Há um aparente paradoxo ligado à questão do apocalipse ambiental que precisa ser abordado: o logotipo dominante na estrutura do tecnocapitalismo do novo milênio não apenas não permanece em silêncio diante do dilema do desastre iminente, mas o eleva a objeto de uma proliferação discursiva hipertrófica. A emergência ambiental e climática é, com razão, um dos tópicos mais enfaticamente enfatizados e discutidos na ordem dominante do discurso atual.
Isso parece, à primeira vista, uma contradição em termos, se considerarmos que colocar esse dilema equivale a enunciar a própria contradição do capital, que é seu fundamento. Não seria mais consistente com a ordem tecnocapitalista ocultar – ou pelo menos marginalizar – essa questão problemática, de maneira semelhante ao que acontece com a questão socioeconômica do classismo e da exploração do trabalho, rigorosamente excluída do discurso público e da ação política?
Afirmar que, ao contrário do problema da exploração do trabalho (que permanece em grande parte invisível e que, em todo caso, pode ser facilmente evitado pelo discurso dominante), a questão ambiental é clara e evidente diante do oculos omnium – diante dos olhos de todos – e, portanto, seria impossível evitá-la como se não existisse, significa fazer uma afirmação verdadeira, mas, ao mesmo tempo, insuficiente: Uma afirmação que, ademais, não explicaria as razões pelas quais o discurso dominante não só trata abertamente a questão, reconhecendo-a em sua plena realidade, mas até tende a ampliá-la e transformá-la em uma urgência e em uma verdadeira emergência planetária.
A tese que pretendemos sustentar a esse respeito é que há uma diferença notável entre a questão ambiental e a questão socioeconômica (que Marx chamaria, sem perífrase e com razão, de “luta de classes”). Essa última não pode, de forma alguma, ser “normalizada” e metabolizada pela ordem tecnocapitalista que, de fato, opera de forma que ela nem mesmo, tendencialmente, seja mencionada (nem ça va sans dire – nem é preciso dizer – pelas forças do quadrante esquerdo da política, há muito tempo redefinido como esquerda neoliberal ou, melhor ainda, “sinistrash” – esquerda lixo). Margaret Thacher, por outro lado, já havia colocado no ostracismo o próprio conceito de classe social, liquidando-o como um vestígio inútil e pernicioso do comunismo (em suas próprias palavras: “classe é um conceito comunista. Ele separa as pessoas em grupos como se fossem pacotes e depois as coloca umas contra as outras”).
Como foi mostrado mais extensivamente em nosso estudo Demofobia (2023), os direitos sociais são substituídos na ordem discursiva e na ação política pelos “direitos do arco-íris”, ou seja, pelos caprichos do consumidor que, além de nos permitir desviar o olhar do conflito de classes, são intrinsecamente funcionais à lógica neoliberal de expandir a mercantilização do mundo da vida. E as forças da política estão todas reorganizadas no centro extremo da grosse Koalition neoliberal, aparecendo cada vez mais como articulações do partido único do turbo-capital que eleva o fanatismo econômico e o classismo, o imperialismo e a alienação a um destino inelutável e a um horizonte exclusivo (não há alternativa).
Diferentemente da questão socioeconômica, a questão ambiental pode ser metabolizada e – literalmente – tornada lucrativa pela ordem tecnocapitalista por vários motivos. Vamos deixar claro, de agora em diante, no entanto, que a ordem discursiva neoliberal confronta e, de fato, amplifica a questão ambiental e climática no próprio ato em que a declara acessível e solucionável sempre e somente dentro da estrutura do tecnocapitalismo, neutralizando a priori a possibilidade de pensar em qualquer ulterioridade enobrecedora distante da prosa da reificação do mercado e da técnica. E é de acordo com essa chave hermenêutica que a intensificação discursiva neoliberal da emergência climática e ambiental, sempre caracterizada pela ocultação da matriz capitalista de desastres, pode ser explicada.
Se devidamente canalizada para os trilhos da globalização neoliberal, a questão ambiental pode desempenhar um papel eficaz para desviar a atenção da ordem dominante da questão socioeconômica, do classismo, da exploração e do imperialismo. Para entender esse uso apotropaico em todas as suas implicações, pode-se, por exemplo, consultar o relatório de 1991 intitulado A Primeira Revolução Global, publicado pelo “Clube de Roma”, uma associação fundada em 1968 pelo empresário Aurélio Peccei, pelo cientista escocês Alexander King e pelo bilionário turbo-capitalista David Rockefeller: uma entidade que pode ser corretamente classificada como um dos muitos think tanks (do Cato Institute à Heritage Foundation, do Adam Smith Institute ao Institute of Economic Affairs) a serviço da ordem dominante, para a qual eles fornecem o apoio ideológico.
Assim, lemos no relatório de 1991: “Na busca por um novo inimigo que pudesse nos unir, encontramos a ideia de que a poluição, a ameaça do aquecimento global, a escassez de água potável, a fome e coisas do gênero serviriam ao nosso propósito”. Em suma, a questão verde deve ser habilmente identificada como uma contradição fundamental e um “inimigo comum” capaz de nos unir (um novo inimigo para nos unir) em uma batalha que, por um lado, desvia o olhar do conflito entre Servo e Senhor e, por outro, leva o primeiro a aderir mais uma vez à agenda do segundo, notadamente às novas rotas do capitalismo ecologicamente correto, conforme serão esculpidas nos próximos anos.
O relatório do Clube de Roma pode ser acompanhado por outro documento, datado de dois anos antes, que, apesar das diferenças nas nuances e na intensidade das abordagens, propõe um esquema de pensamento convergente. Trata-se de um discurso proferido por Margaret Thatcher em 8 de novembro de 1989 na Assembleia Geral das Nações Unidas. Ele é animado, nas entrelinhas, pelo desejo de identificar um novo “inimigo comum” para substituir o “socialismo real”, que já estava em declínio (é significativo que o discurso da Dama de Ferro tenha ocorrido na véspera da queda do Muro de Berlim). E que, consequentemente, ele pode ser assumido como o novo desafio global ao capitalismo, envolvendo todos em seu projeto. Nas palavras de Thatcher: “De todos os desafios que a comunidade mundial enfrentou nesses quatro anos, um se tornou mais evidente do que qualquer outro, tanto em urgência quanto em importância: refiro-me à ameaça ao nosso meio ambiente global”.
O sermão da Dama de Ferro é, às vezes, ainda mais sintomático do novo Zeitgeist do que o relatório do “Clube de Roma”, especialmente em sua insistência na necessidade de abordar a questão ambiental sem renunciar ao imperativo do crescimento, preservando, assim, o capitalismo em uma forma eco-sustentável e, ainda assim, dedicado ao crescimento econômico. Novamente nas palavras de Thatcher, “precisamos acertar economicamente. Isso significa que primeiro precisamos ter um crescimento econômico contínuo para gerar a riqueza necessária para pagar pela proteção ambiental”. O truque – uma constante na ordem do discurso neoliberal – é denunciar o problema ambiental, acompanhando imediatamente a denúncia com o reconhecimento de que o crescimento, o desenvolvimento e a auri sacra fames – a maldita fome de ouro – do capital não são a causa, mas a possível solução: “devemos resistir à tendência simplista de culpar a indústria multinacional moderna pelos danos causados ao meio ambiente. Longe de serem os vilões, é com eles que estamos contando para investigar e encontrar as soluções”.
Assim, seguindo o discurso de Thatcher, que encapsula o novo espírito do capitalismo verde in statu nascendi (em estado de nascimento), a crítica ao capitalismo como causa da destruição ambiental (em uma palavra, o ambientalismo socialista) seria uma “tendência simplista”, devido ao fato de que as indústrias multinacionais, “longe de serem as vilãs”, são os agentes que podem conduzir a pesquisa e encontrar as soluções para o dilema. No entanto, o non sequitur em que a reflexão de Thatcher e, com ela, a própria razão de ser neoliberal, fica presa é que, mesmo supondo que as empresas multinacionais pudessem encontrar a solução, isso não pode servir de álibi para sua responsabilidade pela gênese da tragédia, como parece ficar evidente na passagem citada acima. E, em todo caso, como tentaremos mostrar, as “soluções” buscadas e encontradas pela indústria multinacional moderna sempre se movem com base na aceitação (e na reprodução perpétua) da contradição que gera o problema.
Assim, a ordem hegemônica admite e até mesmo incentiva o discurso sobre a catástrofe, desde que ele seja invariavelmente articulado dentro dos perímetros do cosmos tecnocapitalista, assumido como um a priori histórico inalterável ou, em todo caso, como o melhor sistema possível, tanto entre os que já existiram quanto entre os que poderiam eventualmente existir como alternativa. A evocação constante da catástrofe climática e a demanda para remediá-la são, portanto, permitidas e, além disso, constantemente induzidas, desde que as receitas e soluções sejam administradas pela lógica do lucro e pela manutenção da forma-valor como o fundamentum do sistema de produção.
Finalmente, se o ambientalismo neoliberal é abertamente promovido e praticado pelos modelos políticos do Ocidente – ou, para ser mais preciso, do Ucidente –, o ambientalismo socialista é desencorajado e demonizado, seja com base no que Fisher definiu como “realismo capitalista” (segundo o qual não haveria alternativas ao que existe), seja com base na estigmatização da paixão utópica e anti-adaptativa, ideologicamente assumida como premissa para a violência e o retorno das atrocidades do século XX.
Em outras palavras, o turbo-capitalismo levanta e debate a questão do apocalipse verde apresentando-se como a solução e não como a origem do problema: dessa forma, enquanto as causas da catástrofe são cultivadas, ele se propõe a trabalhar os efeitos, em uma perspectiva que, além disso, é funcional à preservação da lógica do próprio capitalismo. Não é preciso dizer que confrontar o dilema ambiental enquanto se permanece no terreno do tecnocapitalismo significa, na melhor das hipóteses, não resolvê-lo e, na pior (como acreditamos ser o caso), fortalecer ainda mais a base da catástrofe.
Em particular, tentaremos mostrar como, na forma do ambientalismo neoliberal, o discurso turbocapitalista sobre o apocalipse verde tenta, por um lado, modular as estratégias de resolução da catástrofe que, pressupondo a ordem tecnocapitalista e sua manutenção, estão todas fadadas ao fracasso e, por outro lado, neutralizar preventivamente a viabilidade da opção do ambientalismo socialista. Sem exagero, se o logotipo hegemônico faz do discurso ambiental o seu próprio discurso, isso se deve ao seu desejo de removê-lo do campo socialista, trazendo-o de volta – e, portanto, “normalizando-o” – para o terreno neoliberal, e não ao seu desejo real de remediar o cataclismo iminente. Por outro lado, para os porta-estandartes do fanatismo tecnoeconômico, parafraseando Jameson, é mais fácil e menos doloroso imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo.
Há três razões principais para a hipertrofia discursiva da questão ambiental na era neoliberal, cada uma das quais será discutida a seguir: (a) a transformação da própria emergência ambiental em uma fonte de extração de mais-valia, o que ocorre sobretudo em virtude do sistema manipulador da economia verde e de suas “fontes renováveis” de negócios; (b) o embaçamento do olhar em relação ao conflito socioeconômico (que, como foi lembrado, não pode ser incorporado e normalizado na ordem tecnocapitalista, ao contrário da questão ambiental); c) a fábrica de crises e o uso governamental da emergência, na forma de um “Leviatã verde” que usa a própria crise como ars regendi – a arte de governar – para consolidar, otimizar e expandir a dominação tecnocapitalista sobre a vida.
Com base nesses pressupostos, a economia verde pode ser corretamente entendida como a solução que a razão neoliberal propõe para a questão ambiental, em uma tentativa não tanto de salvar o planeta (e, portanto, a vida) do capitalismo, mas de salvar o próprio capitalismo dos impactos ambientais e climáticos. Em outras palavras, a economia verde aspira a garantir que o capital possa, de alguma forma, superar sua contradição intrínseca que se traduz no esgotamento dos recursos e na neutralização da “substituição orgânica” da memória marxiana: para tornar isso possível, o punctum quaestionis – a questão principal – leva à redefinição do próprio capitalismo, de acordo com uma nova configuração verde, que lhe permite continuar a valorização do valor, evitando a recessão e adiando no tempo a eclosão da contradição.
As elites turbo-financeiras apátridas estão se apropriando das crescentes demandas ambientalistas, nascidas na década de 1970 e que se tornaram cada vez mais sólidas, e desviando-as para os circuitos da economia verde, em coerência com a qual o limite ambiental deve ser percebido não como um obstáculo ao desenvolvimento, mas como uma oportunidade sem precedentes para o lucro, como um motor renovado de crescimento e como a base de um novo ciclo de acumulação.
O erro que sustenta a base da “economia verde” e, de modo mais geral, o ambientalismo neoliberal em todas as suas extra-inspeções, pode ser facilmente identificado na convicção geral de que a contradição não está no capitalismo ut sic – como tal – mas em seu funcionamento, ainda não adequadamente calibrado para encontrar um equilíbrio com a natureza. Em suma, o capitalismo é visto como uma terapia para um mal que, na melhor das hipóteses, pode ser entendido como uma consequência de uma aplicação ainda aperfeiçoável do próprio capitalismo. Não é preciso dizer que o que escapa à raison d’être neoliberal é que, como Marx e Heidegger demonstraram, embora em bases diferentes, é o próprio fundamento do tecnocapitalismo que consome entidades em sua totalidade e leva à exaustão da natureza.
Em resumo, o capitalismo não está doente, como os arautos da economia verde e do ambientalismo neoliberal parecem querer sugerir: ele é a doença. Portanto, o que precisamos não é curar o capitalismo, mas curar a humanidade e o planeta do capitalismo. Isso significa que nem a justiça social nem mesmo o verdadeiro ambientalismo podem acontecer sem o anticapitalismo. Alegar a cura do capitalismo significa apenas perpetuar, em novas formas, o sistema de opressão do homem sobre o homem e a natureza.
A devastação ambiental e a mudança climática geradas à sua própria imagem pelo tecnocapital (heideggeriano em seu “esquecimento do Ser” e em sua vontade de poder de crescimento excessivo) tornam-se, graças à economia verde, um fenômeno por meio do qual a astúcia da razão capitalista (como também poderíamos chamá-la, tomando emprestada a fórmula hegeliana), ilude-se ao acreditar que pode resolver a contradição, agora inegável porque é evidenciada por dados científicos e experiências cotidianas.
Em outras palavras, uma vez que a contradição é real e evidente, e seus efeitos desastrosos tendem a se manifestar já no tempo presente, a ordem liberal trabalha para resolvê-la por métodos que não questionam a própria ordem capitalista e que, além disso, permitem sua manutenção e até mesmo sua potencialização.
De acordo com a linha teórico-prática aberta pelo “Relatório Stern” (2006), a economia verde concebe novas fontes de lucro que, sem realmente afetar o processo de produção, simplesmente têm, ou parecem ter, menos impacto sobre o meio ambiente e o clima. Em essência, eles recomendam que devemos simplesmente fazer o que já fazemos, mas de forma ecológica. E assim, o capitalismo não apenas engana a si mesmo (e a nós) fingindo ter encontrado a solução para a catástrofe ambiental, em cujo desencadeamento foi um fator importante, mas também revitaliza a si mesmo e a sua própria lógica, alterando as premissas do modo de produção e conquistando novos mercados, inventando novas estratégias e incentivando o consumo de novas mercadorias “eco-sustentáveis”.
Fonte: Geopolitika.ru.