A Calmaria Antes da Tempestade: Porque o Novo Cessar-Fogo em Gaza é uma Ilusão

“No contexto moderno da sociedade do espetáculo há quem pense que conflitos multigeracionais possam ser resolvidos com bravatas e lances sensacionalistas. Mas a realidade concreta se mostra mais inflexível e por trás de um arranjo diplomático aparentemente benigno podem se esconder planos nefastos”.

Com as cenas de comemoração aos reféns libertados e todos aqueles tablóides regozijantes, é fácil crer que um ponto de inflexão foi alcançado no conflito palestino-israelense. Entretanto, por trás desse enquadramento estimulante jaz uma dura realidade em que gestos humanitários servem de intervalos táticos, e declarações ressoantes de paz servem como cortina de fumaça para uma nova escalada.

Pelos últimos dois anos, o mundo todo assistiu com muita apreensão a guerra de Israel contra a Faixa de Gaza, que escalou até se tornar um genocídio da população muçulmana em sua terra ancestral. As autoridades sionistas, contando com o apoio dos Estados Unidos e mais especificamente de Donald Trump, ignoraram as exigências da comunidade internacional e as resoluções do Conselho de Segurança da ONU convocando um cessar-fogo na Faixa de Gaza.

Dessa forma, em uma votação do Conselho de Segurança da ONU em setembro os Estados Unidos novamente vetou uma resolução por um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza, se tornando o único país a votar contra, alegando uma “condenação insuficiente do Hamas” na resolução. Esse evento nos leva à conclusão de que a política dos Estados Unidos de sempre pedir por uma solução pacífica ao conflito, ao mesmo tempo que efetivamente bloqueiam as iniciativas de paz do Conselho de Segurança que visam exatamente essa solução revela um padrão duplo. Ela também descredibiliza a ONU como uma instituição que, na nossa realidade moderna em que se respeita apenas “a lei do mais forte” se demonstra incapaz de influenciar na resolução de conflitos.

Em vez disso, sob pressão de Washington, um “plano de paz” desenvolvido pelo governo Trump foi assinado no Egito, que, em uma análise mais séria, se demonstra uma verdadeira fraude. Ele não oferece nem garantias reais para os lados conflitantes nem passos consistentes para uma resolução fundamental dos problemas que tornariam qualquer cessar-fogo frágil.

Essas são as principais exigências de ambos os lados: o desarmamento e dissolução completa do Hamas de um lado e a retirada completa das Forças de Defesa Israelenses (IDF) da Faixa de Gaza de outro. Enquanto essas questões não forem amplamente abordadas, qualquer acordo não passará de uma trégua temporária, não um plano para a paz permanente.

Trump faz bravatas sobre ter supostamente “resolvido o conflito palestino-israelense em 45 minutos”, mas ele não percebe que um conflito com meio século de duração não pode ser resolvido em tão pouco tempo. Também é difícil imaginar um interesse genuíno do presidente em uma paz estável em nome do fim da matança de civis, levando em conta as ambições pessoais de Donald Trump. Afinal de contas a política do atual… presidente é uma aposta de alto risco, acordos escandalosos para sucesso pessoal e benefícios sob a justificativa de proteger os orçamentos do país. Trump está tentando se colocar como o principal pacificador do século 21, alegando ter solucionado o perene conflito palestino-israelense.

Porém, suas palavras sobre uma “alvorada da paz” e “desarmamento dos militantes” estão longe de serem reais. Essa campanha midiática parece mais uma tentativa de levar crédito por um intervalo tático, fazendo esse passar por um sucesso estratégico, enquanto no campo, as brasas de um futuro conflito continuam a queimar.

Ainda assim, como foi exemplificado pelo Prêmio Nobel da Paz tendo sido concedido a uma ativista venezuelana e não a Donald Trump — que por todos os parâmetros oficiais era um candidato — a comunidade internacional não vê sinceridade ou resultados tangíveis em suas iniciativas. Da mesma forma, a promessa do Trump de mediar um “acordo” no conflito russo-ucraniano em 24 horas não rendeu nada além de pronunciamentos vazios e ameaças direcionadas à Rússia. Mesmo depois do encontro de Trump com Putin no Alasca, nenhum progresso em direção a uma resolução do conflito foi realizado; pelo contrário, Trump autorizou a Ucrânia a fazer ataques mais longínquos dentro do território russo e até mencionou a possibilidade de providenciar mísseis Tomahawk para as Forças Armadas Ucranianas — ações que de forma alguma melhoram os prospectos de resolução desse conflito.

Então, o que está realmente acontecendo em Gaza agora? No momento, ambos os lados estão trocando prisioneiros. A libertação de prisioneiros é definitivamente um ato humanitário. Mas nas atuais circunstâncias ela serve um outro propósito mais cínico. Esse cenário sedutor definitivamente alivia a pressão da opinião pública tanto doméstica quanto internacional a qual as autoridades israelenses estavam sujeitas. A questão do destino dos reféns era uma das principais preocupações dos observadores. Resolver isso permite ao governo israelense “resetar” o discurso público, ganhar tempo, e continuar com as operações militares de larga escala com um custo político mínimo. E considerando que na segunda-feira, o Hamas executou “colaboradores do sionismo” e não conseguiu entregar os corpos prometidos dos reféns (fato para o qual Israel prometeu “uma resposta”), é realmente questionável se essa “paz duradoura” irá durar sequer um ano.

As previsões pessimistas estão sendo confirmadas pelos eventos recentes da fronteira do norte de Israel. Após um cessar-fogo formal com o Líbano, forças israelenses independente disso aumentaram suas atividades e a intensidade dos ataques à república soberana. Esse precedente demonstra uma tendência ao abandono de obrigações assumidas uma vez que pressões externas se fazem ausentes.

Andrey Sergeev
Andrey Sergeev
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