O Brasil não precisa do Carrefour (nem do Acordo UE-Mercosul)

O protecionismo francês em relação às carnes brasileiras é uma boa oportunidade para nos livrarmos do Acordo UE-Mercosul, bem como para focarmos no mercado interno.

A rede de hipermercados francesa Carrefour decidiu que não comprará mais carne brasileira (ou do resto do Mercosul), em uma sinalização para os agricultores franceses, que protestam há meses contra o Acordo UE-Mercosul, bem como contra outras medidas político-econômicas da França e da UE que prejudicam seus interesses.

Na prática, os agricultores franceses acreditam que o acordo em questão vai permitir a entrada de produtos ibero-americanos mais baratos, ameaçando a sua existência enquanto classe com essa concorrência. Por isso, iniciaram uma nova onda de mobilizações na última semana diante da possibilidade de que o acordo seja assinado em breve.

A decisão foi repentina e foi, portanto, recebida com espanto no Brasil, e o “esclarecimento” de que isso se aplica apenas às lojas francesas não serviu para retirar o incômodo dos produtores brasileiros.

A JBS e outros produtores brasileiros de carne decidiram, então, boicotar o Carrefour, deixando de fornecer carne não apenas às lojas francesas, mas também às lojas brasileiras. A decisão é bastante justa por razões de reciprocidade. Não nos cabe julgar a decisão interna dos franceses em um sentido moral. Eles também têm a sua lógica. E nós a nossa.

O impacto será imenso para a rede de hipermercados francesa, que é a maior do Brasil. Leve-se em consideração que ela já foi impactada pela ruptura com a Rússia, e agora há uma boa chance de que as relações com os países do Mercosul, especialmente com o Brasil, não possam ser reparadas.

Não farão falta no Brasil. Em primeiro lugar, porque o Carrefour já têm acumulado uma pilha de escândalos em suas atividades brasileiras, que vão do assassinato de clientes até à tortura animal, passando pelo controle draconiano de idas ao banheiro de funcionários e colaboração com trabalho escravo. Quem se lembra, por exemplo, do caso do funcionário que morreu no Carrefour e teve o cadáver tampado com guarda-chuvas para evitar o fechamento da loja?

Além disso, o Brasil já possui algumas dúzias de redes de supermercados integralmente nacionais que podem suprir qualquer vazio deixado pelo Carrefour enquanto mantém todo o lucro em nosso país.

Na verdade, pensemos de forma ainda mais ousada: que o Carrefour deixe o Brasil, e que a sua ida seja o estopim para o renascimento dos mercados de bairro. Talvez mais caros, mais usualmente vendendo produtos melhores, gerando mais emprego e constituindo negócios familiares que ampliam a classe média brasileira – enquanto os hipermercados servem para a acumulação de capital de acionistas ricos e para a proliferação de uma subclasse de trabalhadores superexplorados.

Agora, este é mais um problema causado pelo Acordo UE-Mercosul, um acordo de livre-comércio que tem sido negociado há mais de 20 anos e que foi concluído sob o governo anterior.

O tratado em si é uma relíquia da época em que começou a ser debatido, os anos 90, era do “Fim da História” e do “Consenso de Washington”, em que todos achavam que o futuro seria um planeta unificado como Mercado Mundial e que, portanto, o natural era todo mundo assinar acordos de livre-comércio com todo mundo. Nessa época nos livramos da “bomba” da ALCA, mas o Acordo UE-Mercosul veio engatinhando discreto até se concretizar em 2019.

Como já se alertou exaustivamente, é um acordo perde-perde para o Brasil. Ele promete o ingresso de bens industriais brasileiros que vão terminar de liquidar o pouco que ainda temos de indústria. A indústria europeia, combalida por causa das sanções anti-Rússia, quer compensar a sua decadência atropelando a indústria brasileira.

Quanto ao agro, que espera se beneficiar desse acordo, ele na verdade se depara com grande pressão por parte de exigências ambientalistas promovidas pelos governos europeus, especialmente o governo francês; de modo que se pretende impor limitações crescentes aos produtores agrícolas brasileiros por causa desse tratado.

Ou seja, a indústria brasileira vai se ferrar e o agro brasileiro, na melhor das hipóteses, vai se beneficiar muito pouco. Nesse sentido, tamanha insistência do governo brasileiro nesse acordo é completamente irracional.

Nesse sentido, essa confusão é uma bênção dos Céus que pode, talvez, paralisar a assinatura desse tratado conforme medidas protecionistas e boicotes mútuos se acumulem. Mesmo que o agro brasileiro esteja agindo basicamente por orgulho ferido e por interesse econômico de curto prazo, temos aí um caso no qual os processos se desdobram quase como se movidas por um Volksgeist que garante que as coisas “funcionem” mesmo que aos trancos e barrancos.

Como vimos com a eleição de Trump (e veremos com suas consequências) estamos na era da desglobalização, da desconexão, do protecionismo. Os continentes estão se afastando uns dos outros, e redirecionando as suas cadeias produtivas para mais perto.

Deixem os franceses proteger o seu mercado interno, e que o Brasil expulse o Carrefour daqui e cancele o Acordo UE-Mercosul.

O Brasil tem outros hipermercados, o mundo tem outros compradores e talvez seja hora, também, do agro começar a vender seus produtos para os brasileiros e aí talvez vejamos, finalmente, a picanha barata em nosso país.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 40

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