Sobre o ataque ao Hospital Al-Ahli em Gaza

Raphael comenta a mais impactante tragédia da semana em Gaza, com a destruição de um hospital batista pelas forças israelenses.

O que eu vou comentar aqui está para além de posicionamentos políticos e geopolíticos no que concerne quem está certo e quem está errado no conflito Israel-Palestina.

O resumo para quem não quiser ler tudo é: Israel realizou um ataque aéreo com um JDAM (provavelmente MK-84, com espoleta de proximidade) contra a entrada do Hospital Batista de Gaza (o motivo pode ser discutido) e o número de baixas foi inflado pelo Hamas.

Quanto ao ataque em si, em primeiro lugar não seria o primeiro hospital atacado por Israel nesse conflito. Até ontem, pelo que eu vi, Israel havia atacado 6 hospitais palestinos (ou seja, não seria algo inédito da parte de Israel nos últimos 10 dias), matando no total, nesses ataques, algumas dezenas de pessoas.

Os hospitais atacados foram: Hospital Infantil de Durrah, Hospital de Campo Jordaniano, Hospital Abu Yousef al-Najjar, Hospital Al-Quds, Hospital Al-Awdah, Hospital Árabe Ahli (sim, é o mesmo hospital de ontem, já atacado anteriormente em 14/10, quando 5 pessoas ficaram feridas).

Observação importante: Nenhum desses ataques foi negado por Israel. Todos foram “justificados”. O Hospital Abu Yousef al-Najjar foi inutilizado.

Além desses, vários hospitais estão sob ordem de evacuação por Israel, com aviso de que serão atacados: Hospital Kamal Adwan, Hospital Al-Shifa, Centro Médico Al-Wafa, Hospital Al-Kuwaiti.

Ou seja, não há nenhuma novidade aí no que concerne o ato em si. Israel tem atacado hospitais e não nega que tem atacado hospitais. O próprio Hospital Árabe Ahli foi atacado anteriormente e estava sob aviso de evacuação.

Quanto a ter ou não ter muitas pessoas nele: todos os 22 (bem, acho que agora são 20?) hospitais de Gaza estão lotados acima da capacidade e não apenas por causa do excesso de feridos, mas porque em uma cidade sob bombardeio, as pessoas nutrem a ilusão de que hospitais são espaços seguros (bem, deveriam ser) e vão se refugiar por lá.

O Hospital Árabe Ahli, portanto, estava lotado, não apenas em suas salas, mas também nos corredores, especialmente o corredor da entrada e na própria entrada do hospital, junto ao estacionamento.

Uma informação importante é que o The Guardian narra que o hospital teria pegado fogo após o bombardeio, de modo que, novamente, não vejo muito para surpresa no que concerne ter havido um número elevado de baixas. Era um hospital lotado, cheio de gente na entrada e que pegou fogo.

Segundo um dos médicos, o teto de uma das salas de operação desmoronou. Então o hospital está de pé, mas sofreu danos estruturais e algum grau de desmoronamento parcial interno. A quem possa duvidar das informações, o hospital é administrado pela Igreja Anglicana (anteriormente eu havia falado Batista, mas passou dos batistas para os anglicanos no final dos anos 80), de modo que a Igreja Anglicana está em cima do caso e eles confirmarão o estado concreto do hospital.

Não obstante, no que concerne imagens de corpos já recolhidos ontem é possível contabilizar umas 150 pessoas aproximadamente. A esses devem ser somados corpos ainda dentro do hospital (soterrados?), bem como mortos e feridos em estado terminal levados para o Hospital Al-Shifa.

Eu chutaria que o número vai se arredondar em mais ou menos 300-400 mortos, mas muitas dessas mortos se darão, também, pelo fato de que há poucas condições de tratamento mesmo nos hospitais ainda em operação.

Nesse sentido, eu acho que não houve 1.000 mortes como relatado por algumas fontes pró-palestinas. Mas está tudo nebuloso ainda.

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Mas houve, realmente, ataque israelense? E as evidências confirmando (ou refutando?)

Quando às evidências, vamos uma por uma:

Um vídeo demonstra que ontem, perto das 20h, horário de Jerusalém, enquanto o Hamas fazia um ataque de artilharia contra Israel, um avião israelense sobrevoava a região e teria disparado um artefato que teria atingido a entrada do hospital, causando duas explosões.

O mesmo hospital, repito, já havia sido atacado antes.

Os outros vídeos, apresentados por Israel, são de 2022, um é do horário errado e um outro é editado para não mostrar o avião israelense e só mostrar o ataque do Hamas.

Quanto ao áudio capturado, lamento, mas a fonte original é a mesma dos 40 bebês decapitados. Ademais, um dos interlocutores que seria do Hamas fala um péssimo árabe e parece estar lendo um texto. Os dois têm suas vozes saindo separadas, ainda, pela esquerda e pela direita, o que só é possível em stereo, sendo que a conversa gravada só poderia ser mono.

Os “militantes do Hamas”, ainda, alegam que o míssil teria vindo do cemitério do lado do hospital, mas a alegação não bate nem com os vídeos, nem com distância, trajetória, etc.

Essa, sinceramente, é a evidência mais fraca.

As alegações sobre “cratera pequena”, “como é que morreu tanta gente se a bomba caiu no estacionamento”, etc., imagino que eu já matei nos comentários anteriores.

Em suma, tratou-se de um ataque atroz, atingindo um hospital de refugiados de guerra, lotado até o teto, que já estava danificado (o ataque anterior 4 dias atrás teria destruído pelo menos 1 andar do hospital) e que pegou fogo por causa do ataque – e cujas baixas foram valoradas pelo Hamas e outros porta-vozes para fins de propaganda de guerra.

Não é o primeiro hospital atacado por Israel e, imagino, não será o último.

Sinceramente, não entendo quem se surpreende ou duvida.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 597

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