Os alauítas são uma das mais interessantes seitas do Oriente Médio e agora eles estão sob os holofotes do mundo pelos fatos que se desdobram na Síria.


Os alauítas são um dos grupos etnorreligiosos mais interessantes do Oriente Médio.
Não há suficientes pesquisas genéticas sobre eles para delimitar sua origem anterior ao surgimento de sua religião, mas o pouco que foi feito indica uma origem intermediária entre cristãos libaneses e cipriotas, na qual certamente há elementos assírios e hititas.
Oficialmente, o grupo nasce a partir do xiismo duodecimano há 1.200 anos após a morte do 11º Imã, quando se declara a ocultação do 12º Imã e o clérigo Ibn Nusayr declara ser seu representante – reivindicação rejeitada pela liderança xiita, o que leva à excomunhão de Ibn Nusayr e seus seguidores. O grupo, então, passa a se concentrar na zona costeira e montanhosa de onde hoje é a Síria e gradualmente a população local vai se convertendo.
Não obstante, existem bons motivos para considerar como plausíveis as teses que indicam uma forte influência do Cristianismo, do Zoroastrismo e do Neoplatonismo nas origens dos alauítas. Alguns estudiosos inclusive associam, de forma controversa, as raízes espirituais alauítas (também conhecidos como nusairitas) aos antigos nazarenos (uma das seitas de cristãos que preservavam parte dos costumes judaicos), outros chegaram à conclusão de que eles descendem de nestorianos convertidos ao xiismo.
O pilar de sua metafísica é a crença de que todo homem é um “anjo” expulso do Céu por desobediência, precisando passar por ciclos de metempsicose em busca da redenção e da restauração de sua natureza divina, após o quê o homem passa a ser visível para os outros homens sob a forma de uma estrela na abóbada celeste. Essa redenção é gnóstica, se dá pela recuperação de um conhecimento perdido que só pode ser acessado iniciaticamente sob a orientação de um shaykh.
O seu entendimento de Deus é trinitário e apofático. Deus cria por uma emanação luminosa, com a Criação se desdobrando em graus a partir dele, com a maior distância implicando também uma inferioridade. Seus atributos são majoritariamente “negativos”, ele é fundamentalmente desconhecido e incognoscível racionalmente, e por isso ele é chamado de “A Ausência”. A Trindade alauíta é composta por duas emanações da fonte, e essas três “pessoas” recebem o nome de Ma’na (Sentido), Ism (Nome) e Bab (Porta).
Como o mundo material é maximamente distante de Ma’na, ele é fundamentalmente maligno e corrupto (em contraposição ao Céu) e, por isso, é absolutamente impossível que Alá possa encarnar fisicamente. É importante pontuar isso porque para os alauítas, Ali é a manifestação de Deus, mas em algo que se assemelha ao docetismo gnóstico, Ali não tinha corpo e jamais padeceu das necessidades corpóreas.
O mundo, por sua vez, se desenvolve em espiral, em emanações e retrações cíclicas, que não obstante culminam em um momento escatológico derradeiro. Por conta de sua perspectiva cíclica do tempo, festas sazonais que celebram as mudanças na natureza são importantes.
Em tese, eles aderem aos cinco pilares do Islã: shahada, salat, sawm, zakat e hajj, mas dão interpretações esotéricas próprias para cada um deles. No que concerne o hajj (peregrinação), por exemplo, eles a interpretam como sendo algo que se dá no interior do homem, e consideram a peregrinação exterior a Meca como pecado gravíssimo.
E é nesses costumes práticos que abundam outros elementos muito próximos do Cristianismo: eles celebram uma missa na qual consagram o pão e o vinho (que eles bebem normalmente, diferentemente dos outros muçulmanos), eles celebram as datas importantes de Jesus Cristo, bem como têm um feriado em homenagem a Maria Madalena, creem na intercessão de santos (inclusive de São Jorge [Khidr]). Uma fonte do século XIX diz, inclusive, que entre os santos venerados pelos alauítas estaria Platão. Outros elementos curiosos é o seu enterro, que se dá em sarcófagos.
Todas as informações, porém, são sempre bastante difíceis de confirmar precisamente pelo fato de que os alauítas são, simultaneamente, uma etnia, uma religião e uma ordem iniciática. E apesar dos alauítas tenderem a uma postura quietista, gradualmente a seita também foi se militarizando, provavelmente por causa do contexto regional conflituoso. Na Guerra Síria, por exemplo, se destacaram as figuras de diversos shaykhs-guerreiros que interpretavam a sua luta como uma jihad.
A imagem que se tem de conclusão é algo muito mais complexo do que costuma ser apresentado quando se fala na “seita do Assad” e que expressa um sincretismo espiritual que, em alguma medida, é típico do próprio “caldeirão espiritual” do Levante, onde uma miríade de religiões e seitas se influenciam mutuamente desde a aurora das civilizações médio-orientais.
De um modo geral, porém, os alauítas representam um oásis de sabedoria, espiritualidade e refinamento metafísico no mar obscuro de obtusidade e materialismo que vemos na ascensão do wahhabismo.
É um grupo, portanto, que merece ser defendido e apoiado contras essas hordas infra-humanas que tomaram o poder após a queda de Assad.