Sobre a Geopolítica do Irã

Um panorama dos fundamentos do poder iraniano bem como de seu potencial estratégico.

O Irã (em persa, Eran Shahr – “Reino dos Árias”), historicamente conhecido como Pérsia, possui uma população de cerca de 90 milhões de habitantes e uma área de 1,6 milhão de quilômetros quadrados, equivalente a quatro vezes e meia o território da Alemanha. O Irã conta com excelentes fronteiras naturais, uma posição estratégica, uma autoconfiança nacional bem definida e uma tradição profunda que reforça seu status de Estado soberano. Sua orientação geopolítica, sua localização, a estrutura e distribuição favoráveis de sua população (continental), sua vocação industrial e seu isolamento forçado no comércio internacional fazem do Irã uma das últimas potências terrestres (em oposição a uma potência marítima). As particularidades do sistema bancário iraniano também podem ser mencionadas neste contexto: a lei bancária proíbe a usura e a especulação no mercado de ações. O Irã tem uma balança comercial positiva, uma balança de pagamentos ativa e uma baixa dívida externa (possivelmente devido às sanções).

O Irã está localizado na parte meridional da Eurásia, entre as macrorregiões do Oriente Médio e o subcontinente indiano, cercado por cadeias montanhosas fronteiriças, o mar Cáspio e o oceano Índico. A Pérsia histórica (o Irã, o Afeganistão, o Tajiquistão e, possivelmente, os atuais Turcomenistão e Uzbequistão) pode ser designada pelo termo colonial britânico “Oriente Médio”.

Fronteiras Naturais

Os montes Zagros formam as fronteiras naturais entre o Mashriq (Oriente Árabe) e o núcleo histórico da Pérsia. Uma muralha de florestas de carvalhos com quatro quilômetros de altura sempre protegeu a Pérsia a oeste, e poucos exércitos conseguiram atravessá-la, como os arameus, Alexandre da Macedônia e, por fim, os omíadas, que invadiram a Pérsia em meados do século VII e ali estabeleceram o Islã. É a essa cadeia montanhosa que o Irã deve seu status de Estado moderno. Quando o exército iraquiano invadiu o Irã em 1980 com o apoio dos EUA e da URSS, os iraquianos não conseguiram atravessar os pântanos da Mesopotâmia e a cordilheira de Zagros. Nas encostas dos Zagros, existem falhas geológicas e depressões com areias pantanosas não solidificadas (chamadas gilgai), difíceis de atravessar, o que torna extremamente complicada a passagem de comboios blindados.

A capital, Teerã, é uma metrópole colossal de tipo asiático, com 9 milhões de habitantes, representando metade da indústria iraniana. Ao norte do Irã, a capital é protegida pelos planaltos armênios, que são delimitados pelos montes Alborz. O ponto culminante dos Alborz é o vulcão Damavand, que atinge 5.609 metros acima do nível do mar. O país é separado da antiga Rússia czarista, da União Soviética e do atual Turcomenistão pela muralha de 600 km de extensão formada pelos montes Köpetdag (cerca de 3.000 m de altitude), com encostas instáveis, relevo cárstico e frequentes terremotos. O Köpetdag também forma uma espécie de barreira que protege o país ao norte e, novamente, poucos conquistadores conseguiram atravessá-lo ao longo da história. Na verdade, apenas os partas, os turcos seljúcidas no século XI e, mais recentemente, os mongóis no século XIII lograram fazê-lo.

O próprio Irã é extremamente montanhoso. Cadeias montanhosas ocupam também o centro do país (um planalto cujos picos mais altos chegam a quase 4.500 metros acima do nível do mar), e entre as cristas montanhosas existem bacias salinas com estruturas de diapiros (domos de sal), associadas a jazidas de petróleo e gás (o Irã possui a terceira ou quarta maior reserva mundial de petróleo, depois da Venezuela, do Canadá e da Arábia Saudita, e a segunda maior reserva de gás natural, atrás apenas da Rússia, segundo estimativas da Gazprom). Os desertos de sal e areia são inabitáveis e correspondem a cerca de um terço do país.

Em caso de um ataque terrestre americano ao Irã, a geografia favorece as opções defensivas. Com suas cadeias montanhosas internas, as cidades estariam bem protegidas se o Irã dispusesse de defesas aéreas suficientes. A defesa antiaérea é, portanto, um elemento absolutamente essencial para o Irã, e esse fato por si só justifica a cooperação com a Rússia (os israelenses e americanos sabem disso, é claro, e é por isso que ameaçam bombardear o Irã enquanto a Rússia está ocupada na Ucrânia e precisa usar todos os seus sistemas S-300 e S-400). O Irã também possui uma rede de transporte pouco densa. Muitos corredores de transporte que ligam as grandes cidades são cercados por desertos e margeiam cadeias de montanhas, o que dá vantagem aos defensores, e o deslocamento de comboios americanos nesse terreno, combinado com tempestades de areia e nevascas, pode se tornar um pesadelo semelhante ao do Afeganistão.

No norte do Irã, o clima é igualmente severo, com oásis no meio da estepe eurasiática, outrora habitada por nômades. O clima é continental, e a presença de um grande mar, o Cáspio, provoca regularmente nevascas semelhantes às do estado de Michigan. Em 1972, uma nevasca causou uma acumulação de neve de 10 metros em uma semana, resultando em 4.000 mortes.

A Tradição de Estado

Talvez seja devido às fronteiras naturais mencionadas anteriormente que uma tradição estatal notável e profundamente enraizada tenha se desenvolvido aqui. Mesmo nos períodos mais difíceis, o Estado iraniano sempre demonstrou uma tendência a ressurgir e persistir. Afinal, foi aqui, nas margens dos rios Karun e Kerch, que o império mais antigo da humanidade que conhecemos — o império de Elam, com sua capital em Susa — foi fundado no 7º milênio antes de Cristo. Trata-se de uma região da Pérsia histórica, fronteiriça com a Mesopotâmia.

A partir do 4º milênio a.C., tribos arianas penetraram em Elam. Apesar da invasão dos arameus (sírios) no século VIII a.C., a identidade ariana, incluindo as chamadas línguas arianas, preservou-se até hoje. Os iranianos não são árabes e não falam árabe fluentemente. Os iranianos das montanhas e do interior têm traços mais claros e falam línguas indo-europeias, enquanto os grupos étnicos persas lembram mais os povos dos Bálcãs do que as regiões habitadas por turcos ou árabes — alguns até têm cabelos loiros e olhos azuis.

Os aquemênidas, os partas e os sassânidas se sucederam até o século VII, quando a Pérsia foi conquistada pelos omíadas (árabes), uma dinastia sunita de califas originária de Damasco. Essa dinastia foi derrubada por uma revolta xiita em massa, que levou ao poder a dinastia sunita dos abássidas de Bagdá, a partir da qual governaram a Pérsia.

No século XI, os turcos seljúcidas invadiram a Mesopotâmia, seguidos pelos mongóis no século XII. Hulagu, neto de Gengis Khan, conquistou Bagdá em 1258, cujo destino foi muito pior que o de Riazan e Kiev na mesma época. Os mongóis massacraram 100 mil habitantes de Bagdá e empilharam seus crânios após a vitória. Assim terminou o apogeu e a era de ouro do império árabe. Vale lembrar que os mongóis não eram primitivos: eram extremamente organizados, possuíam conhecimento geográfico detalhado, logística eficiente, e os engenheiros chineses construíram máquinas de cerco e produziram pólvora para eles (o historiador Lev Gumilev escreveu sobre como esse “elemento das estepes” foi formativo na cultura russa). Na Mesopotâmia, os mongóis converteram-se ao xiismo e estabeleceram o Ilcanato (o primeiro xá xiita da corrente ithnā casharīya foi Ismail I, em 1501, fundador da dinastia Safávida). As minorias xiitas dispersas no Oriente Próximo e Médio — como no Líbano, Bahrein e Iraque (mas também na Índia e Afeganistão) —, que hoje atuam como braços armados do Irã, remontam a esse período. No próprio Irã, questiona-se até que ponto os alauitas da Turquia (cerca de 20% da população) e da Síria (10%) — de vertente xiita distinta da iraniana — podem ser aliados naturais, assim como os zaiditas do Iêmen.

No início do século XVIII, governava o último dos grandes xás da Pérsia, Nadir — o “Bonaparte da Ásia”. Nadir Shah conquistou o Iraque, invadiu a Índia e saqueou Délhi. A Pérsia, como a China, voltou-se para dentro e estagnou, enquanto o Ocidente ganhava enorme superioridade tecnológica. O Iluminismo não floresceu na Pérsia ou na China (ao contrário do Império Otomano). A Pérsia continuou a encolher ao longo da história, com dinastias cada vez menos relevantes, abraçando o isolacionismo (assemelhando-se à Rússia czarista e à China) até que, em 1941, tornou-se um Estado fantoche colonial.

Desde Nadir Shah, o Irã adotou uma postura defensiva e não atacou diretamente nenhum de seus vizinhos nos últimos 200 anos. Nas últimas décadas, o Irã soube construir habilmente redes de influência no Oriente Médio, armando os combatentes do Hezbollah libanês (que bombardeiam Israel), os xiitas iraquianos do Exército do Mahdi (responsáveis por três revoltas antiamericanas sangrentas na Mesopotâmia) e explorando diplomaticamente a minoria xiita no Afeganistão (os hazaras, de origem mongol e falantes de persa) e no Bahrein. O Irã é odiado por israelenses e salafistas (especialmente a Arábia Saudita), que o veem como um rival geopolítico numa versão xiita-sunita da Guerra dos Trinta Anos. Os salafistas não consideram os xiitas como muçulmanos, mas como apóstatas e “demônios”.

A Posição Estratégica do Irã

Desde 1941, o Irã é um Estado fantoche controlado por britânicos e americanos. Muhammad Reza Shah Pahlavi Aryamehr (“Rei dos Pahlavi, Luz dos Árias”), da etnia mazandaranita, foi colocado no poder. O xá manteve a unidade do país (reprimindo separatistas curdos e turcos), mas a secularização forçada gerou descontentamento popular. Em 1953, o primeiro-ministro do xá, Mohammad Mossadegh, nacionalizou os campos petrolíferos iranianos, prejudicando os interesses americanos e britânicos. No mesmo ano, Mossadegh foi derrubado por um golpe militar arquitetado pela CIA (Operação Ajax) e condenado à prisão perpétua — em prisão domiciliar, por intercessão do xá (os EUA chegaram a propor sua execução). Os americanos restauraram uma monarquia fantoche, com Pahlavi no comando.

A importância do Irã reside no fato de que a Rússia, seja tsarista ou soviética, poderia obter, através dele, não apenas reservas de hidrocarbonetos, mas também acesso livre ao oceano Índico e, assim, seu primeiro porto em águas quentes. O Irã possui cerca de 500 km de costa no mar de Omã, de onde pode acessar livremente o oceano Índico, incluindo o estratégico porto de Chabahar, na fronteira com o Paquistão. A estratégia anglo-saxônica de impedir que a Rússia na Ásia alcançasse um oceano livre e não congelado era chamada de Great Game no Império Britânico do século XIX; no século XX, essa mesma estratégia foi rebatizada de containment do comunismo pelos americanos (mais recentemente, esse bloqueio naval da Ásia foi chamado de “guerra ao terror” e, agora, de Make America Great Again).

Os ocidentais também se limitaram a controlar a faixa costeira quando o Irã estava subjugado, apoiando o Xá para manter a unidade do país — com medo de que as províncias separatistas do Curdistão e do Azerbaijão Sul fossem absorvidas pela União Soviética, aproximando-a perigosamente do Golfo Pérsico.

Em 1978, ocorreu um evento totalmente inesperado. Estudantes radicais trouxeram de volta do exílio o clérigo popular, poeta e místico, o aiatolá Khomeini. O Xá foi deposto em 1979 durante a revolta xiita, e os americanos foram forçados a evacuar suas bases (cerca de 60 diplomatas dos EUA ficaram como reféns no Irã até 1981). Os campos petrolíferos foram nacionalizados, e o Irã foi submetido a um bloqueio naval e pesadas sanções econômicas que persistem até hoje. A Pérsia também foi rebatizada de “Irã”, e o nome étnico “persa” — que se referia apenas a uma nacionalidade — foi substituído por um termo mais abrangente, evitando tensões étnicas. A revolução islâmica xiita não seria justamente o “terceiro caminho” tão buscado por Cuba, Egito e Índia (ou talvez até pela direita francesa e italiana dos anos 1960-70), mas que só foi concretizado pelo Irã e pela China?

Em 1980, em retaliação à humilhação sofrida e à nacionalização do petróleo, os EUA armaram o Iraque e deram a Saddam Hussein um “cheque em branco” para atacar o Irã — uma resposta ao desmantelamento do partido comunista pela URSS. A guerra brutal, com suas trincheiras, gases venenosos e crianças-soldados, durou oito anos. Ao custo de um milhão de mortos, o Irã defendeu sua independência.

A República Islâmica do Irã é uma teocracia de fato, apesar do termo “república” em seu nome oficial. O país é governado por um líder espiritual xiita eleito pelo Conselho de Especialistas, em um processo semelhante à eleição papal (no islamismo xiita, cada crente escolhe seu próprio líder espiritual; essa “sucessão apostólica” de linhagens iniciáticas é absolutamente crucial na teologia xiita). O atual líder supremo é o aiatolá Sayyid Ali Khamenei — um homem sereno, piedoso e humilde, eleito em 1989 contra sua própria vontade. Ele era um “simples” aiatolá (há cerca de 200 no Irã), não um Grande Aiatolá como seu antecessor, Khomeini (o Irã tem cerca de 15 desses). Recomendo ao leitor ouvir os discursos de Khamenei: ele não é um revolucionário carismático no estilo Che Guevara, como Khomeini, mas lembra mais os papas pós-conciliares ou pastores conservadores que sempre dizem o que se espera deles. Afinal, ele tem quase 90 anos e nunca quis ser líder espiritual.

Há também uma oposição pró-Ocidente no Irã, visível nos EUA, França e Reino Unido, mas ela é numericamente pequena e lembra mais os “maniobristas” da Tchecoslováquia de Husák (diz-se que são recrutados entre cristãos armênios e georgianos ou membros da seita bahá’í, proibida no país). É essa corda que os israelenses tocam, incitando os persas a “derrubar os tiranos”. Segundo Henry Kissinger, essa oposição interna foi esmagada após os protestos de 2009; e, para o professor Komarek, instituições como a polícia secreta e o exército iraniano atraem verdadeiras elites sociais, não oportunistas.

População

Além das fronteiras naturais, a cultura e a religião reúnem todos os grupos étnicos do Irã. Os povos xiitas que compõem o Estado são os persas, os turcos da tribo azeri, os iranianos lurs que vivem em Zagros e os mazanis que vivem em Alborz. O fundador da dinastia Safi, Ismail, o atual líder espiritual do Irã, o aiatolá Khamenei, e o ex-presidente Ahmadinejad são turcos xiitas (azeris), não persas. As minorias sunitas – e, portanto, potencialmente problemáticas – são os baluchis, curdos, tadjiques, árabes e turcomanos. O Irã também tem um quarto de milhão de mazdeístas. Os membros dessas minorias não podem se candidatar a cargos de alto nível no serviço público, na polícia ou no exército.

A religião oficial do Irã é o islamismo xiita Ithnā’ashariyya — uma vertente apocalíptica que aguarda o retorno do Imam Oculto, o Mahdi. Os iranianos possuem uma cultura única. Como em outras partes do Oriente (por exemplo, na Turquia ou na China), eles seguem um sistema complexo de diplomacia e etiqueta chamado taarof. Quem desconhece esse código muitas vezes tem a impressão ilusória de que os iranianos são incrivelmente gentis, afáveis e hospitaleiros; turistas mal informados, em especial, acabam sem querer abusando da generosidade de anfitriões que os convidam para almoçar ou compram seus bilhetes de trem sem que haja real consentimento (na prática, a ausência de etiqueta complexa beneficia povos jovens, predadores e tecnocratas — como americanos e australianos —, que simplesmente impõem verdades objetivas em negociações, tomando decisões eficazes. Já a diplomacia persa é formidável, e os iranianos são excelentes negociadores — afinal, conseguiram construir uma rede de influência no Oriente Médio e um corredor terrestre até o Líbano nas últimas duas décadas sem chamar atenção).

A sociedade persa é conservadora — por exemplo, ainda diferencia os gêneros como se fazia há um século no Ocidente (discriminare, em latim, significa “distinguir”; se as feministas quiserem traduzir como “discriminar”, que assim seja). Há escolas separadas para meninos e meninas, com diretores e diretoras, e costumes similares existem no ambiente de trabalho (fábricas masculinas e femininas). Particularmente, não vejo nisso motivo plausível para bombardear uma civilização milenar.

Os líderes iranianos sabem que os EUA tentarão retornar — Henry Kissinger deixou isso claro. Armas nucleares e mísseis hipersônicos são seus únicos meios de alcançar paridade estratégica. Entre 2010 e 2012, Israel assassinou cinco físicos nucleares iranianos, e outro foi morto em 2020. Esses ataques refletem o temor de que, com armas nucleares, o Irã possa neutralizar Israel ao armar seus aliados xiitas no Iraque e no Líbano. Como “maior base militar americana”, Israel seria o primeiro alvo em um conflito com os EUA.

Em janeiro de 2020, o presidente Donald Trump ordenou o assassinato do general Qassim Soleimani, comandante da Guarda Revolucionária, durante uma visita oficial ao Iraque. Logo após, uma série de outros ataques ocorreram, e Israel bombardeou embaixadas iranianas na Síria e no Líbano. Em julho de 2024, os israelenses mataram Ismail Haniyeh, líder moderado do Hamas, com um míssil guiado durante sua visita ao Irã. Todas essas ações são profundamente ofensivas para o Irã, mas sua resposta tem sido limitada.

Setor primário

A economia iraniana sofre pesadas sanções desde 1978 e foi exaurida pela guerra prolongada com o Iraque. Apesar de possuir uma das maiores reservas de petróleo do mundo, só pode exportar crude e derivados básicos para a China, a preços abaixo do mercado. Bloqueios navais praticamente o excluíram do comércio internacional. Alimentos foram isentos de sanções desde o início, e medicamentos, a partir de 2000. Houve breves flexibilizações após 2000, permitindo acesso a componentes ocidentais e licenças de engenharia.

O Irã não tem um setor agrícola robusto devido às suas condições naturais e depende de importações de trigo e alimentos básicos (exporta apenas produtos secundários: passas, tâmaras, mel, melões, pêssegos, caviar e açafrão). O país nunca foi totalmente mapeado geologicamente, mas provavelmente abriga vastos recursos minerais. Em 2023, anunciou a descoberta da terceira maior reserva de lítio do mundo.

Eixo Moscou-Teerã

A crise ucraniana, que isolou a Rússia da Europa, deu ao eixo norte-sul (Moscou-Teerã) uma importância sem precedentes (quem imaginaria há cem anos?). O Irã construiu o porto de Shahid Rajaee em Hormuz, que permitirá à Rússia acessar o oceano Índico. Os russos estão desenvolvendo um corredor ferroviário entre Hormuz e o porto de Rasht, no mar Cáspio. De lá, a rota seguirá por Astara e Azerbaijão até a Rússia. O Azerbaijão, aliado-chave de Israel no Cáucaso, é um problema para ambos, mas pode ser contornado via Cáspio — por enquanto.

Em 2024, o Irã ingressou nos BRICS e assinou um acordo estratégico com a Rússia na véspera da posse de Trump. Apesar disso, iranianos e russos nunca tiveram relações estreitas; os iranianos veem os russos como uma variação dos ocidentais, e a cooperação deriva mais de necessidade mútua do que de afinidade. Se os EUA são o “Grande Satã”, a URSS era o “Pequeno Satã”. Os iranianos também lembram duas guerras perdidas contra o Império Russo no século XIX — sem a invasão napoleônica de 1812, os cossacos talvez tivessem chegado ao oceano Índico.

Até no Oriente Médio, russos e iranianos têm interesses distintos. Enquanto a Rússia apoiou regimes baathistas na Síria e no Iraque para enfraquecer o domínio anglo-saxão, o aiatolá Khomeini via os Estados da região como criações artificiais de colonizadores, feitas para dividir a ummah (daí os aiatolás apoiarem a Primavera Árabe, ao contrário dos russos).

O Irã está construindo oleodutos estratégicos através do Paquistão em direção à Índia, permitindo-lhe contornar as sanções antirrussas e o bloqueio naval americano no âmbito dos BRICS, além de exportar seus próprios hidrocarbonetos, bem como os do Turcomenistão e da Rússia, para o subcontinente indiano. Essa também é a razão pela qual os EUA apoiam separatistas e terroristas wahhabitas no Baluchistão iraniano, região fronteiriça entre o Irã e o Paquistão.

Em vez de arriscar operações terrestres no Irã — que, dado o patriotismo de sua população e as condições naturais do terreno, seriam equivalentes a dois ou três Afeganistões combinados —, os americanos tentam transformar o Baluchistão numa “Ucrânia dos iranianos”, bloqueando assim o corredor paquistanês, que não pode ser contornado por nenhuma outra rota. (Essa estratégia é ainda mais complicada pelo fato de os balúchis não serem uma nação industrializada como os ucranianos, mas um povo de pastores nômades que habitam desertos.)

Outra opção considerada pelos EUA é um bombardeio preventivo — destruindo infraestruturas, pontes, entroncamentos ferroviários, gasodutos, indústrias, usinas elétricas e portos, na esperança de que o caos seja explorado pela oposição para um golpe de Estado ou por separatistas étnicos, aos quais os americanos poderiam fornecer armas no momento oportuno. (Tanto o Xá quanto o Aiatolá Khomeini enfrentaram problemas com separatistas no Khuzistão, Baluchistão, Curdistão e outras regiões, mas conseguiram manter a unidade do país.)

Alternativamente, os EUA podem adotar a mesma abordagem usada na Iugoslávia, Líbia, Síria e Iraque — porém, esses países não tinham capacidades defensivas equivalentes, eram muito mais fragmentados et, ao contrário do Irã, não possuíam uma tradição estatal consolidada; eram, na verdade, Estados artificiais, desenhados no mapa por britânicos e franceses no início do século XX.

Os acordos de cooperação com a Rússia serão suficientes para dissuadir americanos e israelenses? Difícil dizer. Afinal, o influente geógrafo israelense Robert Kaplan já deixou claro que o “Irã ideal”, após a queda do regime xiita, seria “amorfo”, fragmentado em pequenos “-stans” particularistas. Então, como diz Henry Kissinger, os EUA retornariam para desempenhar seu “papel de equilibrista”, ou seja, opor e balcanizar os diversos “-stans”, alimentando rivalidades entre eles, como fizeram na Iugoslávia.

A infraestrutura energética é o elo mais fraco na defesa iraniana. Todo o país depende de sua própria rede de gás e usinas termelétricas. Um colapso nos gasodutos poderia deixar vastas regiões sem aquecimento, eletricidade e, consequentemente, sem indústria.

Indústria

O ensino técnico não tem uma longa tradição no Irã. O florescimento da ciência árabe foi brutalmente interrompido pela invasão mongol, e os persas sempre foram mais letrados, diplomatas, juristas, místicos e poetas — o persa foi a lingua franca do Oriente Médio, a língua da corte entre mogóis e otomanos. Claro, essa realidade está mudando, mas é difícil criar uma indústria do zero num país sem tradição técnica (é fácil zombar dos iranianos; por outro lado, a existência de qualquer indústria ali já é um milagre). Porém, considerando o ritmo atual de desindustrialização na Europa, daqui a cinquenta anos, talvez nós é que os invejemos… O Irã já produz petroleiros e trens (sob licença francesa), submarinos diesel-elétricos, refinarias, máquinas agrícolas e de construção, réplicas de equipamentos militares soviéticos, norte-coreanos e americanos, plataformas de perfuração, ogivas, turbinas a gás, usinas elétricas, caldeiras, aparelhos de ar-condicionado, chapas de alumínio e lingotes de aço. A partir de 2022, o país passou a fabricar drones militares baratos e de alta qualidade, os Shahed.

O Irã exporta drones suicidas equipados com motores a jato para a Rússia, onde também é produzido sob licença o modelo Geran-2. Além disso, o país possui seu próprio sistema de navegação por satélite (seus satélites foram colocados em órbita pelos russos). Em resposta a assassinatos e ataques terroristas israelo-americanos, o Irã lançou este ano cerca de 200 mísseis contra bases aéreas israelenses que, para grande horror do Ocidente, voaram sem problemas por 1.500 km através do espaço aéreo do Iraque e da Jordânia, penetrando profundamente no sistema “Domo de Ferro”. Acredita-se que o lançador balístico manobrável, com alcance estimado entre 7.000 e 10.000 km, tenha sido desenvolvido pelo Irã com ajuda da Rússia ou da Coreia do Norte. Se o Irã acumular um grande estoque de mísseis e desenvolver uma bomba nuclear, o Ocidente será forçado a lidar com ele por outros meios que não ameaças, sanções, assassinatos e terrorismo.

Conclusão

O Irã é o representante por excelência de uma potência continental eurasiática e um ator regional crucial. A maldição do Oriente Médio é que o Islã vive uma espécie de versão oriental das Guerras da Reforma e da Guerra dos Trinta Anos — wahhabitas contra xiitas. Essa rivalidade é habilmente explorada por israelenses e americanos.

Apesar disso, o Irã tem uma carta geopolítica na manga: em caso de conflito com os atlantistas, pode bloquear cerca de 20% do comércio global de petróleo e GNL fechando o Estreito de Ormuz, pressionando os EUA internacionalmente (o Irã também é membro da OPEP, embora relutante). E, se armar os hashashin no Iêmen, o risco de bloquear o Bab al-Mandab — e, consequentemente, o Canal de Suez — será real.

Donald Trump ousará provocar um conflito cujas consequências ecoarão por toda a Eurásia? Só ele sabe, mas é plausível que sim. Afinal, os EUA não dependem do Suez, e com o fracking no Oklahoma, tampouco precisam tanto do Golfo. A ideia de um Ormuz fechado por meses, com petroleiros acumulando-se no Golfo e os preços do petróleo disparando, aterrorizaria países industrializados — mas, por outro lado, não seria tão radical quanto a primeira crise do petróleo ou o fechamento do Suez após a Guerra dos Seis Dias (hoje há muito mais reservas conhecidas).

Até agora, os EUA conseguiram perturbar o comércio entre Europa e Rússia. Ao quebrar o Irã, poderiam cortar a Rússia do oceano Índico, do subcontinente indiano e do Oriente Médio. E se o Irã retaliar bloqueando Ormuz e Bab al-Mandab, também poderá isolar a Europa do gás do Catar e do comércio com a China, tornando-a ainda mais dependente dos excedentes americanos — se é que existirão.

Afundar a Eurásia seguindo o manual britânico do século XIX seria, então, a receita de Trump para tornar a América “grande” novamente? A resposta pode estar nas próximas movimentações geopolíticas.

Fonte: Geopolitika.ru

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Jan Procházka
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