Franco CFA: Arma Econômica de Neocolonialismo

As insurreições e golpes dos últimos anos na região, especificamente no Mali, Níger, Burkina Faso e Guiné, são extremamente perigosos para as potências atlantistas, especialmente a França, pois representam um perigo real para o controle da região e do continente, e, se o Franco CFA for definitivamente abolido, será um grande golpe contra as pretensões imperialistas francesas na África.

As notícias, comentários e análises sobre o Sahel e a África Ocidental estão em alta nos últimos meses, principalmente relacionadas ao tópico da soberania nacional e civilizatória dos países africanos. Nisto, porém, noto que há uma ausência de comentários acerca do Franco CFA, a moeda comum de 14 países africanos – 12 deles parte da Françáfrica – que é uma verdadeira arma econômica contra o desenvolvimento destes países.

Com a grande perda material na França Metropolitana por causa da Segunda Guerra Mundial e com a ratificação dos Acordos de Bretton Woods pelo governo da França, o franco francês foi pesadamente desvalorizado, sendo então pareado ao dólar, com um câmbio fixo. Na intenção de “poupar” as colônias desta desvalorização, foram criadas novas moedas para as colônias, o Franco CFA, sigla de Colonies Françaises d’Afrique (Colônias Francesas da África); e o Franco CFP, sigla de Colonies Françaises du Pacifique (Colônias Francesas do Pacífico). O objetivo, na verdade, era facilitar a importação de bens da França e dificultar a exportação de bens para a França, intensificando a dependência colonial [1]. 

Com a derrota francesa na Argélia e a fundação da Quinta República Francesa, CFA passou a ser a sigla de Communauté française d’Afrique (Comunidade Francesa da África), sendo novamente renomeado nos anos 60 para Communauté Financière Africaine (Comunidade Financeira Africana). O franco CFP só foi renomeado para Collectivités françaises du Pacifique (Coletividades Francesas do Pacífico) em 2022.
O Franco CFA, na verdade, se trata de duas moedas, que possuem o mesmo câmbio com o euro: o Franco CFA Ocidental (utilizado por 8 países) e o Franco CFA Central (6 países). Ambos possuem o mesmo câmbio com o euro: 1 Euro equivale a cerca de 656 francos CFA. As moedas são emitidas e controladas pelo Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO) e pelo Banco dos Estados da África Central (BEAC), que “colaboram estreitamente” – para não dizer que são fantoches – com o Banco da França. Na verdade, o BCEAO e o BEAC são apenas comitês monetários. Apenas servem para passar ao mundo uma imagem de “independência” da moeda e dos comitês em relação à Paris, apesar do Banco da França ter um controle estrito sobre as políticas de ambos os institutos.

Ao menos metade das reservas internacionais dos países da zona do Franco CFA devem ser mantidas em euros em uma conta especial do Tesouro Francês. Os países africanos não possuem possibilidade alguma de utilizar suas reservas de forma independente. Só conseguem receber uma parcela destas reservas na forma de empréstimos, não excedendo o teto de 20% do total das reservas. Nem o Tesouro Francês nem o Banco da França informam às autoridades africanas a maneira com que gerem as reservas internacionais desses países, muito menos a renda que extraem dali.

Hoje, é uma das moedas mais comuns da África, devido à população conjunta de cerca de 192 milhões de pessoas dos países da zona do Franco CFA, pouco menos que o Brasil, mas quase o triplo da população francesa. Porém, o PIB PPC (Paridade do Poder de Compra) agregado dos países é de míseros 651 bilhões de dólares – 40% do PIB brasileiro e menos de 23% do PIB francês. Não só é uma região muito pobre, é uma das mais pobres do mundo. O PIB per capita é de aproximadamente 3.400 dólares, um valor baixíssimo, consideravelmente abaixo da média de 5.760 dólares do continente. A zona do Franco CFA corresponde a 14% da população africana, mas apenas a 8,4% do PIB africano.

Conjuntamente, é uma região que é muito rica em recursos naturais, contendo grandes depósitos minerais e reservas de petróleo. A região mais ao sul também possui um solo fértil e ricas florestas. A Costa do Marfim, sozinha, é responsável pela produção de mais de 40% do cacau mundial, acima de 2 milhões de toneladas por ano. 

Pauta exportadora da zona do Franco CFA

Ironicamente, a própria França, sob Charles de Gaulle, liderou os esforços contra o padrão dólar-ouro, enviando a Marinha francesa através do Atlântico para resgatar suas reservas de dólares em ouro. Ao mesmo tempo, o governo francês realizou múltiplos golpes de Estado e assassinatos de presidentes [2][3], além de instaurar guerras civis nas suas “ex”-colônias para manter seu controle sobre estes países [4]. 

A imensa sobreposição entre a Zona do Franco CFA e o Sahel não é mera coincidência

Como já mencionado nas brilhantes exposições dos jornalistas Lucas Leiroz e Raphael Machado, o Sahel é o Heartland africano, e o seu controle é essencial para o domínio imperialista do continente pelas forças atlantistas como também como forma de contenção e sufocamento da Rússia no Heartland eurasiático. A sobreposição entre a Zona do Franco CFA, o Sahel e o chamado Shatterbelt não é mera coincidência. O Franco CFA é uma arma econômica do neocolonialismo para exploração do povo africano e a dominação do continente. 

As insurreições e golpes dos últimos anos na região, especificamente no Mali, Níger, Burkina Faso e Guiné, são extremamente perigosos para as potências atlantistas, especialmente a França, pois representam um perigo real para o controle da região e do continente, e, se o Franco CFA for definitivamente abolido, será um grande golpe contra as pretensões imperialistas francesas na África. 

O aspecto  econômico e material de um povo caminha em paralelo à geopolítica, desempenhando um papel vital para a sua real soberania.  É também através dele que uma nação molda suas alianças no cenário político global e tem a capacidade de exercer influência em pé de igualdade com outros países, de modo a tomar decisões independentes. Sem uma economia autônoma, a soberania se torna meramente formal, sem correspondência com a realidade, como é infelizmente o caso dos países da Françáfrica.

★★★

Referências

[1] – Taylor, I. France à fric: the CFA zone in Africa and neocolonialism. Third World Quarterly, v. 40, n. 6, p. 1064-1088, 2019.  

[2] –22 African Presidents Have Been Assassinated By France Since 1963. التجمع العالمي لدعم خيار المقاومة. 6 jun. 2019.

[3] – BRITTAIN, V. Africa: a continent drenched in the blood of revolutionary heroes. The Guardian, 17 jan. 2011. 

[4] – FRENCH, H. W. The African revolution wrecked by France. The New European. 7 out. 2021. 

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Arthur Pavezzi

Economista e jornalista, militante da NR-PR.

Artigos: 54

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