Trump sepulta os mitos do livre-comércio e da globalização

As tarifas de Trump mudaram completamente a paisagem comercial internacional.

Quando afirmamos ano passado que a eleição de Trump seria mais disruptiva para a hegemonia global liberal os emocionados nos acusaram de “trumpistas”, “neocons”, e mais uma torrente de impropérios.

Mas continuamente, as decisões trumpistas em política interna confirmam a nossa avaliação. Inclusive, hoje eu diria que Trump está sendo mais disruptiva do que eu poderia até mesmo imaginar em 2024.

Me recordo aqui, aliás, que quando se anunciou o fechamento da USAID, os membros da “esquerda emocionada” (que simplesmente não consegue aceitar que Trump era uma opção mais disruptiva que Biden) vieram correndo dizer, em tons divinatórios, que os recursos da USAID seriam, simplesmente, remanejados.

Não. Essa semana realmente se confirmou o fechamento da USAID e que o dinheiro voltaria para o orçamento, sem qualquer previsão específica de seguir aplicando o mesmo dinheiro da mesma forma através de outros programas e órgãos. É claro que os EUA seguirão projetando a sua influência ao redor do mundo, eles sempre o fizeram. Mas um dos principais braços dessa projeção foi fechado e o orçamento para esse tipo de atividade diminuiu significativamente. Agora, a iniciativa privada será ainda mais relevante nessa seara.

Pois bem, na economia, o próprio fato de Trump ensaiar um retorno ao “Sistema Americano” de Hamilton, com uma política comercial baseada em tarifas alfandegárias objetivando proteger e alavancar a indústria nacional já é um grande feito.

E isso por um motivo simples: desde a Segunda Guerra Mundial os EUA tornaram-se os paladinos do livre-comércio. Eles criaram o Acordo Geral de Tarifas e Comércio através do qual pressionavam outras nações a reduzirem as suas barreiras alfandegárias para os produtos do Bloco Atlântico.

Mais significativamente, os EUA puseram o seu peso por trás de um establishment acadêmico econômico que praticamente relegou todas as teorias e escolas econômicas antiliberais à categoria de “heterodoxia”. Isso se ramificou no financiamento de think-tanks liberais ao redor do mundo, inclusive no Brasil, onde esses think-tanks já estão completamente imiscuídos na política e na produção cultural.

O Acordo supramencionado virou a OMC no auge do momento unipolar, quando após a declaração da “Nova Ordem Mundial” por George Bush e o Consenso de Washington, acreditava-se que o mundo estava às portas do “Fim da História”, quando todas as nações do mundo se integrariam indistintamente em um caldeirão cosmopolita atomizado, no qual os fluxos de capital, bens e pessoas seriam perfeitamente livres.

Durante todo esse período, era Washington que impulsionava acordos de livre-comércio em todo o mundo, como o mal fadado NAFTA e vários outros que obviamente prejudicariam as economias dos países que os aceitassem.

As declarações públicas de Vance, porém, vão exatamente no sentido contrário e especificamente no sentido de que, na prática, o livre-comércio também foi prejudicial para os EUA, especialmente pela desindustrialização provocada pela Reaganomics e pela ascensão de Estados que, em vez do livre-comércio, lançaram mão de todas as ferramentas de impulso governamental possíveis e imagináveis.

A partir do momento em que o coração do sistema comercial livre-cambista recua e decide impor tarifas alfandegárias a boa parte do mundo, transformando isto em sua principal estratégica econômica, necessariamente se deve prestar atenção no fato de que perdeu-se a fé nos mitos do livre-comércio, especialmente na ilusão das “vantagens comparativas”.

Mas a “revolução trumpista” é ainda mais profunda e atinge diretamente a globalização.

No lugar de um mundo cada vez mais integrado, Trump (independentemente de suas intenções) está fraturando ainda mais a comunidade internacional. Seu antieuropeísmo criou a maior distância histórica entre EUA e Europa desde o período De Gaulle e a Crise do Suez, enquanto o Japão, assustado com Trump, se reaproxima da China.

Trump está remodelando o mundo conforme seus próprios interesses (que hoje envolvem “cortar custos” e “controlar as perdas”), mas a consequência é que os países terão que se apoiar cada vez mais em seus próprios vizinhos e nas potências de suas regiões, bem como terão que buscar outras referências e outros parceiros bem longe dos EUA.

O mundo pós-Trump estará muito mais próximo do nomos planetário dos Grandes Espaços previsto por Schmitt, onde no lugar de uma cosmópole mundial teremos blocos civilizacionais e continentais estreitamente associados e voltados para dentro.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 43

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