A oposição entre cidade e campo, entre o espaço urbano e rural, tem sido objeto de reflexão de autores dissidentes já há mais de 100 anos. Essa oposição é, usualmente, tratada principalmente no campo espiritual ou simbólico e diz respeito fundamentalmente a um problema moderno.
A cidade moderna possui um caráter absolutamente distinto, específico, que a afasta das cidades pré-modernas e as coloca em oposição ao campo, ao mundo rural. Ainda que muitas possam ser as distinções traçadas, o fundamental é que, enquanto na pré-modernidade as cidades eram erguidas tendo como centro um Princípio metafísico, as cidades modernas existem, crescem e são (des)organizadas segundo uma lógica exclusivamente utilitária.
Da maneira como o Ocidente se constituiu historicamente, isso significa que a cidade se tornou o centro de difusão do capitalismo, enquanto modo de produção, bem como da perspectiva filosófica liberal em todos os seus ramos, variações e campos de atuação.
O campo se tornou a periferia do mundo capitalista. A distância da cidade garantia uma “evolução” mais lenta das realidades existenciais no campo. E a aceleração cancerígena desse progresso urbano no século XXI levou cidade e campo a uma oposição existencial fundamental.
Desde a perspectiva liberal, essencialmente modernista e materialista, o campo é o espaço do atraso, do passado e da burrice. Quando não se nutre um sentimento negativo e hostil pelo campo e pelos seus habitantes e trabalhadores, o que se nutre é uma piedade prepotente, como a que se tem por crianças ou deficientes, como se houvesse no homem do campo algum tipo de inferioridade, como se ele fosse um selvagem ou um bárbaro que precise ser “civilizado” e iluminado pelo urbanita.
Mas talvez seja nessa suposta “barbárie” e “selvageria” do campo que se encontre alguma fagulha vital, capaz de ajudar o Brasil a se reavivar.
Esse “barbarismo”, essa “selvageria” do mundo rural não é outra coisa que o juízo afetado do urbanita desenraizado quando se depara com o duro e bruto realismo, bem como com a simplicidade das pessoas do campo, misturado com uma disposição mais aferrada na fé e na preocupação com as coisas do espírito.
É exatamente aquilo que é mais difícil de encontrar no espaço urbano, já há muito desenraizado e afundado em uma infinitude de delírios, autismos e escapismos, misturando com materialismo e ceticismo dos tipos mais grosseiros.
Não por outra razão, não devemos ver, senão com bons olhos, medidas como o envio dos intelectuais burgueses para os campos de arroz, ocorrido em alguns países asiáticos, para que lá trabalhem, dando sua contribuição real e efetiva à sociedade, conhecendo de onde vem o alimento de sua mesa.
E isso é algo que bem poderia ser repetido na experiência brasileira. Mas o retorno ao campo não deve ser visto como punição (seria “punição” para intelectuais decadentes), mas como solução para o grave problema do inchaço das grandes metrópoles.
Impulsionadas pelo frouxo e parco processo de industrialização de meados do século XX, as principais cidades brasileiras atraíram enxames de pessoas de várias regiões e países, com falsas promessas de emprego e oportunidade. O resultado tem sido a favelização, o aprofundamento das desigualdades sociais, o fortalecimento do latifúndio e das relações semifeudais que o constituem, e uma miríade de problemas sociais, morais e até psicológico, ligados ao quotidiano das grandes cidades (stress, suicídio, depressão, etc).
Esse processo precisa ser revertido. Ainda que o Brasil deva ser devidamente industrializado, isso não demanda níveis de urbanização ainda maiores que os que já temos. Devemos apontar na direção oposta.
O Brasil possui amplos espaços rurais, muitos dos quais de propriedade de multinacionais, de latifundiários nacionais, de políticos, etc. Ao mesmo tempo, os espaços urbanos estão inchados com uma grande massa desenraizada, sem rumo.
A solução está aí e ela é fundamentalmente política. O latifúndio brasileiro precisa deixar de existir. Essas terras precisam ser redistribuídas. E as famílias devem ser guiadas de volta para o lugar de onde seus antepassados saíram em busca de falsas oportunidades nas cidades. Essas famílias devem ser reorganizadas em cooperativas sob a tutela do Estado.
Uma pequena medida com grandes e graves consequências. Os benefícios não seriam apenas econômicos (já que sabemos que pequenas e médias propriedades são mais produtivas que os latifúndios), mas se espalhariam pelo âmbito social, da segurança pública, da saúde, do trânsito, da questão ambiental, etc.
Retornar ao campo é fundamental!