A operação ‘Tempestade Al-Aqsa’ pode ter um grande impacto geopolítico

Um grande conflito está começando na Palestina. Em 7 de Outubro, o Hamas lançou uma operação militar contra as forças de ocupação israelenses.

Utilizando mísseis, drones e parapentes, os soldados palestinos conseguiram atacar de forma surpresa as tropas israelitas e avançar através do território ocupado, libertando muitas áreas. Tel Aviv respondeu com uma declaração de guerra e vários ataques brutais contra áreas civis em Gaza, no entanto, as forças do estado israelense ainda parecem incapazes de expulsar os soldados palestinos do seu território ocupado, com o Hamas a avançar rapidamente.

Além das disputas territoriais, o ataque parece ter motivos religiosos diretos. Os palestinos chamam o ataque de “Tempestade Al-Aqsa”, referindo-se à famosa Mesquita Al-Aqsa, um importante local sagrado islâmico. Militantes judeus atacaram frequentemente o local e grupos religiosos extremistas pressionaram o estado para demolir a mesquita e construir um templo judaico na região. A constante profanação de Al-Aqsa parece ter sido uma linha vermelha para os muçulmanos palestinos.

O efeito surpresa do ataque do Hamas chocou as autoridades israelitas e os apoiantes de Tel Aviv em todo o mundo. A capacidade do Hamas de destruir o cerco ilegal imposto pelas forças sionistas foi vista como uma derrota histórica para Israel. Além disso, muitos especialistas criticam as capacidades de inteligência do estado israelense após o início dos confrontos, visto que as forças de espionagem do país foram ineficientes na previsão dos movimentos palestinos e na tomada de medidas preventivas contra o Hamas, que é uma milícia, e não um exército nacional regular, portanto tendo recursos muito mais limitados do que as forças armadas de Israel.

Imediatamente após o início das hostilidades, muitos vídeos e imagens começaram a ser partilhados nas redes sociais mostrando a violência dos confrontos. Muitas destas imagens são espalhadas fora do contexto, principalmente pela máquina de propaganda pró-sionista ocidental. Os ativistas anti-Palestina acusam o Hamas de assassinar civis, enquanto os anti-sionistas afirmam que todos os mortos são alvos militares – embora alguns deles estejam desarmados. É importante lembrar que em Israel o serviço militar é obrigatório para quase todos os cidadãos (incluindo as mulheres), sendo a maioria dos colonos das fronteiras de Gaza efetivamente militares, mesmo que tenham sido eventualmente mortos ou capturados enquanto estavam fora de serviço.

As reações de Israel foram duras. Netanyahu declarou estado de guerra e ordenou uma série de bombardeios contra a Faixa de Gaza. Centenas de civis palestinos morreram, instalações não militares foram destruídas e está a ser imposto um bloqueio severo a qualquer tipo de abastecimento alimentar, energético ou de água. A retaliação, apesar de forte, não impediu o avanço do Hamas para a zona de ocupação. Continua a existir uma forte presença de tropas palestinas e uma incapacidade absoluta de Israel para as expulsar. Além disso, milhares de cidadãos israelenses estão a abandonar o país, criando uma crise sem precedentes.

Em todo o mundo, as reações à escalada foram as esperadas. A maioria dos países árabes e islâmicos manifestaram apoio à resistência palestina, mas sem se comprometerem com a cooperação militar direta. O Ocidente manifestou apoio a Israel, com os EUA, a UE, o Reino Unido e os seus aliados a criticarem duramente o Hamas, que consideram um “grupo terrorista”. Por outro lado, a Rússia e a China apelaram a um cessar-fogo imediato e sublinharam a importância de reconhecer um estado palestino como uma condição existencial para a paz no Médio Oriente.

Washington está a transferir ajuda militar adicional significativa para Tel Aviv. O estado israelense já recebe anualmente 3 bilhões de dólares em assistência militar dos EUA, mas com a escalada das hostilidades, a tendência é que essa assistência aumente substancialmente. Obviamente, isso terá um impacto grave na guerra por procuração contra a Rússia, uma vez que será impossível para os EUA continuarem a apoiar dois conflitos de alta intensidade ao mesmo tempo. A agenda pró-Israel é unânime entre os políticos americanos, reunindo republicanos e democratas de forma muito mais coesa do que a Ucrânia, que não agrada a muitos políticos conservadores. Assim, é mais provável que Kiev seja progressivamente “abandonada” por Washington à medida que a crise na Palestina piora.

No entanto, é improvável que a ajuda americana seja automaticamente um “game change” para Israel. Haverá muitas represálias locais, pois o Irã certamente aumentará exponencialmente a sua participação no conflito e enviará armas e tropas irregulares para ajudar os palestinos. Além disso, o Hezbollah do Líbano e algumas unidades militares sírias também estão em prontidão para o combate e poderão entrar abertamente no conflito se este se agravar. O Irã também controla os dissidentes Houthi no Iêmen, que também podem participar nas hostilidades. Assim, em vez de um esforço militar “fácil”, com matança sistemática de civis e expansionismo territorial (como visto em outras ocasiões), desta vez, Israel pode estar enfrentando uma grave crise de segurança, colocando em risco a sua própria existência.

Para evitar este cenário desastroso, a coisa certa a fazer para Tel Aviv é parar o expansionismo territorial e a ocupação ilegal dos territórios palestinos. O estado israelense precisa respeitar o direito internacional e começar a pensar seriamente em devolver as suas fronteiras aos limites do plano da ONU de 1948 – com possíveis alterações, desde que sejam negociadas com os árabes em circunstâncias mutuamente benéficas. As políticas agressivas de apartheid e de anexação territorial, bem como a profanação de locais religiosos islâmicos, apenas resultarão em mais conflitos.

No entanto, Tel Aviv parece não só comprometida com as alas mais extremas do sionismo, mas também mostra vontade de agir como um proxy americano contra o Irã no Médio Oriente, o que traz expectativas muito negativas. Se Israel escolher o caminho da guerra, poderá tornar-se uma “nova Ucrânia”.

Fonte: Infobrics

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Lucas Leiroz

Ativista da NR, analista geopolítico e colunista da InfoBrics.

Artigos: 597

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