A Disputa no Interior do Hamas

O Hamas não está envolvido apenas em um conflito externo, ele é também palco da disputa interna entre Irã e Catar.

Muitas pessoas se espantaram com o fato de que o ex-líder político do Hamas, Khaled Mashal, celebrou a queda de Assad e a tomada de Damasco pelo Tahrir al-Sham. O espanto se dá pelo fato da maioria desconhecer o conflito no interior do Hamas.

O Hamas, como todos sabem, é uma organização nacionalista palestina de fundamentação islâmica, e em conformidade com o contexto religioso palestino, o Hamas é sunita, e apesar dele não aderir oficialmente a qualquer madhab, a maioria dos seus membros é xafeísta.

Menos pessoas sabem que o Hamas surgiu a partir de um ramo da Irmandade Muçulmana (com a qual o Hamas rompeu todos os vínculos em 2017). A Irmandade foi fundada por Hassan al-Banna como uma confraria de estilo maçônico cujo rito de iniciação era bastante semelhante à organização revolucionária dönmeh dos Jovens Turcos.

Na prática, a Irmandade Muçulmana nasce da onda do chamado “reformismo islâmico”, um equivalente islâmico do protestantismo nascido no século XIX a partir de figuras como Mohamad Abduh e Jamal al-Afghani (este último notoriamente maçom). O programa desses reformistas, segundo Abduh expôs claramente, era o de “usar a espada da religião para cortar a cabeça da religião”, ou seja, destruir o Islã através do Islã.

Não casualmente, a Irmandade Muçulmana foi financiada, ao longo da maior parte de sua história, pelos wahhabis sauditas, com o reformismo e o wahhabismo operando como dois lados da mesma moeda.

A culminação da obra subversiva da Irmandade Muçulmana foi, portanto, a Primavera Árabe, orquestrada a partir de Washington e Tel-Aviv, mas operada pela Irmandade Muçulmana e seus agentes. Às atividades subversivas da Irmandade Muçulmana seguiram-se as ações armadas dos salafis-wahhabis para fraturar os Estados da região, abrindo caminho para a Grande Israel.

Naturalmente, o Hamas como uma derivação menor e secundária surgida no contexto da luta nacionalista palestina nos anos 80 nunca foi mero peão da Irmandade Muçulmana, mas foi claramente influenciado por ela.

De forma correspondente, portanto, quando Assad reprimiu os subversivos após a tentativa de revolução colorida, Khaled Mashal (na época, líder do Hamas) condenou Assad e declarou simpatia pelos subversivos, saindo de Damasco e indo morar no Catar. Alguns membros do Hamas, inclusive, foram lutar pelo Exército Sírio Livre durante um curto período.

Isso causou um grande mal-estar no Eixo da Resistência, já que a Síria financiava e ajudava a Resistência Palestina como um todo, incluindo o Hamas, e o Hezbollah estava no campo de batalha lutando por Assad. O Irã também se irritou com a postura do Hamas nessa época. Hezbollah e Irã continuaram apoiando o Hamas, mas com certo distanciamento, enquanto Assad se apartou completamente do Hamas.

Esse era um caminho sem futuro para o Hamas, que em 2017 retirou Mashal da liderança para colocar em seu lugar Ismail Haniyeh, preferido do Irã. Haniyeh, como a maioria dos líderes do Hamas em Gaza (e das lideranças das Brigadas Al-Qassam) eram mais próximos do Eixo da Resistência, diferentemente dos líderes do Hamas no exterior, mais próximos do Catar e da Turquia. Sinwar seguia a mesma linha de Haniyeh, naturalmente.

Este é, portanto, o dilema no qual se encontra agora o Hamas, liderado por enquanto por um quinquevirato composto tanto por figuras como Khaled Mashal quanto por figuras que seguem a linha de Haniyeh e Sinwar.

Portanto, é necessário entender que a declaração de Mashal não necessariamente corresponde à posição dominante do Hamas, mas aponta para a permanência dessa duplicidade interior, com um setor inclinado para as potências islâmicas filoatlantistas e outro setor inclinado para o Eixo da Resistência.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 39

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