Em memória de Daria Dugina, resolvi escrever um texto com o objetivo de ampliar uma de suas ideias, que é a de defender o neoplatonismo político.
Podemos dizer que a corrente filosófica do neoplatonismo já era um tipo de proto-tradicionalismo, pois, mesmo antes das religiões abraâmicas (Cristianismo, Islamismo e o Judaísmo como conhecemos hoje), os neoplatônicos já indicavam a existência do Uno como algo anterior a todas as realidades manifestadas. No livro Sobre a Teologia de Platão – Volume 1, de Proclo (Editora Polar), há um parágrafo sobre o pensador Siriano que exemplifica bem essa tese:
> “Siriano (? – 437). Segundo escolarca, a partir de 432. Foi discípulo de Plutarco de Atenas e de Isidoro de Gaza. Siriano quis mostrar a unidade do conhecimento presente entre todas as teologias e escreveu uma obra intitulada Concordância entre Orfeu, Pitágoras, Platão e os Oráculos Caldeus, que foi concluída por Proclo.”
O objetivo deste texto é mostrar como toda pessoa interessada em tradicionalismo, platonismo político e uma forma tradicional de pensar a política numa escala mundial pode encontrar no neoplatonismo uma base intelectual sólida. Muito antes do tradicionalismo que conhecemos através de René Guénon e Julius Evola, já existia a escola neoplatônica que buscava uma Unidade, inclusive atravessando a dicotomia monoteísmo/paganismo, pois diversos pensadores foram fortemente influenciados pelo neoplatonismo.
A tradição neoplatônica e o legado dela na história, por si só, já são um ótimo argumento em defesa da autenticidade e da genuinidade de um projeto intelectual tradicionalista, não só na filosofia como também na política real. Muitos podem se perguntar: “Mas por que é importante que seja genuíno?”. Pois bem, o motivo é que existem acusações de que o projeto tradicionalista feito pelos discípulos de Guénon poderia ter interesses ocultos de subversão de outras religiões e organizações em prol deste ou daquele interesse. Como exemplo, há a acusação de que a escola tradicionalista nada mais seria do que um projeto de fachada para a dominação de todo o Ocidente pelo Islã ou, mais recentemente, a acusação frequente de que o tradicionalismo político do filósofo Alexander Dugin não passaria de uma fachada de justificativa para a defesa dos interesses nacionais russos. É por isso que existe a necessidade de se estudar e compreender o neoplatonismo, e é por isso que o pensamento filosófico de Daria, que inspirou a reflexão deste texto, é extremamente convincente, refinado e maduro.
Na data de hoje, há três anos, o meio filosófico e dissidente sofreu um duro golpe ao perder uma de suas maiores representantes. No dia 20 de agosto de 2022, a acadêmica, jornalista e ativista política Daria Dugina foi assassinada em um ataque terrorista.
Além de ser filha do grande filósofo Alexander Dugin, Daria era também uma pensadora própria, com um interesse profundo pelo neoplatonismo, tendo sido a linha de seu doutorado a abordagem do neoplatonismo no Império Romano. Em um texto seu disponível no blog Legio Victrix, intitulado O Platonismo Político do Imperador Juliano, Daria argumenta sobre como o reinado do imperador Juliano visou realizar a filosofia política do neoplatonismo, sendo o próprio Juliano a personificação do Rei Sol ou do filósofo-governante de Platão, mediador dos mundos inteligível e material. Tendo sido o representante da escola neoplatônica de Pérgamo, o jovem imperador Juliano tinha um fascínio especial por Jâmblico, representante da escola síria do neoplatonismo. Daria faz suas considerações finais enaltecendo a figura de Juliano como alguém que, em sua época, tentou construir um império mundial, uma Platonópolis, e faz um destaque interessante sobre o Cristianismo, que soube absorver elementos do helenismo ao incorporar a doutrina da realeza platônica e assimilar os melhores elementos da mística e da teologia neoplatônica.
O próprio Dugin, em seu livro Platonismo Político, defende que todos os dogmas cristãos estão baseados em Platão e que a teologia cristã está completamente fundamentada em uma dimensão platônica (inclusive, de acordo com Dugin, a formação da teologia cristã se deu através do meio intelectual do neoplatonismo).
Indo um pouco mais longe, no livro Cabala, do autor Gershom Scholem, em várias passagens ele admite que a própria cabala, a corrente mística do judaísmo, foi amplamente influenciada pelo neoplatonismo, tendo como exemplo a existência das sefirot como uma emanação do divino, desenvolvida inteiramente a partir do neoplatonismo. Achei pertinente mencionar isso devido ao papel de destaque que a cabala exerce enquanto mística judaica e sua notável influência no pensamento místico ocidental. É, em grande parte, desconhecida a extensa influência das ideias neoplatônicas na formação da cabala, o que comprova a afirmação de Dugin no Platonismo Político: “Platão é tudo. (…) O estudo da filosofia é, portanto, o estudo da filosofia de Platão”. E Daria, ao se aprofundar e se especializar no estudo do neoplatonismo, fez grandíssimas contribuições para o meio filosófico e dissidente.
Retomando o que foi dito logo no começo, vemos o refinamento e a maturidade das ideias de Daria Dugina, uma intelectual que contribuiu muito com seus estudos e visualizou a importância de todo tradicionalista reconhecer a influência do legado neoplatônico em diferentes culturas, meios e correntes filosóficas.