Para o mundo pós-moderno, juramentos são ‘textos’, cuja vinculação pode ou não ter relevância conforme a perspectiva de cada um diante das palavras. Ressacralizar o mundo procede do resgate da lealdade e do comprometimento vital com os juramentos.
Uma recente polêmica curiosa que apareceu nas redes sociais é a solicitação de que os súditos façam um Juramento de Lealdade ao rei Carlos III, que será coroado em 6 de maio.
Essa informação foi recebida com espanto, deboche e comentários bastante infantis, em que ocidentais cosmopolitas apelavam a comparações com a Coreia do Norte, ou repetiam torpemente coisas como “em pleno século XXI” como se o tempo tivesse direção e sentido, e um Juramento de Lealdade a um Monarca fizesse menos sentido hoje do que há 100, 1.000 ou 10.000 anos.
O rito é interessante, porém. E eu posso fazer esses comentários mesmo abominando a pérfida Albion, já que não falta o que criticar naquele país.
Em coroações anteriores, o Juramento de Lealdade era feito pela aristocracia, pelos “pares” e essa é a primeira vez que se solicitará um Juramento ao Povo. Considerando que Carlos III é um personagem de mentalidade extremamente mística, simbolista e ritualística (não se esqueça que ele é um interessado sincero nos estudos das várias religiões, segundo uma perspectiva mais ou menos perenialista), essa modificação não deve ser vista como acaso, mas como a autopercepção do tipo de Monarca que Carlos III quer ser ou pelo menos parecer ser: um “Monarca do Povo”.
É uma projeção de imagem, porém, que pouco combina com a real percepção que os britânicos e outros súditos têm de Carlos III, que sempre foi impopular e efetivamente é pouco carismático. Mas os ritos possuem poder próprio e a intenção do Rei britânico pode ser a de construir uma aurea catena baseada na Honra e na Palavra, ligando o Povo a ele de forma direta, sem intermediação feudal e, com isso, suprir o seu carisma inexistente. Se vai funcionar ou não é outra história.
Esse é, porém, o momento oportuno para recordar que na Sociedade Tradicional, o Monarca, o portador da auctoritas, não governa exatamente “territórios”, mas homens. Do mais simples camponês ao mais elevado e poderoso nobre, o Povo é mantido unido sob o figura do Monarca por uma cadeia de Juramentos entre homens. Não é a cidadania territorial, mas os laços de lealdade que constroem o Reino, a nação.
Também é interessante que no rito serão incluídos hinos em galês, gaélico escocês e gaélico irlandês, além do inglês, ressaltando o caráter multiétnico do Reino, mas dentro dos limites das etnias tradicionais das Ilhas Britânicas. Por outro lado, líderes de várias religiões participarão na cerimônia de coroação, ao mesmo tempo que Carlos III jurará defender o protestantismo, o que simultaneamente propõe Carlos III como “Monarca Universal”, sem deixar de ressaltar a particularidade britânica do protestantismo enquanto “verdade nacional”.
O homem moderno se espanta e se retrai, com aversão, diante desses conceitos e símbolos, mas isso é apenas um testemunho da estreiteza das suas perspectivas e da superficialidade do seu imaginário. Não estamos, aqui, diante de “relíquias de outros tempos” ou de algum tipo de “ritual sem sentido em vias de desaparecimento”. Ao contrário, não se pode duvidar da restauração da mística e da religiosidade na política, até mesmo nos “países avançados”.
Não caminhamos rumo a qualquer ateísmo ao redor do mundo, mas em direção à revivificação da religiosidade humana.
Finalmente, é compreensível que o homem pós-moderno sinta uma aversão intestinal à ideia de fazer um Juramento de Lealdade a outro homem. Esse tipo de rito envolve um tipo de Liberdade desconhecido pra “raça do homem fugaz”, a de livremente se colocar a serviço de um superior hierárquico e de, ao fazê-lo, ser fiel à palavra dada.
O homem pós-moderno se sente mais à vontade no cinismo e na traição.