A guerra na Ucrânia não foi decidida ou planejada em Kiev ou Moscou

É bastante óbvio que inicialmente tudo isso não foi decidido e planejado em Kiev e nem em Moscou. Em geral, tudo se repete, só acumula, a crise se recicla. A única e muito importante diferença só pode ser notada em como o urso russo entrou nesta guerra.

Estou convencido de que a maioria dos meus compatriotas sente uma dor infinita pelo triste destino do povo ucraniano-russo que, independentemente do desfecho da atual tragédia, continuará a ser a principal vítima.

É bastante óbvio que inicialmente tudo isso não foi decidido e planejado em Kiev e nem em Moscou. Também é óbvio que o atual regime de Kiev acaba por ser uma plataforma instalada por “administradores de sistemas” anglo-saxões utilizando pacotes de software neurolinguísticos, um pouco antiquados, mas altamente eficientes, demonstrado por testes práticos efetuados por um laboratório alemão entre os anos de 1933 e 1939.

Para começar, notamos os óbvios paralelos tecnológicos entre como o fascismo alemão e o neonazismo de Kiev foram construídos com o objetivo de transformá-lo em um aríete para desferir seu golpe, dirigido exclusivamente contra a Rússia. Seria estranho se os protagonistas do plano “Barbarossa 2.0” ignorassem sua pré-história e não oferecessem à sociedade uma nova ideia nacional, uma ideia que deve necessariamente se basear em algum tipo de mito genealógico. Esta é uma questão não tão complicada, especialmente se você incluir ideólogos com rica imaginação e sem medo de desafiar a visão tradicional da história humana.

Os primeiros a serem injetados por via cerebral foram os infelizes veteranos de guerra e a geração mais jovem de alemães, humilhados pelo Tratado de Versalhes, cujos olhos se abriram para descobrir serem descendentes genéticos dos lendários arianos que conseguiram conquistar toda a Ásia Menor, o planalto iraniano e a Índia. Além disso, simples estudos anatômicos confirmaram que os alemães puros pertenciam precisamente à raça ariana, a raça dos grandes conquistadores e soberanos. Quanto aos criadores de mitos ucranianos, parecia-lhes que a genealogia não era suficiente, não era grande o suficiente em escala e, olhando para a Idade da Pedra, eles logo encontraram seus ancestrais étnicos frente aos ucros pré-históricos. Seus estudos meticulosos revelaram que Adão e Eva eram, na verdade, ucranianos, sem esquecer também de Jesus e o Buda e, claro, por claramente ser ucraniano de pura cepa, Zuckerberg, já que seus pais eram judeus de Odessa. De repente, descobriu-se que foram os grandes ucros, sendo proto-ucranianos que domesticaram o cavalo, inventaram a roda e o arado, sendo seu maior feito a escavação do Mar Negro (por pura ignorância, conhecido como o Mar Russo em tempos medievais) em algum momento do período paleolítico porque foram, sem dúvida, os primeiros a inventar a picareta e a pá de aço. Não é de surpreender que Noé falasse a antiga língua proto-ucraniana e que o ucraniano clássico fosse a língua na qual Ovídio escreveu seus poemas imortais.

Os neonazistas ucranianos não tiveram sorte em apenas criar o partido e não conseguiram superar os alemães. Partidos nacionalistas ucranianos como o Svoboda (Liberdade) e o Pravy Sektor acabam sendo anões políticos comparados ao Partido Nacional Fascista de Mussolini ou ao Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães de Hitler. Os 10,44% dos votos recebidos pelo Svoboda nas eleições parlamentares de 2012 devem ter surpreendido, antes de tudo, seus próprios dirigentes. E esta é a diferença fundamental entre o presidente Victor Yanukovych, que ignorou Svobodae o presidente da República de Weimar, Paul Hindenburg, que nomeou pessoalmente Hitler chanceler da Alemanha e abriu as portas para a ditadura fascista no país.

Quanto aos partidos ultra-radicais, como a Assembleia Nacional da Ucrânia, a Autodefesa Popular da Ucrânia (UNA-UNSO, criada em 1990), a Associação Trizub (Tridente) Stepan Bandera (1993), Patriota da Ucrânia (1999), o Nacional Social (2008) e, notadamente, o Pravy Sektor (criado em 2013 às vésperas do golpe) com suas gangues vizinhas de assassinos como a “Frente Popular de Poltava”, “C14” ou “Autodefesa do Maidan”, eles podem se agrupar com os esquadrões de assalto (Sturmabteilung) de Ernst Röhm ou com a Falange Española de José Antonio Primo de Rivera, com a única diferença de que suas camisas diferiam na cor, e que a vida política dos primeiros durava um pouco mais do que a vida política e física dos segundos. De qualquer forma, aqueles que salvaram a situação incerta no Maidan de Kiev foram os biscoitos promissores de Victoria Nuland e as garantias mais confiáveis dos ministros das Relações Exteriores da Polônia, França e Alemanha para o infeliz Yanukovych.

Seja como for, teremos que aceitar que a maior conquista de toda essa carniceira política e paramilitar antes mesmo do golpe de 22 de fevereiro de 2014 e da guerra civil contra o dissidente Donbass (o paralelo da guerra civil espanhola surge imediatamente) foi a rápida reformatação da mentalidade nacional da Ucrânia central.

No entanto, todo esse teatro de marionetes, com toda a minha paixão pelo gênero da comédia, me interessa muito menos do que o trabalho dos escritores e diretores que se encontram nos bastidores, e mais ainda dos jogadores do “grande jogo” ou “mestres da história” de acordo com primeiro-ministro britânico, Benjamin Disraeli.

Imagino que os anglo-saxões tenham uma grande vantagem psicológica e mental sobre qualquer cultura tradicionalista. Atrevo-me a dizer que esta é uma vantagem de peso duplo e não tanto por não terem escrúpulos, mas porque não têm um passado negativo ou, porque têm a sua verdadeira história enterrada numa cova muito profunda. À primeira vista, a tese parece ridícula, mas não seria tão difícil verificar sua veracidade. Primeiro, porque o mentiroso anglo-saxão, embora fale constantemente de seu conservadorismo, na verdade, está voltado para o futuro, é um tipo progressista que avança sem cessar, sempre rondando em busca de novas presas deixando para trás apenas pele e ossos. Em segundo lugar, porque sabendo manipular o presente também conhece a arte de manipular o passado e reescrever a história.

Certamente ele aprendeu muito com seus predecessores, sendo o Vaticano o mestre mais astuto do truque da deturpação e da falsificação. Desde a fraudulenta “Doação de Constantino”, “Decretos Pseudo-Isidorianos” até as revelações de um Papa italiano: Portanto, para poder subjugar as pessoas de forma pacífica, utilizo um método muito simples e confiável: destruo seu passado… porque sem passado o ser humano é vulnerável. Você perde suas raízes ancestrais se não tiver seu passado. E então, confuso e desprotegido, ele se torna uma lousa em branco sobre a qual posso escrever qualquer história. E quando não há, eles aceitam qualquer coisa, só para não ficarem suspensos no desconhecido, o que é muito mais horrível para eles do que qualquer história alienígena ou fictícia.

É por isso que não é tanto a ficção novelística, mas a dura realidade de hoje, a “história proibida” ou a oculta anti-historicidade anglo-saxônica majestosamente apresentada por George Orwell em seu romance 1984. O autor nos apresenta o slogan crucial do partido encabeçado pelo Big Brother, que hoje alguns chamariam de burro democrático americano (N.T. partido democrata americano) ou, com mais razão ainda, “deep state”: «quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado», para depois comentar: «A história, como um velho pergaminho, foi riscada e reescrita tantas vezes quanto foram necessárias. E não havia como provar a falsificação depois. Todos os dias e todas as horas o passado era ajustado ao presente.»

De minha parte, eu diria mais. Os ianques há muito superaram seus parentes britânicos. Eles não se preocupam mais em reescrever a história, mas a fabricam na frente do cliente. Qualquer acontecimento, qualquer notícia, onde quer que aconteça, é quase de imediato comentada e interpretada como melhor lhes convém e assim torna-se uma realidade aceita, ainda que virtual. Basta apresentar alguns slogans fortíssimos da mídia escolhida: quando o The Times fala, o mundo escuta; ficamos por trás de cada novidade para você ficar à frente do seu conhecimento; influenciamos você de maneiras que outros não podem; veja o mundo através de nossos olhos; a notícia não está próxima da realidade, a notícia é a própria realidade, nós é que fazemos a notícia e assim por diante.

O primeiro plano diretor para a União Soviética e depois para a Federação Russa era feio e simples, como, de fato, são todos os outros planos estratégicos do Ocidente em relação ao Oriente: divide et impera (N.T. “dividir para governar”). Considere as etapas de sua implementação do mesmo ângulo que mostramos antes. Mas primeiro, vamos esclarecer alguns detalhes do plano. O fato é que entre “dividir” e “governar” existe uma espécie de “terra desconhecida” dentro da qual deve ocorrer toda uma série de intervenções cirúrgicas absolutamente necessárias, até a retirada de alguns órgãos, inclusive o cérebro. Do ponto de vista de uma ilha, um continente deve sempre ser dividido, seja a Europa Ocidental ou a Europa Oriental. Foi assim que a Inglaterra conseguiu enfrentar seus concorrentes, fosse o Império Espanhol, o Império de Napoleão ou o Terceiro Reich. Caçar o urso russo nativo nos quintais da Europa acabou sendo muito mais difícil e arriscado, ainda mais para um caçador solitário.

Quantos esforços infrutíferos foram despendidos pelos melhores caçadores, quantos cães de caça da melhor raça pereceram! Quanta esperança foi depositada em Segismundo III, rei da Suécia, Polônia e grão-duque da Lituânia, o sueco Carlos XII, Napoleão Bonaparte! Quanto esforço e dinheiro foram desperdiçados durante o cerco de Sevastopol durante a Guerra Oriental (os russos chamam de Guerra da Crimeia), quanto esforço e dinheiro foram gastos apoiando o exército e a marinha turcos em sua luta contra a Rússia pela preservação do Islã na Bósnia, Sérvia, Montenegro, Bulgária, Romênia e Moldávia ortodoxos. Afinal, os russos estavam prestes a tomar Constantinopla em 1878 se não fosse pela esquadra inglesa do Mediterrâneo. Quanto custaram as divisões blindadas da Wehrmacht, da Luftwaffe alemã, as divisões punitivas da SS e seus capangas ucranianos representados por Bandera e Shujevich, os heróis da atual Ucrânia. Quanto apoio foi dado ao Terceiro Reich pelos bancos e corporações dos Estados Unidos, quantas armas são enviadas ao regime de Kiev pelos membros da OTAN, incluindo Suécia, Suíça, Finlândia, Israel, Arábia Saudita, Japão e Coréia do Sul! Falta apenas o fornecimento de aeronaves de combate e a arma nuclear tática, embora os projéteis “sujos” de urânio empobrecido já tenham sido prometidos pelo Reino Unido.

Quão grande foi o deleite experimentado pelos mestres da história quando o desmembramento voluntário da União Soviética ocorreu graças a Gorbachev e Yeltsin, que nem mesmo seguiram as instruções dos outros tanto quanto o fizeram por iniciativa própria. Com que sucesso foi repelida a política arrogante e irresponsável de Putin de empurrar as fronteiras da Rússia para o oeste em colisão com o bloco mais pacifista do mundo. Finalmente, com que sucesso eles conseguiram investir apenas alguns bilhões de dólares para irritar o urso russo na Geórgia, Quirguistão, Belarus, Cazaquistão e na mesma Ucrânia, que o grupo familiar “Biden e Filhos S.A.” comprou barato, literalmente por um centavo. Eles tiveram o azar apenas ao tentar destruir o fértil solo ucraniano enquanto os alemães o fizeram por quase dois anos, e é uma pena que uma dúzia de biolaboratórios militares do Pentágono tenham sido fechados na Ucrânia, apesar de sua importância para a prosperidade da humanidade.

Em geral, tudo se repete, só acumula, a crise se recicla. A única e muito importante diferença só pode ser notada em como o urso russo entrou nesta guerra. Se a invasão da Wehrmacht em 22 de junho de 1941 pegou Stalin e o Exército Vermelho quase de surpresa, para Zelensky, as Forças Armadas e a Guarda Nacional da Ucrânia, a operação militar preventiva especial russa, que começou em 22 de fevereiro de 2022 acabou por ser um choque, pois eles estavam planejando seu ataque ao Donbass no início de março do mesmo ano.

Dificilmente vejo a possibilidade de que os Mestres da história possam vencer essa guerra. Nossa retaguarda é coberta pela China, temos uma clara superioridade em sistemas antimísseis e de defesa aérea, bem como em mísseis estratégicos nucleares e hipersônicos. Por fim, nosso adversário está com problemas de tempo e suas ações convulsivas dão claros sinais de insanidade tática e estratégica, a ponto de nos ajudar a nos livrar da elite compradora e da quinta coluna dentro do país. Mais uma prova disso é o fato de que Vladimir Putin logo abandonou a solução forçada da “questão ucraniana” e optou pela corrida de longa distância.

Fonte: Adáraga

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Nikolai Mikhailov

Cientista Social e Diretor do Programa para as Américas da Fundação Russkiy Mir.

Artigos: 597

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