Há meses a Rússia deu início à Operação Militar Especial contra o Ocidente não somente pela sua soberania mas também pelo seu próprio direito de existência. A era das meias medidas e compromissos acabou.
Temos lutado desesperadamente por oito meses, agora, derramando rios de sangue, perdendo muitas vidas, inclusive inocentes, rompendo todos os elos e acordos, tomando riscos, avançando, recuando, atacando, sendo golpeados, e ataques terroristas no território russo já se tornaram a norma, e cada novo ataque está ficando cada vez mais desagradável e áspero, e todos têm a estranha sensação de que estamos esperando por algo… Algum tipo de linha vermelha… Tudo que poderia ser atravessado já foi atravessado. Na situação atual não é possível se render ou negociar. Ou iremos vencer e a vitória será total, ou iremos perder e então não nos será mais permitido abrir a boca. Não estamos esperando por nada. Não há nada a se esperar.
Devemos nos juntar à luta e ir a frente, aqueles que não estão conosco está contra nós, a frente não está apenas fora das fronteiras ocidentais da pátria, mas corre por dentro da Rússia — agora está em todo lugar, e se alguém se parece com um traidor e age como um traidor, provavelmente é um traidor. Não há necessidade de esperar mais.
Tudo depende de nós, de cada um de nós. Poder sozinho, sem o povo, sem a sociedade, em uma maneira puramente técnica, precisamente cirúrgica e de maneira rápida, como parece ter sido o plano inicial, não tem sido capaz de vencer essa batalha; se agora essa é nossa guerra, as autoridades também têm obrigações perante o povo e a sociedade. Estratégias devem ser formuladas claramente e sem emoções, então tudo correrá como deveria e ninguém esperará mais. Ninguém quer esperar na frente, luta-se na frente.
Em uma guerra popular, o povo é o poder. Nós ‘’somos’’ o estado. A primeira e principal obrigação do governo para com o povo é vencer a guerra. Sim, todos juntos, mas para vencer. Se não há recursos, vamos criá-los juntos, vamos encontrá-los, vamos arrancá-los do chão, se há idiotas incompetentes no topo, vamos nos voltar para aqueles que por vários motivos foram marginalizados, silenciados, ignorados, temidos. Obviamente, é aí que está a solução. Se as pessoas são patriotas e ansiosas para participar da vitória, não poupando nada, então deixe-as tentar, se elas falharem, levaremos outras. Temos uma grande nação, mas devemos abrir as portas que conduzem à vitória e à glória e extirpar impiedosamente aqueles que se apegam à sua posição. É preciso parar o processo de rotação das elites em condições críticas para o país, quando se decide ser ou não ser, isso já é em si uma traição.
Não há linhas vermelhas, estamos do outro lado. Os ataques do inimigo continuarão em todas as direções: a guerra já dura há muito tempo dentro da Rússia e pode atingir a todos; fora da Rússia, a escória demoníaca atacará e destruirá todos os russos, sem ouvir suas desculpas. A guerra popular começa quando uma ameaça mortal paira sobre toda a nação e a parte dela que não se considera um povo ou nunca pensou nisso, e essa parte é um alvo agora.
A frente é aqui, agora.
De tempos em tempos, precisamos dar nome aos bois. As verdades não ditas e meias verdades produzem labirintos de ambiguidade, que por sua vez criam redemoinhos e correntes turbulentas em que a verdade se dispersa, se dissolve. Movendo-se no rastro da conjuntura, as palavras e os discursos degeneram irreversivelmente. No final, ninguém acredita mais em ninguém e tudo desaba.
Estamos perto deste ponto, por isso devemos ter a coragem de deixar as coisas claras. O limite é a sabotagem da ponte da Crimeia. Então, há a verdade — por mais difícil que seja — e o caminho árduo para a salvação e a vitória. Ou… E isso você pode adivinhar por si mesmo, não quero assustar ninguém — todos estão, eu acho, suficientemente conscientes da gravidade da situação em que nos encontramos.
Existe o direito internacional e existe a geopolítica. O direito internacional descreve como as coisas devem ser; a geopolítica descreve como as coisas são. Há sempre uma lacuna entre ‘’ser’’ e ‘’parecer’’.
Geopoliticamente falando, em 1991 a Rússia sofreu uma derrota colossal na batalha da Terra contra o Mar (Heartland versus Rimland, segundo as categorias da geopolítica clássica, Ed.). Nós nos rendemos, jogamos a bandeira branca e o chamamos de Yeltsin (o Centro Yeltsin é a mesma coisa, um monumento à derrota e à traição). Além disso, aceitamos a ‘’verdade’’ do inimigo, seu sistema de valores, suas normas, suas regras, o parlamentarismo, a democracia liberal, a ideologia do individualismo, o hedonismo e o conforto, o mercado.
Assim nasceu a Federação Russa, como vassalo do Ocidente, e Moscou foi forçada a reconhecer a independência de seus antigos territórios, as repúblicas, que conquistaram sua independência de nós, e automaticamente se tornaram dependentes do Ocidente. Onde a terra vai, o mar vem. Essa é a lei. Três dos territórios bálticos foram imediatamente incluídos na OTAN, os outros seguiram em linha.
Internacionalmente, isso se refletiu no reconhecimento pela Federação Russa da independência das antigas partes da Grande Rússia, mas isso foi apenas um reflexo das realidades geopolíticas. Ainda fomos “forçados” a entregar a Chechênia, o Cáucaso do Norte, a região do Volga e os Urais, a Sibéria e o Extremo Oriente. “Tome toda a soberania que quiser”, líamos.
Bem no final de 1993, o próprio Yeltsin de repente percebeu e decidiu que não estava mais sendo ‘’forçado’’. Assim começou a primeira campanha chechena. Foi uma campanha terrível, vergonhosa, monstruosa, mas… foi o primeiro sinal de que havia algo na Rússia que resistiu à sua ocupação completa pelo mar. Os liberais estavam do lado dos separatistas. Nossos reformadores se viam como uma administração colonial, os gauleiters de áreas subjugadas em uma guerra geopolítica. A Federação Russa foi concebida como uma entidade colonial com soberania mínima, e essa soberania se tornaria cada vez menor.
O espaço pós-soviético, e nos planos dos estrategistas ocidentais o espaço pós-russo, estava gradualmente sob o controle direto da OTAN, e a quinta coluna de liberais que governava em Moscou na época deveria facilitar esse processo de qualquer maneira possível. Isso culminou no processo de paz de Khasavyurt e na consolidação dos oligarcas em torno de Yeltsin, que havia perdido completamente a confiança do povo e sua capacidade de governar. O general Lebed é o principal exemplo de um oficial militar russo de alto escalão que traiu o estado e se colocou a serviço do inimigo.
Tudo terminou no final da década de 1990, quando os wahhabis controlados pelo Ocidente invadiram Moscou e Daguestão e dirigiram o terror (ataques, sabotagens, incursões). O ‘’forçamento’’ da Rússia para uma maior desintegração continuou. A situação tornou-se crítica, como é agora, na verdade mais do que então.
Então veio a era Putin, que foi uma mudança radical, principalmente na geopolítica. A Terra se recusou a se desintegrar e começou uma luta desesperada para recuperar a soberania. Esta é a segunda campanha chechena, muito difícil, mas vitoriosa. Forjou o fenômeno de Kadyrov e o poder do Continente, da Eurásia, de Heartland, que se defendeu do ataque do Mar.
Putin está agora no caminho da reconquista geopolítica, esta é a sua missão. Putin é a Eurásia retornando à sua subjetividade. E nada mais. Todo o resto não é Putin.
Ao nível do direito internacional, a ascensão da Rússia de seus joelhos já foi comprimida num quadro de reconhecimento da independência dos países da ex-URSS, e esta forma de ‘’coerção’’ foi assegurada pelo potencial geopolítico da OTAN.
Em um discurso em Munique em 2007, Putin desafiou esse status quo no equilíbrio geopolítico em um nível teórico. Em 2008, na Ossétia do Sul e na Abkhazia, a Rússia desafiou na prática o status quo pós-soviético. Ou seja, o fortalecimento de nossa soberania geopolítica nos levou a ousar mudar as fronteiras pós-soviéticas. A geopolítica entrou em jogo, comprimindo o direito internacional.
Então veio Maidan, a reunificação da Crimeia e a rebelião de Donbass. Maidan tornou-se o gesto de ataque do Mar, enquanto a Crimeia e o Donbass tornaram-se a resposta da Terra. Mais uma vez, reestruturamos o direito internacional para se adequar à geopolítica.
O direito internacional contém uma cláusula ambígua sobre a prioridade da integridade territorial dos Estados-nação e, ao mesmo tempo, o direito dos povos à autodeterminação. Na prática, sempre resulta em um equilíbrio geopolítico de poder entre Terra e Mar. O Heartland insiste que a Ossétia do Sul e a Abkhazia são independentes, enquanto a Crimeia, as atuais repúblicas de Donetsk e Lugansk, Kherson e Zaporíiia são nossas. O Mar insiste que a Iugoslávia não existe mais e que Kosovo é ‘’independente’’. Apenas força. Apenas geopolítica. E o direito internacional adapta-se post factum ao que emerge na prática geopolítica. A geopolítica é a verdade nua e crua, enquanto o direito internacional é uma superestrutura, um traje, uma moldura.
Agora considere a Operação Militar Especial: foi iniciada porque o país decidiu dar um passo a mais para restaurar sua posição no equilíbrio de poder. O comportamento de Moscou na era Putin e, portanto, no período de restauração da soberania geopolítica, não foi muito consistente com o direito internacional, que estabeleceu a existência de estados-nação no espaço pós-soviético. A diferença é que a Rússia sob Yeltsin era semicolonial, enquanto que sob Putin tomou o caminho para a verdadeira independência.
No entanto, o Centro de Yeltsin existe, assim como o reconhecimento formal de Moscou da Ucrânia como um ‘’estado-nação’’. Há também reformistas liberais na própria Rússia, como continuidade e até como meio-termo entre traição e lealdade.
Essa ambivalência levou a 2014. Parar nosso movimento para o leste na Ucrânia e tentar se contentar com a Crimeia foi um erro. Isso agora é óbvio para todos. Por que continuar mentindo sobre o “plano astuto”? Não houve um, mas foi a ligação ao Centro de Yeltsin, o apego aos anos 90, ao Ocidente, ao globalismo e ao Mar que foi responsável por este erro fatal. Voltamos ao mesmo ponto, só que em uma posição inicial muito pior, algo que poderia ter sido resolvido pelo sucesso da Operação Militar Especial em sua primeira fase, mas isso não aconteceu.
Do ponto de vista geopolítico, a Rússia não pode sequer permitir a própria existência da Ucrânia como cabeça de ponte do Atlântico, Mar, Organização Terrorista Ocidental. Todos os geopolíticos — desde o fundador dessa ciência, Mackinder, o ex-comissário da Entente para a Ucrânia, até Zbigniew Brzezinski, nossos eurasianos e a moderna escola russa de geopolítica — entenderam isso muito bem. A Rússia é um sujeito, um império, uma força geopolítica independente apenas junto com a Ucrânia (ao menos junto com a Novorússia). Esta é… a lei. Mackinder e Brzezinski chegaram à conclusão: o Ocidente deve a todo custo tirar a Ucrânia dos pés da Rússia. Os geopolíticos russos chegaram à conclusão exatamente oposta: a Ucrânia e a Rússia (assim como outras partes da Grande Rússia, o espaço pós-soviético) devem permanecer como Rússia ou pelo menos ser neutras. A hostilidade direta e o controle sobre eles pelo mar estão descartados, e nenhuma lei internacional é um obstáculo aqui. Se somos de fato a Rússia, então não deve haver anti-Rússia ao longo de nossas fronteiras.
Em outras palavras: o Pacto de Belaveja como a assinatura de nossa derrota só existe enquanto a Rússia permanecer sob o domínio ocidental, fraca e basicamente ocupada, liderada por uma elite colonial. Se a Rússia é realmente soberana, é a única que deveria sê-lo em todo o espaço pós-soviético.
É disso que se trata a Operação Militar Especial. Quando a diplomacia, a economia, os tratados internacionais começam, tudo isso não importa mais. Só resta a geopolítica. Só vitória, em todos os níveis e em todas as frentes
Esta é a primeira vez que a Rússia pretende rever em larga escala os resultados geopolíticos da Guerra Fria. Significa que a Rússia decidiu — já decidiu, estamos falando do passado recente e do presente, não apenas do futuro — mudar a ordem mundial unipolar e entrar em conflito direto com a Civilização do Mar, com o seu núcleo anglo-saxão. Para Moscou, é uma batalha mortal — mas apenas pelo necessário para se tornar um sujeito, um império. Para nós, portanto, tudo está em jogo. O Mar, por outro lado, mesmo que perdesse toda a Ucrânia, não sofreria muito. Ainda haverá muitas maneiras pelas quais o Ocidente tentará sufocar a Rússia com sanções, restrições comerciais, fome tecnológica. Mas para nós, a fraqueza da Operação Militar Especial é simplesmente fatal. Não é possível, nem necessário, explicar a ninguém que fomos obrigados a iniciá-la e que fomos guiados apenas por considerações humanitárias. Isso é retórica. Apostamos tudo numa verdadeira soberania da civilização.
Portanto, é necessário perceber isso. A Rússia decidiu mudar a ordem mundial e agora toda a sociedade deve ser rapidamente reconstruída de uma nova maneira eurasiana e patriótica.
Trata-se, em primeiro lugar, das estruturas de poder, onde obviamente muitos problemas se acumularam durante a era semicolonial. Em parte, há uma sabotagem real — a hábil promoção a cargos-chave de figuras descaradamente ineptas, a marginalização de líderes merecedores e fortes, a imersão deliberada em inúmeros detalhes técnicos e, finalmente, corrupção total — efetivamente legalizada pelo capitalismo e pela era do Centro de Yeltsin. Vemos isso no comportamento do Voentorg durante a mobilização parcial e em todos os outros lugares.
O principal problema hoje é nossa estrutura de poder, cujas raízes estão na sociedade, na ausência de ideologia, no estilo de vida confortável e decadente, na realidade que nos foi imposta após a derrota e capitulação dos anos 90. Estamos colhendo os frutos de uma ocupação mental paradigmática da Rússia.
Putin já deu o sinal final, mas a quem ele deu? Se não aos agentes diretos de influência, então aos produtos dessa sabotagem de longo prazo — os representantes mimados, corruptos, cínicos e muitas vezes simplesmente incompetentes e mentalmente deficientes (no cuidado de suas próprias entranhas, no entanto, eles são bastante completos) da elite que evoluiu na década negra de 1990.
E esse lixo é destinado para garantir a vitória da Rússia no confronto mais difícil com um inimigo monstruoso, resoluto, tecnicamente equipado e maniacamente convencido de sua justeza… Certamente não se trata dos ucranianos, que são vítimas zumbificadas entre os eslavos orientais, e que são nossos irmãos: é sobre o Ocidente, sobre a civilização do Mar, sobre os planos das elites globalistas para transformar a dominação mundial em um triunfo da civilização de Satanás, e eles estão determinados a fazê-lo, veja o que a cultura e filosofia ocidental de gênero e pós-humanista se tornaram, um autêntico cântico direto do inferno.
Na própria Rússia, chegou um momento de mudança radical, rápida e urgente.
Um momento em que as palavras ‘irmãos e irmãs’ em vez de ‘queridos russos’ vêm do coração. “Todos pela frente e todos pela vitória” em vez do patético balbucio de oficiais tentando unir o inseparável. A guerra sagrada de toda a nação não pela vida, mas pela morte, e as regras do direito internacional que ninguém respeita. Para romper as frentes, devemos lutar muito por dentro. A era das meias medidas e compromissos acabou e nossa batalha tem todas as chances de ser, desta vez, a última.
Fonte: Geopolitika.ru