A revolução geopolítica iniciada por Putin há quase 20 anos está alcançando uma fase de culminação agora, com a operação militar especial se aproximando da vitória.
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O discurso que Vladimir Vladimirovitch Putin proferiu há dezoito anos em Munique marcou a primeira contestação sistêmica e claramente formulada do sistema unipolar globalista. Foi o início de uma revolução geopolítica cuja vanguarda era inicialmente a Rússia, mas, progressivamente, outras potências se juntaram ao clube da multipolaridade. China, Índia e Brasil foram os primeiros a seguir, e, mais tarde, outras nações, hoje integrantes dos BRICS, se uniram a eles. Isso marcou a institucionalização da multipolaridade defendida por Putin em seu discurso em Munique.
Hoje, avançamos consideravelmente nesse caminho. Estamos travando uma guerra contra o globalismo na Ucrânia, lutando especificamente contra a ideologia liberal-globalista. A multipolaridade torna-se cada vez mais sólida e visível, especialmente através de estruturas como os BRICS, enquanto o mundo unipolar caminha a um ritmo regular para seu declínio – principalmente após o início da revolução conservadora de Trump nos Estados Unidos. Claro, Trump e os “Trumpistas” tentarão preservar o mundo unipolar, mas sob uma forma diferente, baseada na hegemonia direta dos Estados Unidos. No entanto, o secretário de Estado americano Marco Rubio já reconheceu que vivemos em um mundo multipolar. Esse reconhecimento é ao mesmo tempo preciso e promissor.
Em 2007, em seu discurso em Munique, Putin destacou a necessidade de aderir à Carta das Nações Unidas. No entanto, a ONU é uma organização moldada pelos resultados da Segunda Guerra Mundial, onde o Conselho de Segurança, a distribuição de poder e seus mecanismos estavam formalmente ancorados nos princípios da ordem westfaliana. A ONU reconhecia apenas os Estados-nação como atores soberanos.
Em fevereiro de 2007, Vladimir Putin proferiu seu famoso discurso em Munique, que pode ser considerado uma declaração da trajetória política soberana contemporânea da Rússia.
A fundação da ONU também continha uma fórmula contraditória: reconhecer tanto o direito de todo Estado-nação à integridade territorial quanto o direito dos povos à autodeterminação, um princípio que intrinsecamente questiona a soberania. Essa fórmula ambígua tem sido aplicada desde então em diversos contextos e com significados diferentes. De qualquer forma, o sistema das Nações Unidas preservou a bipolaridade, assim como um pequeno grupo de países não alinhados.
Inicialmente, os globalistas tentaram estabelecer um mundo unipolar, propondo até mesmo a dissolução da ONU em favor da criação de uma “Liga das Democracias”. No entanto, essa ideia nunca teve sucesso institucional, pois a maioria do mundo rejeitou esse conceito que postulava o alinhamento de Estados vassalos sob a dominação ocidental.
No final das contas, mesmo o mundo unipolar não conseguiu se institucionalizar e tornou-se uma coisa do passado.
Hoje, uma nova ordem mundial deve ser construída com base na multipolaridade. Essa multipolaridade precisa encontrar um novo quadro de expressão. A ONU pode ser reestruturada para se alinhar aos princípios de um mundo multipolar? Eu duvido, pois a estrutura atual da ONU reflete a combinação do sistema westfaliano e da bipolaridade ideológica estabelecida pela conferência de Yalta e pelos resultados da Segunda Guerra Mundial. Mas muitas guerras ocorreram desde então, remodelando o mapa político do mundo a ponto de torná-lo irreconhecível. Como resultado, os Estados-nação de hoje possuem níveis muito assimétricos de soberania e poder real. É por isso que acredito que as Nações Unidas são incapazes de tal transformação ou evolução.
Chegou o momento de considerar a criação de uma nova organização internacional que reflita as condições emergentes do mundo multipolar, com uma distribuição apropriada de papéis dentro das instituições-chave. Um passo possível nessa direção poderia ser o estabelecimento de um diálogo entre as nações dos BRICS como modelo de multipolaridade, por um lado, e a América de Trump, por outro. A longo prazo, por um processo residual, a Europa poderia se juntar a eles – uma vez que finalmente acorde e saia do delírio liberal-globalista no qual ainda se encontra, infelizmente.
Fonte: Geopolitika.ru