Devemos, em nome da reindustrialização, abdicar integralmente do agronegócio brasileiro, estabelecido às custas de extensas pesquisas realizadas pelo Estado? É possível uma política industrial que contemple uma sinergia entre os dois setores, visando um projeto de desenvolvimento econômico para o país? Esta e outras questões são comentadas neste texto pelo nosso economistas, Deivid Jorge.
É comum presenciar nos meios de esquerda – e até em círculos nacionalistas – uma certa repulsa para com o setor do agronegócio. Isso se deve, dentre outros motivos, à dinâmica de desenvolvimento do sistema capitalista que relegou aos países periféricos o papel de meros exportadores de commodities no comércio internacional, endossado pela doutrina das “vantagens comparativas” de David Ricardo. Tal doutrina constituiu uma dominação ideológica para que estes países aceitassem sua “vocação” agrícola e os restringissem a atuar na escala mais inferior da cadeia produtiva internacional, fornecendo bens de baixo valor agregado.
Embora a história faça justiça a esta desconfiança, a necessidade de reindustrialização do Brasil coloca o agronegócio como setor chave para esta transição, permitindo que a indústria se beneficie de seus vínculos estratégicos com o setor agrícola do centro-oeste. Não se trata, portanto, de acomodar a pauta de exportação do país a proteína animal, minério de ferro, soja, ou o que quer que seja, mas sim de incorporar o potencial agrícola à estratégia de um projeto de reindustrialização para o país.
Exportações Líquidas do Brasil em 2020
O agronegócio, como é bem sabido, é um dos pilares da economia brasileira graças à intervenção estatal. Esta intervenção ocorreu através de uma rede de pesquisa científica e tecnológica desenvolvida pela Embrapa na década de 70 que, sob a liderança do engenheiro agrônomo Eliseu Alves, primeiro diretor de gestão de pessoas, que instituiu o programa de concessão de bolsas de pesquisa de pós-graduação, venceu o drama da “agricultura tropical” e conseguiu adaptar as culturas das regiões temperadas para o centro-oeste brasileiro, que atualmente é uma das regiões mais relevantes neste aspecto.
Uma maneira de conectar a necessidade de reindustrialização do país com o potencial do agronegócio do centro-oeste é através da utilização das divisas geradas por este setor no desenvolvimento da infraestrutura do país, através da modernização de portos, estradas e ferrovias, fortalecendo o escoamento produtivo do país. Além disso, os recursos podem ser direcionados para avanços na matriz energética do país, como a expansão de usinas de energia nuclear (energia limpa), fornecendo insumo barato de vital importância para a atividade industrial e para os consumidores.
As receitas do setor da agricultura podem permitir também a expansão da capacidade industrial, possibilitando o seu incremento através da importação de bens de capital, como máquinas e equipamentos, além do investimento no setor de P&D, contribuindo para a inovação da indústria de transformação e, assim, diminuindo a distância do país com a fronteira tecnológica.
Outra relação de interdependência entre os dois setores, com vantagem para o crescimento e desenvolvimento econômico do país, está na formação de uma agroindústria, que consiste na transformação de produtos agrícolas em alimentos processados, que são bens de maior valor agregado, tal como Austrália e Nova Zelândia. Os dois países desenvolveram uma pesada e competitiva indústria tech food, na qual a instituição Food Standards Australia New Zealand (FSANZ) é referência mundial em códigos de padrões alimentares, o que possibilitou a estes países a construção de uma cadeia produtiva mais completa e diversificada.
Exportações Líquidas de Austrália e Nova Zelândia em 2020
Importante ressaltar que outra utilidade do bom desempenho do agronegócio na balança comercial seria em termos de receitas fiscais, através da implantação de imposto sobre suas exportações, a fim de neutralizar a doença holandesa, que sobrevaloriza a taxa de câmbio e impede com que os produtos industriais internos sejam mantidos competitivos a nível internacional.
Alçar o Brasil ao status de país desenvolvido não é tarefa fácil, não se resume em uma receita de bolo. Muitos são os desafios de ordem econômica e, sobretudo, de ordem política. Em hipótese alguma tal empreendimento deve passar por menosprezar determinado setor, principalmente quando, dentro de uma estratégia de desenvolvimento, este possui a capacidade de transbordamento para alavancar outros setores, como é o agronegócio brasileiro.