Os confrontos não se devem a algum plano de dividir para conquistar dos EUA ou de qualquer outro ator, como alguns podem especular.
Confrontos intensos eclodiram na quinta-feira ao longo da fronteira cambojana-tailandesa, traçada na era colonial pela França, na mais recente fase desse conflito de longa duração. Ambos os lados culpam o outro por iniciar os combates, mas há razões para acreditar que foi a Tailândia quem deu início às hostilidades. Antes de explicar por quê, é importante refutar antecipadamente a especulação de alguns observadores simpáticos ao multipolarismo que podem alegar que os EUA estão por trás desses confrontos, como fazem com praticamente todos os conflitos no Sul Global.


O Camboja é o principal parceiro da China na ASEAN, com laços tão estreitos que há anos circulam rumores de que Pequim estaria secretamente planejando instalar uma base naval no país — alegações que ambos os lados, previsivelmente, negaram. O que a China está fazendo, no entanto, é construir um canal no Camboja para reduzir a dependência do país em relação às importações e exportações via o Rio Mekong, cuja foz é controlada pelo Vietnã — rival intermitente de ambos. As implicações estratégicas desse megaprojeto foram analisadas anteriormente na primavera.
Quanto à Tailândia, apesar de ser considerada um “Aliado Principal fora da OTAN”, também é membro oficial do BRICS+ após formalizar sua adesão no início deste ano. Assim como o Camboja, o principal parceiro comercial da Tailândia é a China, e ocasionalmente discute-se a construção de um canal atravessando o istmo de Kra. A ferrovia de alta velocidade que a China está construindo até Singapura também passará pela Tailândia. Esses fatos desmentem a especulação de que a Tailândia estaria mais uma vez agindo como um procurador regional dos EUA.
O conflito atual, portanto, é o resultado orgânico da disputa histórica entre Camboja e Tailândia pelo controle de templos históricos de grande importância cultural ao longo de sua fronteira disputada — e não de algum esquema de dividir para conquistar dos EUA ou de outro ator externo. Dito isso, essa causa histórica não é a responsável pelo recente surto de violência, que é provavelmente consequência do desgaste da imagem das Forças Armadas tailandesas após um escândalo recente e tensões crescentes desde maio.
A primeira-ministra Paetongtarn Shinawatra foi suspensa há menos de um mês, após o vazamento de uma gravação de uma conversa com o ex-presidente cambojano Hun Sen sobre essa disputa. Ele continua sendo uma figura influente e era amigo do pai dela, o ex-primeiro-ministro Thaksin Shinawatra. Alguns de seus comentários foram interpretados como ofensivos às Forças Armadas, que ainda são extremamente influentes na sociedade tailandesa e altamente reverenciadas — além de terem sido responsáveis por uma dúzia de golpes de Estado, incluindo o que derrubou Thaksin em 2006.
Não é absurdo, portanto, suspeitar que os orgulhosos militares tailandeses — que superam os cambojanos em todos os indicadores — tenham iniciado o que esperavam ser uma guerra breve, mas bem-sucedida, como forma de restaurar sua imagem perante a sociedade. Afinal, dada a imensa disparidade entre os dois exércitos, parece pouco crível que o Camboja tenha provocado deliberadamente um conflito com a Tailândia muito mais forte, enquanto é muito mais plausível que os militares tailandeses tenham iniciado um confronto limitado que esperavam vencer rapidamente.
Ambos os países são herdeiros orgulhosos de civilizações ricas e relacionadas, o que explica o caráter emotivo deste conflito, centrado no controle de templos históricos de grande valor cultural ao longo da fronteira contestada — e cuja fase atual foi, muito provavelmente, iniciada pelos militares tailandeses, conforme explicado. Ainda não está claro qual será o desfecho, mas o mais recente surto de violência não foi resultado de uma conspiração de terceiros, e sim um desenlace natural das dinâmicas internas da Tailândia após o escândalo envolvendo sua primeira-ministra.
Fonte: Andrew Korybko