Alexander Dugin vê uma chance crescente para o mundo islâmico formar um polo soberano — se ele se unir agora contra a hegemonia ocidental e se posicionar a favor da multipolaridade.
O Irã poderia ter se aproximado muito mais da Rússia se realmente quisesse e se de fato acreditasse na possibilidade de um ataque direto de Israel e em um conflito aberto com os Estados Unidos. Nós estávamos mais preparados para esse cenário do que o Irã. Se tivessem sido tomadas medidas rápidas e radicais nessa direção, a situação certamente não seria a que vemos hoje. Não descarto que a guerra poderia ter sido totalmente evitada. Neste momento, temo que já possa ser tarde demais.
A posição da Rússia como um polo soberano é clara e consistente. Somos contra a guerra, contra um ataque israelense e contra o intervencionismo ocidental. Somos especialmente contrários ao ressurgimento dos neocons nos EUA, que parecem ter feito Trump de refém. Ao mesmo tempo, não somos contra Trump pessoalmente, nem contra o trumpismo ou o MAGA, já que, ideologicamente, ele ainda é significativamente preferível a Biden e aos globalistas puros. Tudo aqui é coerente — seguimos nossos princípios, nossos valores tradicionais e nossos interesses nacionais.
Agora, sobre a multipolaridade. A teoria de um mundo multipolar, que desenvolvi em detalhes em meus livros Teoria do Mundo Multipolar e O Mundo Multipolar, pressupõe que o mundo islâmico se organize em um bloco geopolítico — proponho o “Califado de Bagdá 2.0” —, consolide suas forças e defenda sua soberania civilizacional contra a hegemonia residual do Ocidente. Israel é a pedra de toque desse processo, seu motor. Enquanto o mundo islâmico permanecer fragmentado, Israel prevalece, destruindo seus inimigos regionais um a um — Hamas, Hezbollah, Síria e agora Irã. O Iêmen é o próximo da fila, seguido pelos países sunitas.
Quando Israel não tem força para fazer isso sozinho, chama o Ocidente — EUA e UE — em seu apoio. Dessa forma, há um teste contínuo do polo islâmico: ele existe ou não? Os muçulmanos estão prontos para a multipolaridade ou despreparados? A Rússia apoia a multipolaridade, mas não pode e não vai criar o polo islâmico no lugar dos muçulmanos. Também não lutará guerras islâmicas contra Israel ou o hegemon ocidental em nome deles.
Dito isso, imagine se o mundo islâmico — ou pelo menos alguns de seus países — tivesse tomado uma posição firme ao nosso lado no conflito na Ucrânia, onde estamos defendendo nossa soberania civilizacional contra o Ocidente coletivo e, assim, construindo a multipolaridade do nosso lado. Não apenas nos apoiando indiretamente ou diplomaticamente no espírito de “neutralidade” ou jogando dos dois lados, mas de forma decisiva e inequívoca — como a Coreia do Norte fez. Nesse caso, de Gaza em diante, a Rússia teria sido obrigada a apoiar os países islâmicos em seu conflito com o Ocidente. Em vez disso, muitos Estados islâmicos, no interesse de Israel e dos globalistas, participaram da derrubada do regime de Assad — um regime alinhado com as forças da Resistência, com a Rússia e o Irã, ou seja, com a multipolaridade — e, de forma míope, celebraram sua queda.
Não houve apoio resoluto a nós na Ucrânia por parte dos Estados islâmicos; eles vacilaram, embora pelo menos não tenham adotado uma posição claramente pró-Ocidente (o que já é algo). O Irã, para seu crédito, foi o que mais se aproximou de nós. E isso não será esquecido.
Portanto, a Rússia defende de forma consistente e inequívoca um mundo multipolar e se opõe ao unipolar, ao qual os neocons e globalistas americanos ainda se agarram desesperadamente. Isso é uma questão de princípio e de estratégia de longo prazo. E não há dúvidas sobre isso — não é negociável. Por isso, no nível dos princípios, apoiamos o surgimento de um polo islâmico soberano. A China também, embora de forma ainda mais cautelosa e vaga do que nós. A Índia, por razões políticas e religiosas internas, é contra.
O Ocidente, é claro, é ainda mais contrário, pois acha conveniente governar por meio das elites islâmicas corruptas de vários Estados — dividindo e conquistando, colocando todos contra todos: árabes contra turcos, turcos contra persas, xiitas contra sunitas e assim por diante.
É nesse contexto que a guerra entre Israel (e possivelmente em breve os EUA) e o Irã deve ser entendida. O próximo movimento não é da Rússia — nossa estratégia é clara e transparente —, mas do mundo islâmico. Agora é a hora de se unir e formar uma coalizão contra Israel e a hegemonia ocidental. Só então um polo islâmico realmente existirá. E só então haverá uma chance de vitória. Sozinhos, temo que ninguém conseguirá.
Fonte: Katehon
Tradução: Augusto Fleck