Ontem (30), foi apresentado o novo arcabouço fiscal do atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Uma breve análise do seu desenho e mecanismo de atuação demonstra que não há NADA novo do ponto de vista estrutural em comparação com o falecido teto de gastos, sendo seu objetivo apenas reforçar o compromisso fiscal do atual governo com os gastos financeiros.
Passemos para a análise:
Dentre outros pormenores, o ponto principal é que a regra estabelece um limite para as despesas, consistindo em 70% da variação da receita primária dos últimos 12 meses, além de estipular um limite máximo e mínimo (0,6% a 2,5%), segundo o qual, crescerá a despesa.
Fica claro que o indexador que define os gastos da atual regra está em função da projeção de receita. E esse é o principal problema, uma vez que cumpre observar que há apenas três maneiras da receita aumentar: (1) através do crescimento econômico, (2) da criação de novos tributos ou (3), da obtenção de receitas extraordinárias.
Em relação ao primeiro, isso ocorre devido aos efeitos expansivos da arrecadação em tempos de boom da economia, o que, no atual contexto brasileiro, para ocorrer, implica impreterivelmente em aumentar o investimento público, dada as dificuldades financeiras e falta de estímulo à iniciativa privada para cumprir esse papel. Tal rubrica para esse ano beira menos que ridículos 1% do PIB, percentual insuficiente até mesmo para recompor a depreciação do estoque de capital na economia brasileira.
No caso do segundo, conforme anunciado na coletiva apresentada, curiosamente não está nos planos do atual ministro – mesmo com o Brasil sendo um dos poucos países que não possui imposto sobre grandes fortunas e que não tributa dividendos – demonstrando a coalizão financeira rentista do atual governo. Além disso, os efeitos arrecadatórios da reforma tributária, em tramitação no Congresso, segundo seus próprios proponentes, terão efeitos expansivos apenas no médio e longo prazo.
E em terceiro lugar: as receitas extraordinárias, que são receitas não recorrentes, não possuem previsibilidade e ocorrem apenas em momentos pontuais, sem controle do poder público.
Outro ponto a se destacar é o caráter nada anticíclico da nova regra. Em caso de recessão, o crescimento da despesa obedecerá o limite inferior citado anteriormente, 0,6%. Enquanto nos momentos de expansão, o limite máximo será de 2,5%. Tal regra contraria a necessidade de gastos da economia brasileira em cada momento, conforme preconizado pela literatura. Em geral, é durante a recessão que o gasto público deve ser ampliado, já que o multiplicador fiscal é maior nessas condições.
Ampliando o horizonte de análise da referida regra e realizando uma simulação de acordo com as regras anunciadas (despesa do ano anterior adicionada a 70% da variação da receita, limitada a 0,6% e 2,5%), para avaliar como seria a ‘Regra Haddad’ caso ela tivesse vigorado nos últimos 20 anos, tem-se os seguintes resultados para alguns cenários das últimas décadas:
No contexto da crise financeira de 2008, seguindo a estrutura fiscal proposta pelo atual ministro, teríamos dificuldades em implementar medidas anticíclicas para superar tal crise. Isso ocorre porque, como mostra o gráfico abaixo, o crescimento da despesa primária seria suave e grande parte dos gastos seriam destinados a despesas com pessoal (como salário mínimo e previdência social), o que impediria a alocação de recursos para investimentos públicos, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e políticas de acesso ao crédito para combater a crise.
Podemos dizer o mesmo para o período da pandemia (2020-2021), embora acredite que o atual ministro seria forçado a gastar além do projetado por razões políticas.
Na prática, a nova regra fiscal é pró-cíclica e não resolve o problema pelo qual passa a economia brasileira, que consiste em falta de investimento público.
Em suma: é uma regra frágil, pró-cíclica, que reforça o compromisso do atual governo com os ajustes fiscais ortodoxos e com uma visão de curto prazo, sem coerência com metas sociais, fundamentais para o desenvolvimento social e econômico do país.