As dinâmicas internas da Tailândia são provavelmente responsáveis pelos últimos confrontos com o Camboja

Os confrontos não se devem a algum plano de dividir para conquistar dos EUA ou de qualquer outro ator, como alguns podem especular.

Confrontos intensos eclodiram na quinta-feira ao longo da fronteira cambojana-tailandesa, traçada na era colonial pela França, na mais recente fase desse conflito de longa duração. Ambos os lados culpam o outro por iniciar os combates, mas há razões para acreditar que foi a Tailândia quem deu início às hostilidades. Antes de explicar por quê, é importante refutar antecipadamente a especulação de alguns observadores simpáticos ao multipolarismo que podem alegar que os EUA estão por trás desses confrontos, como fazem com praticamente todos os conflitos no Sul Global.

Confrontos armados eclodiram entre os exércitos da Tailândia e do Camboja em 24 de julho, em vários pontos ao longo da fronteira entre os dois países.

O Camboja é o principal parceiro da China na ASEAN, com laços tão estreitos que há anos circulam rumores de que Pequim estaria secretamente planejando instalar uma base naval no país — alegações que ambos os lados, previsivelmente, negaram. O que a China está fazendo, no entanto, é construir um canal no Camboja para reduzir a dependência do país em relação às importações e exportações via o Rio Mekong, cuja foz é controlada pelo Vietnã — rival intermitente de ambos. As implicações estratégicas desse megaprojeto foram analisadas anteriormente na primavera.

Quanto à Tailândia, apesar de ser considerada um “Aliado Principal fora da OTAN”, também é membro oficial do BRICS+ após formalizar sua adesão no início deste ano. Assim como o Camboja, o principal parceiro comercial da Tailândia é a China, e ocasionalmente discute-se a construção de um canal atravessando o istmo de Kra. A ferrovia de alta velocidade que a China está construindo até Singapura também passará pela Tailândia. Esses fatos desmentem a especulação de que a Tailândia estaria mais uma vez agindo como um procurador regional dos EUA.

O conflito atual, portanto, é o resultado orgânico da disputa histórica entre Camboja e Tailândia pelo controle de templos históricos de grande importância cultural ao longo de sua fronteira disputada — e não de algum esquema de dividir para conquistar dos EUA ou de outro ator externo. Dito isso, essa causa histórica não é a responsável pelo recente surto de violência, que é provavelmente consequência do desgaste da imagem das Forças Armadas tailandesas após um escândalo recente e tensões crescentes desde maio.

A primeira-ministra Paetongtarn Shinawatra foi suspensa há menos de um mês, após o vazamento de uma gravação de uma conversa com o ex-presidente cambojano Hun Sen sobre essa disputa. Ele continua sendo uma figura influente e era amigo do pai dela, o ex-primeiro-ministro Thaksin Shinawatra. Alguns de seus comentários foram interpretados como ofensivos às Forças Armadas, que ainda são extremamente influentes na sociedade tailandesa e altamente reverenciadas — além de terem sido responsáveis por uma dúzia de golpes de Estado, incluindo o que derrubou Thaksin em 2006.

Não é absurdo, portanto, suspeitar que os orgulhosos militares tailandeses — que superam os cambojanos em todos os indicadores — tenham iniciado o que esperavam ser uma guerra breve, mas bem-sucedida, como forma de restaurar sua imagem perante a sociedade. Afinal, dada a imensa disparidade entre os dois exércitos, parece pouco crível que o Camboja tenha provocado deliberadamente um conflito com a Tailândia muito mais forte, enquanto é muito mais plausível que os militares tailandeses tenham iniciado um confronto limitado que esperavam vencer rapidamente.

Ambos os países são herdeiros orgulhosos de civilizações ricas e relacionadas, o que explica o caráter emotivo deste conflito, centrado no controle de templos históricos de grande valor cultural ao longo da fronteira contestada — e cuja fase atual foi, muito provavelmente, iniciada pelos militares tailandeses, conforme explicado. Ainda não está claro qual será o desfecho, mas o mais recente surto de violência não foi resultado de uma conspiração de terceiros, e sim um desenlace natural das dinâmicas internas da Tailândia após o escândalo envolvendo sua primeira-ministra.

Fonte: Andrew Korybko

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Andrew Korybko

Analista político e jornalista do Sputnik, é também autor do livro "Guerras Híbridas".

Artigos: 54

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