Qual é o peso político do Vaticano no mundo contemporâneo? Engana-se quem considera o Papa uma carta fora do baralho no âmbito geopolítico.


O Papa Francisco recobrou parcialmente a sua saúde e afastou-se, por enquanto, o espectro de sua sucessão. Mas ela não tardará, como sabemos. E nos dias em que comentava-se sobre sua saúde algumas pessoas perguntavam sobre a relevância da sucessão papal hoje. Aliás, inclusive para a minha pessoa, já que não sou católico.
Essa pergunta, na verdade, é uma pergunta sobre se existe alguma relevância política no Vaticano hoje, na medida em que na era dos Estados-nações nucleares o Vaticano poderia parecer algo como que uma relíquia medieval.
E, realmente, estamos longe da era da ordem jurídica medieval, na qual as figuras do Imperador e do Papa atuavam como eixos demarcadores do limite de uma civitas cristã, dentro da qual se almejava preservar um certo grau de estabilidade e paz, por sobre os reinos e nações.
Mas seria um equívoco descartar completamente o potencial político do Vaticano.
Em primeiro lugar, o Vaticano conta com uma “população” virtual de 1,3 bilhão de pessoas, a totalidade dos católicos do mundo, os quais são influenciados pelas palavras do Papa em vários graus, dos mais absolutos aos mais sutis. Outras religiões não desfrutam do mesmo grau de centralização que o Catolicismo, de modo que entre as lideranças religiosas do mundo, a mais poderosa é, naturalmente, o Papa.
Isso significa que o Papado possui uma influência natural sobre resultados eleitorais em várias partes do mundo, sobre políticas públicas, bem como sobre serviços sociais diversos. É claro que tudo isso se dá de forma usualmente sutil, pelo menos nos tempos atuais. Mas a influência está aí.
Essa realidade tem dado ao Vaticano um poder diplomático invejável. Sabe-se, por exemplo, da influência de João Paulo II na aceleração do colapso do sistema comunista na Polônia, mas inclusive nos anos recentes, o Vaticano tem conduzido a sua própria diplomacia voltada para a transição multipolar, com destaque para as relações com a China, a reaproximação com a Igreja Ortodoxa, a mão estendida para Cuba, e muito mais importante: os apelos para que a Europa recupere um papel construtivo nas relações internacionais com o apoio do Papado para mediar o conflito ucraniano.
E a prova de que a atuação internacional do Vaticano tem relevância e recebe atenção de líderes mundiais está, inclusive, na abdicação de Bento XVI. Naturalmente, é complicado especular sobre esses temas, mas já há uma boa bibliografia indicativa de que a saída de cena de Bento XVI adveio de uma pressão avassaladora vinda dos EUA e de um profundo cansaço do Papa no esforço de resistir à pressão – pressão provocada pelo pivô do Vaticano na direção da Rússia e pelas declarações indicativas de uma intenção de uma aliança Vaticano-Moscou para combater o niilismo promovido (era esse o entendimento de Bento XVI) pelos EUA.
Ademais, é importante recordar da importância internacional do Banco do Vaticano – infelizmente mal utilizado ao longo do século XX porque o próprio Vaticano foi infiltrado pela máfia, pela maçonaria, etc., bem como dos serviços de inteligência do Papado, os quais contam potencialmente com a maior rede de colaboradores do planeta.
É por isso que apesar, de fato, do Papa não dispor de divisões blindadas ou mesmo de armas nucleares, o Vaticano é um dos maiores centros de soft power do planeta, bem como possui elevada capacidade de desempenhar operações sutis de guerra não convencional.
A reflexão sobre “quem sucederá o Papa”, portanto, permanece relevante mesmo no século XXI.