Ao elogiar o Monarca, exaltando seus feitos e louvando seu espírito elevado, Getúlio demonstra uma compreensão Integrativa da Vida Nacional, muito relevante para os dias atuais.
O discurso que se segue consiste num elogio de Getúlio ao Imperador D. Pedro II. Além de exaltar seus feitos e contribuições à Nação durante o Império e louvar suas as características pessoais como Monarca e homem de espírito e apetites elevados, Vargas tece breve comentários principiológicos a respeito de alguns temas que circundam sua figura. Aborda a oposição republicana como uma “oposição leal” e exprime um entendimento integrativo da Vida Nacional ao reconhecer a importância do Império para a consolidação da Pátria.
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Discurso pronunciado na Catedral de Petrópolis em razão da inauguração do Mausoléu dos Imperadores D. PEDRO II E D.a TERESA CRISTINA em 5 de dezembro de 1939.
Senhores: As homenagens hoje prestadas à memória de D. Pedro II, com a consagração pública do mausoléu construído para abrigar os restos mortais do velho monarca e da imperial consorte, exprimem bem a estima e o constante respeito que sempre lhe tributaram o Governo e o povo da sua Pátria.
Os fundadores da República e os homens que nela se educaram jamais deixaram de reconhecer-lhe e exaltar-lhe o devotamento cívico e as nobilíssimas virtudes pessoais. Nunca existiu, entre nós, nem mesmo no período candente da propaganda republicana, quem o denegrisse; nem mesmo, na hora do ocaso e da despedida, quem o humilhasse; nem, depois, quem lhe vilipendiasse o nome. Vencido pela revolução política, destronado, exilado, D. Pedro conduziu-se, por sua vez, com admirável dignidade, acatando silenciosa e resignadamente a decisão do seu povo e desaconselhando as maquinações reacionárias contra o novo regime.
A República e o Imperador foram, assim, adversários leais, que se respeitaram mutuamente, dando um raro exemplo de magnanimidade e compreensão patriótica, que só nos deve orgulhar.
Com o decorrer dos anos, à medida que o regime se consolidava como instrumento político apropriado ao nosso progresso e aspirações de povo livre, desapareceram as restrições em relação à família imperial, trasladando se, afinal, para o solo brasileiro os despojes mortais do Imperador. Cumpria-se, assim, um dos seus mais ardentes votos de patriota: repousar, definitivamente, na terra que tanto amou.
Evocando a figura de D. Pedro II, rendendo a justiça que lhe é devida no precisar os seus serviços mais salientes ao país e no exaltar os seus méritos excepcionais, outra cousa não fazemos senão afirmar o pronunciamento da História. Sobre a sua personalidade, o julgamento definitivo já teve tempo de se formar, com serenidade e isenção de ânimo, sagrando-o como um brasileiro ilustre, notável por todos os títulos, que honrou o seu país e a época em que viveu.
Pode-se debater, com abundância de argumentos, a questão de saber se a duração da monarquia representou um benefício para a organização da nacionalidade, salvando-a dos abalos internos e das lutas caudilhescas, ou se foi fator de retardamento da nossa m evolução social e política. Não se pode, porém, negar que a sua existência, nos últimos cinqüenta anos, foi obra, em grande parte, do prestígio pessoal do Imperador.
O que lhe dava forças para exercer tão grande influência nos destinos políticos da Nação era, sem dúvida, a individualidade moral — o patriotismo, a virtude, o saber, a honestidade e o bom senso— complexo de qualidades que fizeram dele uma figura de renome universal.
A cultura humanista e o amor aos livros e à Ciência puseram-no em contacto íntimo com os maiores pensadores, poetas e filósofos do tempo. O seu espírito de tolerância, de moderação e generosidade afetiva, espelhava os traços fundamentais do caráter brasileiro, e essa identidade de temperamento explica, psicologicamente, a admiração e o prestígio populares que lhe aureolaram o nome. Pela austeridade da sua vida de homem bom e justo, ele dominou todo o panorama do Segundo Reinado, pairando acima das competições pessoais, dos partidos e das paixões políticas.
Em seu longo reinado, o Brasil viveu momentos decisivos: consolidou a sua vida interna pela integração nacional; combateu duas guerras estrangeiras, que lhe foram impostas; evoluiu do trabalho escravo para o trabalho livre; iniciou a sua indústria; introduziu os primeiros melhoramentos para a modernização dos transportes e meios de comunicação.
O declínio do Imperador, abatido pela doença e pela
idade, marca, precisamente, o fim das instituições monárquicas. O Império, que ele encarnava, tinha cumprido a sua grande missão histórica e esgotado a sua capacidade de ação. O regime republicano, viva aspiração desde os tempos coloniais, vinha substituí-lo, abrindo novos horizontes ao desenvolvimento social e econômico do país.
Agora, decorrido quasi meio século da morte de D. Pedro II, o próprio Governo da República, em reconhecimento aos grandes serviços que prestou ao Brasil, inaugura este mausoléu, destinado a guardar as suas cinzas venerandas, no seio amigo da sua cidade de Petrópolis, dentro da catedral cuja construção teve início sob o seu generoso patrocínio.
Aqui, poderá ele descançar para sempre, confiado à veneração de todos os brasileiros, entre os coros festivos das flores e das crianças, tão caras iao seu espírito, ao pé destas montanhas e à sombra destas árvores, que o viram passar tantas vezes, sereno e acolhedor, em contacto com o povo que governava e de pensamento no alto, embebido nas puras fontes da meditação e da sabedoria.