Em abril deste ano o secretário do Tesouro concedeu uma entrevista apresentando a proposta do Ministério da Fazenda de alterar os pisos constitucionais em saúde e educação. Em vez de utilizar a regra prevista na Constituição, que determina 18% da receita corrente líquida para a educação e 15% para a saúde, o Ministério da Fazenda do governo Lula estuda a proposta de reajuste com base no PIB per capita. Quais seriam os impactos desta proposta? O economista Deivid Jorge comenta.
Até a aprovação da Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos primários da União, os gastos com saúde e educação eram estabelecidos de acordo com um percentual da receita corrente líquida, ou seja, a receita tributária deduzida das transferências constitucionais para os estados e municípios e algumas contribuições (contribuição patronal, FUNDEB, PIS/PASEP, etc.). Esses percentuais consistiam em 18% para a educação e 15% para a saúde. Com a implementação do novo regime fiscal, conhecido por “teto de gastos”, a regra mencionada foi suspensa, resultando no reajuste das despesas em saúde e educação apenas com base na inflação do ano anterior, sem crescimento real.
Eleito com um discurso anti-austeridade e enfatizando que “educação não é gasto, mas investimento”, o atual governo propôs um novo marco fiscal no fim de março deste ano, o qual já analisei. Tal regra estabelece que os gastos devem estar atrelados a 70% do crescimento da receita e limitados a uma faixa entre 0,6% e 2,5% de crescimento real, mantendo, portanto, o espírito do regime fiscal anterior, uma vez que perpetua um teto de gastos para as despesas do governo federal nos próximos anos.
Contudo, o governo se encontra em uma verdadeira sinuca de bico, pois, ao aprovar o novo marco fiscal, a regra antiga de reajuste da saúde e educação voltará a valer, impondo um desequilíbrio orçamentário. Isso porque, de acordo com o novo arcabouço fiscal, como os gastos totais estão vinculados a 70% do crescimento da receita e, pela regra antiga, gastos como educação e saúde crescem 100% de acordo com a receita, isso poderia comprometer uma fatia do orçamento para outras áreas.
O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, alega que a mudança é “para não prejudicar os investimentos” [1], dado que estes poderiam ser alvo de contingenciamento para acomodar as despesas com saúde e educação, que crescem acima da média dos outros gastos. Porém, existem inconsistências na declaração de Rogério Ceron quando confrontado com o atual processo de tramitação do marco fiscal no Congresso. Até o momento, a proposta está cada vez mais direcionando as receitas adicionais para o pagamento de juros da dívida pública, em vez de destiná-las aos investimentos, supostamente “caros” ao atual governo [2].
Realizando uma simulação, supondo que a proposta estivesse em vigência desde 2002, de acordo com os gráficos abaixo, o reajuste dessas áreas pelo PIB per capita resultaria em uma perda acumulada de quase 150 bilhões na área da educação e 125 bilhões na área da saúde no período de 2002 a 2021.
Perceba que, mesmo que se considere apenas os anos 2000, período em que o PIB per capita teve seu melhor desempenho em comparação com as outras décadas após a redemocratização, o reajuste pela receita corrente líquida ainda é superior ao reajuste com base no PIB per capita (48 bilhões adicionais para a educação e 40 bilhões para a saúde).
Se o argumento é que os reajustes dos gastos em educação e saúde, com base na receita corrente líquida, geram uma volatilidade inadequada, podendo gerar perdas nessas áreas em momentos críticos, a correção pelo PIB per capita amplifica essa redução. A menos que Haddad esteja propondo realizar um milagre econômico na economia brasileira, fazendo o PIB per capita atingir níveis recordes desde a redemocratização, o que é pouco crível de acordo com o seu projeto de política econômica até agora apresentado ao país.
★★★
Referências
[1] Agência Brasil: Governo quer reavaliar pisos para gastos com saúde e educação.
[2] Outras Palavras: “Arcabouço”: O que era ruim pode piorar.