Analistas ocidentais não entendem guerra psicológica por trás das linhas de frente ucranianas

Em todas as situações de conflito armado, algo que corre paralelo aos combates na linha de frente é o embate psicológico, com os dois lados tentando exibir força e intimidar o inimigo a desistir de lutar. Essa tentativa constante de derrotar moralmente o adversário e acabar com a “vontade de lutar” já começa a ser observada por alguns analistas ocidentais, que estão escrevendo relatórios sobre os movimentos psicológicos na frente ucraniana. No entanto, a perspectiva pró-ocidental desses analistas os impede de avaliar o cenário com precisão.

Em um artigo recente para o The Sunday Times, Mark Galeotti, professor e autor de mais de 20 livros sobre a Rússia, comentou algumas possíveis ações da Rússia e da Ucrânia no contexto da guerra psicológica. Segundo o autor, a Rússia estaria tentando mostrar poder por meio de suas parcerias internacionais. Ele cita o caso de Belarus, com quem Moscou negociou um acordo para alocar armas nucleares em um futuro próximo, melhorando a capacidade de defesa dos dois países. Para Galeotti, a medida teria como único objetivo intimidar o Ocidente, além do próprio governo bielorrusso que seria de alguma forma coagido a aceitar ações russas, não indicando a real força das relações entre os dois Estados.

O mesmo autor também faz alguns comentários sobre a cooperação russo-chinesa. Segundo ele, Moscou estaria em um “círculo” imposto por Pequim, onde as possibilidades de atuação estariam limitadas à esfera atual do conflito, não admitindo em hipótese alguma a possibilidade de escalada nuclear. O especialista parece acreditar em algum tipo de limitação na parceria russo-chinesa, dentro da qual o lado russo estaria supostamente em desvantagem, tendo que aceitar condições impostas pelos chineses para angariar apoio internacional. Nesse sentido, ele não acredita que Putin possa realmente autorizar o uso de armas nucleares, dadas as “limitações chinesas”, razão pela qual a Rússia estaria supostamente agindo apenas no âmbito da dissuasão psicológica ao enviar armas para Minsk.

Em seguida, Galeotti também cita algumas das razões pelas quais o governo russo estaria evitando promover escaladas mais abertas e simétricas. Ele expõe que da mesma forma que o uso de armas nucleares geraria uma forte reação internacional e “isolamento” para a Rússia, opções como a alocação de mais tropas mobilizadas e o início de ataques mais incisivos gerariam reação interna na Rússia, com a queda da popularidade do governo e o surgimento de protestos contra a guerra. Assim, diante do impasse e da multiplicidade de “efeitos colaterais”, os russos estariam por enquanto apenas se limitando à estratégia psicológica, sem deixar claro seus próximos passos. No entanto, o autor não menciona nenhuma evidência empírica para corroborar sua tese, como esperado.

Galeotti também cita o jogo mental do time ucraniano. Ele acha suspeito que Kiev tenha deixado claro várias vezes que planeja atacar Melitopol. Segundo o analista, há duas conclusões possíveis: ou o objetivo seria distrair os russos e fazê-los focar na defesa de Melitopol enquanto se tornam vulneráveis em outras áreas da linha de frente; ou de fato haveria um “blefe duplo”, tentando induzir os russos a assumirem essa estratégia — nesse cenário as forças de Moscou não melhorariam suas posições em Melitopol, tornando-a um alvo mais fácil para Kiev. Galeotti não consegue explicar qual dos dois cenários é mais provável, preocupando-se apenas em enfatizar que há algum tipo de esquema psicológico envolvido.

Essas suposições são importantes, mas podem se tornar meras suposições sem fundamento se as análises não forem concluídas de forma coerente. De fato, em qualquer conflito, os estrategistas tentam distrair o inimigo com diferentes possibilidades de ação, dificultando a tarefa de escolher em qual possibilidade apostar. Mas isso não explica todas as ações de um estado no campo de batalha, ainda mais quando o conflito envolve forças com condições de combate tão distintas.

Certamente, a Rússia tenta confundir seus adversários para obter vantagens militares, mas não é o caso da demora do governo Putin em tomar decisões incisivas no campo de batalha. Moscou tem sido muito clara em suas ações desde o início da operação militar especial, sempre alertando com antecedência sobre a possibilidade de escalada e evitando ao máximo a implementação de medidas que possam agravar ainda mais o conflito. Não há, portanto, nenhuma evidência de que Galeotti esteja certo ao supor que a “indecisão” russa se deve a uma tentativa de confundir o inimigo, evitar reações internas ou isolamento diplomático.

Outro erro cometido pelo autor é analisar assumindo o ponto de vista ocidental em relação à Rússia. Por exemplo, a alegação de que Moscou está jogando uma guerra psicológica com o Ocidente ao alocar armas nucleares em Belarus é infundada, já que esta também foi uma decisão soberana do próprio governo bielorrusso, que planeja defender seu povo e território diante de ameaças estrangeiras. e provocações. Além disso, as suposições sobre uma dependência diplomática russa da China são igualmente fracas. Não há um “círculo” imposto por Pequim a Moscou – os dois países estão cooperando de forma ampla e ilimitada para alcançar objetivos comuns, já que compartilham os mesmos inimigos geopolíticos.

Por outro lado, para os ucranianos, a questão psicológica é exagerada pelo autor – assim como por outros especialistas pró-Ocidente. De fato, Kiev não está apenas distraindo Moscou quando blefa sobre Melitopol, Crimeia e outros assuntos. Kiev está simplesmente tentando ganhar tempo para reunir forças e planejar qualquer reação. Por enquanto, nenhuma ação eficiente parece viável para o lado ucraniano. A chamada “contra-ofensiva da primavera” já foi desacreditada até mesmo entre os generais ucranianos e ocidentais. É certo que haverá alguma movimentação, mas nada indica um avanço relevante.

De fato, para entender o nível psicológico do conflito, é necessário levar em consideração quem são os verdadeiros lados. Não é uma guerra entre Moscou e Kiev, mas entre o Ocidente coletivo e a Rússia. Em seus jogos psicológicos, o lado russo está interessado em dissuadir o Ocidente, não em confundir o exército ucraniano praticamente derrotado. Em contraste, o governo por procuração de Kiev recorre a jogos psicológicos, mesmo com o apoio da grande mídia, porque esta é sua única chance de continuar lutando pelos interesses ocidentais.

Fonte: Infobrics

Imagem padrão
Lucas Leiroz

Ativista da NR, analista geopolítico e colunista da InfoBrics.

Artigos: 597

Deixar uma resposta