Enquanto a mídia liberal se derrete pela morte de Pepe Mujica precisamos analisar o que há por trás desse mito contemporâneo.


Entre todas as virtudes e valores eu diria que a humildade é uma das mais superestimadas, especialmente por sua tendência a se chocar com a dignidade (e a consciência da própria dignidade), cuja importância se sobrepõe nas figuras públicas.
Não casualmente, na era das inversões em que vivemos, a humildade é exatamente uma das virtudes mais exaltadas nas figuras públicas. Líderes, autoridades e personalidades dotadas de um senso de dignidade, de uma preocupação com pompa, etiqueta e ritualística, geram incômodo e desconforto no homem-massa, acostumado (especialmente hoje, na era da internet) com a proximidade absoluta de tudo.
A distância é insuportável para o homem-massa dos nossos tempos. Tudo deve ser conhecido, todas as experiências e lugares devem ser acessíveis, todos os homens devem ser trazidos ao nosso patamar. “Ninguém é melhor do que ninguém”.
Infelizmente, há figuras públicas que (a contrario sensu, não raro por vaidade) entretêm esse desejo vulgar por uma permanente promiscuidade social ao representarem o papel do “líder com pés descalços”. Acessíveis, avessos à reafirmação da própria hierarquia e do próprio valor, desprezadores dos signos de seus cargos, os “humildes” são os tipos mais elogiados e exaltados por essa plataforma da nivelação que é a mídia de massa.
O recém-falecido Pepe Mujica seguia precisamente essa linha. Não havia nada de “presidencial” em sua figura, e ele tampouco desejava que houvesse. Ao contrário, ele quis representar, mesmo enquanto presidente, o papel de “tio do bar”, enquanto era exaltado por revistas estadunidenses como “presidente filósofo” (!) por suas críticas absolutamente normais à acumulação pessoal de bens e ao capitalismo.
Não se entenda mal: a austeridade é, de fato, um valor. Mas a austeridade deve vir acompanhada da dignidade, especialmente quando estamos falando de ocupantes de cargos públicos. Um rei, presidente, ditador, papa ou o que seja até pode dormir em uma cama dura em um cubículo, mas em público ele deve estar revestido de todas as representações típicas do poder e da autoridade de seu cargo.
Agora, bem, apesar de toda a exaltação delirante por parte da mídia, o governo de Mujica como Presidente do Uruguai foi tão “indistinto” quanto o foi o seu estilo pessoal. Na prática, seu governo foi sem sobressaltos econômicos, basicamente servindo para confirmar e aprofundar o papel do Uruguai na divisão internacional do trabalho como país agroexportador e subalterno.
Mas o pior é que em todas as outras áreas, o governo de Mujica foi péssimo. Legalizou a maconha e o aborto, além de ter avançado com todas as pautas ligadas ao wokismo sexual e à ideologia de gênero. Com isso, ele transformou o Uruguai no país mais liberal-progressista do continente.
Geopoliticamente, ademais, nunca teve nada a oferecer. Extremamente ambíguo em relação ao Oriente Médio (não faltavam as conexões sionistas), era próximo de David Rockefeller e de George Soros (sem surpresa, já que Soros tem sido o maior lobista internacional da legalização das drogas). Acusou, ademais, a Venezuela de ser uma “ditadura” e Putin de ser um “filho da puta” por ter iniciado a operação militar especial.
Em suma, foi o representante dessa esquerda que hoje se encarna em figuras como Gabriel Boric.
Para que eu não seja, porém, acusado de tão somente falar mal do falecido, posso pontuar que admirei a sua atitude diante da morte.
Descoberto um câncer e feito um tratamento inicial, Mujica decidiu que não insistiria mais em procedimentos médicos e encararia a morte de frente, sem tentar estender artificialmente a sua vida. É diante da atitude de um homem perante a morte que podemos reconhecer o seu caráter. E nesse sentido, é fundamental reconhecer, Mujica deu exemplo.
Ainda assim, foi um dos últimos representantes remanescentes de um liberalismo decadente de esquerda que aos poucos vai desaparecendo do mundo. E já vai tarde.