderna, que vai além do liberalismo, comunismo e fascismo.”
É por isso que ele é necessário, e para continuar com a evolução esboçada nesse primeiro ensaio, e como um prelúdio para um segundo ensaio, para tornar alguns pontos claros o suficiente pois estes hão de se tornar os pilares teóricos dessa doutrina política. Pilares que são necessários respeitar dentro dos cânones epistemológicos já alcançados, na medida que a exclusão destes ou a conclusão de um trabalho hermenêutico forçado poderia transformar-se numa deturpação ou na exaltação de conceitos que o Crisolismo não pretende reivindicar.
O Crisolismo é de antemão uma doutrina de supreação, dialética em toda a sua estrutura. A partir desse foco Hegeliano, seus principais alicerces se erguem, que são os seguintes:
1. Neoestruturalismo – O Crisolismo considera a realidade humana como um sistema de relações intersubjectivas, fonte criativa de estruturas e superestruturas, interligados de tal forma que a particularidade de um fato ou fenômeno não se perde na estrutura, mas é o elemento nevrálgico do mesmo. Portanto, nada pode ser visto isoladamente mas sempre em relação ao seu grupo, mas isso não necessariamente solapa a transcendência de um sujeito, fato ou fenômeno como uma entidade isolada, pelo contrário, enriquece a investigação dado que gera um cenário propício para o contraste mais objetivo, pois tanto particularidade e universalidade são tomadas em consideração.
2. Nacionalismo autêntico – O Crisolismo, e começando desse ponto focal neo-estruturalista, considera o nacionalismo como uma concepção pura, em outras palavras, somente sob o inter-relacionamento de conceitos que acompanam seu surgimento teremos a exaltação sã e sadia da nação, da terra-pátria e do Estado, em busca de formar uma forte e monolítica Unidade. Esse conceito puro contrapõe todo tipo de pressuposições que já foram ligadas ao nacionalismo histórico (liberalismo, comunismo e fascismo), mas no final não se mostrarão de fato corresponder ao nacionalismo, mas sim a outras doutrinas que se serviam dele em busca de alcançar uma unidade que essas doutrinas não proclamaram ou como justificação de suas políticas. Similarmente, começando desse conceito puro, genérico, e universal, um conceito específico é proposto, embora particular ao caso peruano. Nós podemos falar de um nacionalismo peruano, como uma exaltação sadia da nação peruana, da pátria peruana e de um Novo Estado Peruano. Uma nação e uma pátria peruana, baseados no reconhecimento de seu sincretismo cultural e racial, e um Novo Estado Peruano como a manifestação dessa vontade sincrética, que autenticamente manifesta a vontade de um Volksgeist peruano.
3. Democracia autêntica – o Crisolismo não é um apoiador de ditaduras, apenas como uma exceção; mas tendo em mente eventos políticos regulares, ele tem que manter a vigília pela execução de uma democracia autêntica e real, que poderia dar forma à vontade nacional, sendo que o meio para alcançar isso é, como considerado pela teoria crisolista de governança, meritocracia para a eleição de responsabilidades públicas, o que garante um filtro mínimo de adequabilidade para a execução política, e ajuda a evitar o improviso.
4. Ontologia peruanista – o Crisolismo considera o mesmo que muitos outros teoristas da pós-modernidade (Benoist, 2002; Dugin, 2013), assinando ao mesmo tempo as considerações Heideggerianas (Heidegger, 1936), de que a humanidade está passando por um momento antropológico sem precendentes, que é caracterizado por um esquecimento progressivo do Ser (Vorhandenheit), entendido como o Ser-Aí, em outras palavras, aquilo que faz algo Ser enquanto É em um determinado ou determinável espaço temporal. O que quer dizer, o que É algo, que tem uma identidade, alguns valores, algumas virtudes, um paradigma, um dieal, etc, manifestados similarmente como Dasein. Dasein é tudo que um homem é, suas ideias, seu conhecimento e sabedoria, portanto, Dasein autêntico -eigene-. A categoria da justificação apropriada do Ser, em toda a sua plenitude, é perdida progressivamente, e é substituída por um Dasein inautêntico -uneigene-, que (para o cenário internacional) é configurado na ideia de globalização como uma máquina de homogeneização de identidades que anseia pelo pós-individual, sem raízes, sem ligações, não interligado a qualquer nação nem sequer a qualquer ideia em particular, a nenhuma espiritualidade, sem valores, sem virtudes, sem nem mesmo gênero, apenas sob a orientação do livre mercado e sob a visão do consumismo. Extrapolando isso para o nosso cenário particular peruano, nosso Dasein inautêntico é configurado pela Marca Perú, como a tentativa de um Estado pós-liberal de reduzir o que é o Ser peruano aum aspecto claramente econômico e consumismo (gastronomia, turismo e futebol), enquanto nosso Dasein autêntico, ou Eigene, é configurado pelo ideal de “Peruanidade”, entendendo a Peruanidade como tudo aquilo que faz o indivíduo peruano a perceber a si mesmo como tal; tradições, costumes, ideias, valores, cultura, espiritualidade, que vêm de nossas duas principais civilizações, a Andina-Originária, e a Hispânica-Europeia. É por isso que, de acordo com a ontologia Peruanista, haveriam peruanos que poem ser mais conscientes que outros, de acordo com o fato de sentirem-se e serem como tais: proto-peruanos [1], pré-peruanos [2] e peruanos [3]. No entanto, o dasein inautêntico está criando os não-peruanos, aqueles que desejam terem nascido em outro país, ou são indiferentes a terem nascido aqui ou em qualquer outro lugar. Tudo isso é oposto pelo Ereignis ou evento, que é nada mais que o retorno triunfal do Ser, do Dasein autêntico, da Peruanidade.
Devido a esses quatro pontos, o Crisolismo não pode ser liberal, neoliberal, nem pós-liberal, nem anarquista, nem comunista, nem fascista; porque o Crisolismo recupera as experiências históricas de cada teoria, rejeita seus erros, retém seus sucessos, e cria seu próprio caminho, de acordo com os novos tempos e necessidades do Povo Peruano (Lira 2017, p. 3—7).
O Crisolismo, por outro lado, é Peruanista, autenticamente nacionalista, autenticamente democrático e é o fundamento de uma Quarta Teoria Política peruana e ibero-americana, como uma superação da esquerda, extrema-esquerda, centro, direita, e extrema-direita.
O Crisolismo é uma teoria política da sociedade peruana contemporânea, e é por isso que ele não pode, não deveria, e não deve perseguir qualquer projeto político e/ou governo do passado, pois ele é uma doutrina do hoje. Mas por ser uma doutrina política do hoje, e sendo configurada como uma contemporaneidade alternativa, ele não deveria aderir à reação de movimentos que também buscam por contemporaneidades alternativas ou pensam estar o fazendo, em vez disso o Crisolismo irá propor a sua própria, sob seus próprios esquemas, e sob seus próprios paradigmas.
Referências bibliográficas
LIRA, Israel (2017). Breve abordagem aos Fundamentos do Crisolismo ou a possível construção de uma Quarta Teoria Política Peruana e Ibero-Americana» Em: Revista de Estudios Crisolistas, Vol. 1, №1, Maio.pp.2—33.
BENOIST, Alain (2002). Critique de l’idéologie libérale
DUGIN, Alexander (2013). A Quarta Teoria Política. Ediciones Nueva República
HEIDEGGER, Martin (1953). Ser e Tempo. Tradução, prólogo e notas por Jorge Eduardo Rivera.
Notas
[1] Aqueles que não a tem ou tem apenas consciência do nascimento.
[2] Aqueles que tem consciência do nascimento, mas o circunscrevem ou limitam-no a um aspecto em particular seja cultural — indigenismo, hispanismo —, econômico —rico, pobre— ou político —esquerda, direita— negando o sincretismo.
[3] Conscientes de nosso sincretismo e valorizam elementos transcendentes.