Por Marcello Veneziani
É verdade que as novas gerações estão cada vez mais egoístas. Muitos jovens estão virtualizando todas as suas relações e não nutrem nenhum interesse pelos problemas do mundo que os cercam. Há quem diga que a razão desse problema é uma suposta falta de códigos morais na sociedade, mas não seria o contrário? Não estariam os jovens, hoje, vivendo sob a mira de um novo moralismo, de um moralismo mais perverso e totalitário, que os leva ser do modo como são?
Quantas vezes nós já ouvimos dizer que os jovens estão desprovidos de valores? E se, na verdade, fosse o contrário, que os jovens estão se afogando em um oceano de valores, em um mar de moralismo? E se o mal que acomete os jovens hoje viesse justamente da retórica dos valores? Muitas vezes, os valores que são expressados nos congressos, nas escolas e na televisão são como balões inflados: enormes porque estão cheios, mas cheios de ar, isto é, cheios de nada. Eles são a decoração supérflua de uma realidade cínica cuja principal característica é a pura vontade de exercer domínio. Eles são a flatulência do mercado, que não por acaso impõe também seu preço, tal como também podem ser o adorno de um novo moralismo, de um moralismo mais petulante e mais intolerante.
Para as crianças, exemplos funcionam melhor do que explicações. Listemos então um exemplo conhecido. Se você se dispor a resumir em uma imagem o “código genético” dos valores que são apresentados para as crianças hoje, não pense em um livro, nem em uma teoria e nem em um pensador. Pense em um cantor, em uma música famosa. Pense, por exemplo, em Imagine do John Lennon, que é um objeto de culto venerado no mundo todo e que, no âmbito político, é uma canção tida como valorosa porque prega a paz. Essa música passa a seguinte mensagem: “Imagine que não existe paraíso, que não há inferno sob nós. Imagine todas as pessoas vivendo para o presente. Imagine que não exista mais pátrias. Imagine que não mais exista razões para matar ou para morrer e nem religiões.”
Que vazio esplêndido! Afinal, se você vive apenas para o hoje, sem mais razões para viver ou para morrer, se não há mais paraísos e infernos, nem almas e nem outras vidas após a morte, se não há mais Deus, nem pátria, nem raízes, o que fazer com aquela concha vazia de valores batizada várias e várias vezes pela negação (“Não à violência!”, “não à guerra!” etc.)? Tudo o que resta é preenche-la de valores inflados que fazem o homem viver do pior modo possível.
Uma vez negando a vocação natural para se ligar a uma origem, a um lugar, a um sentido e a uma religião, para onde vai o potencial humano senão para paródias ridículas da origem, do sentido e da religião? É o que hoje acontece com a aptidão e a agressão naturais, com a predisposição natural ao risco. Se nós negarmos essas coisas, suprimi-las, não as canalizar e não as civilizar em rituais comuns na sociedade, elas uma hora explodem nas piores formas.
Se a sociedade nega qualquer possibilidade de transcendência à vida, ao ego, ao presente, qual o sentido dela de reclamar de jovens que se dissociam do mundo, de jovens que substituem o mundo real pelo mundo virtual? O egoísmo desses jovens é fruto justamente desses valores que a sociedade prega, ou pelo menos são desses valores que esses jovens se alimentam.
“Escravos dos caprichos, atados à cada momento, vítimas de todos os senhores, sedentos pelo curso d’água, famintos na superabundância”; assim escreveu um rapaz que se matou aos 23 anos de idade. Seu nome era Carlo Michelstaedter. Isso significa dizer que os jovens de hoje são piores que os de ontem? Não. Depreciar as futuras gerações é um clichê estúpido de cada geração. A geração atual é parecida com as gerações passadas, ela não é mais estúpida nem mais má, e sim mais vulnerável e mais introvertida. Sua forma de se expressar, seu modo ser, sua válvula de escape e sua riqueza de saberes estão em um horizonte mais limitado e mais fechado.
Não faz sentido procurar quem é o culpado disso tudo. Se posicionar como inocente ou como culpado são só duas maneiras distintas de ser idiota com algum julgamento inicial. A culpa é de todos, é da família, da escola, da mídia… é de todo o mundo que nos circunda. Mas o pior disso tudo não é nem a extinção dos jovens como uma categoria social, como um recurso público, tornando-os invisíveis; o pior disso tudo reside no afastamento dos jovens da sociedade, na diluição de todas as relações, de todos os elos, de todas as histórias, de toda linguagem comum. Eles não se conectam. A coisa mais terrível que se pode dizer sobre eles, parafraseando Karl Kraus, é o seguinte: quando eu vejo um jovem, nada me vem em mente.
MV, O segredo do viajante (Mondadori, 2003)